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Ao examinar a natureza da pesquisa de lateralização, temos de pensar quão justificável é se fazer generalizações. Muito do que sabemos sobre a divisão do cérebro vem de estudos com pacientes cirúrgicos cujos cérebros foram quase literalmente separados. Alguns eram vítimas de epilepsia que tiveram comissurotomias, nas quais as fibras que ligam os dois hemisférios são danificadas. Outros pacientes tiveram um hemisfório lodo removido, e alguns cérebros foram danificados por tumores, ferimentos, ou derrames. Quando esses indivíduos são incapazes de realizar certas funções, presume-se que as regiões danificadas do cérebro são responsáveis pelo comportamento defeituoso. Inferimos então que as áreas danificadas realizariam as funções nos cérebros normais.

Mas indivíduos com cérebro danificado não são exemplos típicos encontrados por aí. Podemos, com segurança, extrapolar para a população como um todo? A maioria dos neurocientistas acha que não. Springer e Deutsch, cujo livro provavelmente é a melhor fonte sobre lateralização do cérebro para o leitor leigo, observam "a marcante adaptabilidade do cérebro" e concluem que "não é

possível tirar conclusões seguras sobre as atividades do cérebro normal a partir unicamente do que aprendemos na clínica de cérebros danificados".

Estudos com pessoas normais têm empregado uma variedade de métodos engenhosos destinados a isolar o comportamento de cada hemisfério para ver qual deles tem um papel mais dominante em uma atividade particular. Informações são apresentadas seletivamente a cada um dos ouvidos, ou a um dos olhos, uma vez que cada um transmite para o lado oposto do cérebro apenas. Outros métodos incluem observar o movimento dos olhos ou a inclinação da cabeça quando um indivíduo se engaja em diferentes tarefas. Diversos eletroencefalogramas (EEG) e outros processos são usados para ver que partes do cérebro são mais ativas nos diversos momentos.

Em geral, esses estudos corroboram as distinções espaciais e de linguagem descobertas em estudos sobre indivíduos com cérebros danificados. Porém, como aponta Howard Gardner, psicólogo da Universidade de Harvard, alguns dos métodos "apresentam estímulos de maneiras não familiares, e as inferências feitas a partir deles sobre processos normais são muito possivelmente erradas". Como alguns de seus colegas, Gardner também está preocupado que muitos experimentos não foram duplicados. Springer e Deutsch escrevem que estudos comparando resultados dos mesmos indivíduos em diferentes testes que visavam estudar a mesma função, raramente mostram um alto grau de correlação. Isso sugere que os testes não medem a mesma coisa, afinal. Os autores também observam que "testes repetidos com os mesmos indivíduos nem sempre produzem os mesmos resultados".

Embora considerados potencialmente importantes, os estudos de EEG até o momento produziram resultados confusos e muitas vezes conflitantes. Como os estudos que medem o fluxo sangüíneo, eles analisam o nível de atividade do córtex cerebral. A idéia é que as regiões mais ativas do cérebro são as mais responsáveis pelo tipo de operação que estiver sendo realizada no momento. No entanto, as diferenças nos níveis de atividade hemisférica, quando observadas, são geralmente pequenas.

Nenhum hemisfério está totalmente ligado ou totalmente desligado durante qualquer atividade particular. Todos esses estudos demonstram o envolvimento simultâneo de muitas áreas do cérebro, até mesmo em simples devaneios. Além disso, nas áreas menos ativas pode estar acontecendo muito mais do que agora compreendemos. Dada a complexidade do cérebro e a vasta área de regiões não mapeadas, a EEG provavelmente esteja apenas arranhando a superfície, tanto no sentido figurado como no literal. Também precisamos pensar se é válido relacionarmos experiências intuitivas reais com o que acontece nos estudos de lateralização em laboratório. Na maioria dos experimentos é dado um estímulo ao sujeito do teste e pede-se que ele reaja. Geralmente, não se envolve nada mais complexo do que simples percepção, e a resposta é imediata. Os testes estudam como os hemisférios reagem às informações que chegam. Desnecessário dizer, muito mais está acontecendo quando você tem um pressentimento sobre um problema não resolvido, ou uma forte sensação para agir de certa maneira, ou a resposta para um problema pendente lhe vem à mente de surpresa. As informações processadas pela mente intuitiva são geralmente retiradas de uma história de experiências anteriores e talvez do extra-sensorial ou outros caminhos que serão discutidos no Capítulo 7. O que se reúne no momento intuitivo pode ter sido uma contribuição dos dois hemisférios corticais, e provavelmente também de áreas do cérebro fora do córtex.

De fato, pode ser incorreto atribuir qualquer divisão rígida de trabalho aos hemisférios. Nós nem sabemos com certeza com que exatidão podemos aplicar os rótulos verbal/não-verbal. Acontece que o hemisfério direito tem uma grande competência lingüística, embora não possa dirigir a fala. Evidentemente, pacientes com lesões no cérebro díreito retêm o uso da linguagem porque o hemisfério esquerdo está intacto, mas eles perdem algo: a capacidade de entender metáforas, nuanças sutis de significado implícito, sugestões emocionais. Também sabemos que o hemisfério esquerdo está envolvido em certos comportamentos que são não-verbais e espaciais, como atividade motora. Alan

Gevins, da Universidade da Califórnia em San Francisco, observou há não muito tempo as ondas cerebrais de indivíduos engajados no reconhecimento de padrões. Segundo um artigo de Gary Selden no Science Digest de outubro de 1981, Gevins descobriu que "julgamentos numéricos ou espaciais bastante simples envolvem realmente muitas áreas dos dois lados do cérebro. Complexos padrões de eletricidade cerebral associados com esses julgamentos mudaram bem rapidamente: a cada 116 de segundo, um conjunto totalmente diferente de padrões complexos era observado" .

A dicotomia analítico/holístico, que foi provavelmente o ímpeto inicial para atribuir a intuição ao hemisfério direito, também está sendo contestada. Justine Sergent da Universidade McGill encontrou evidências de que as diferenças hemisféricas podem estar relacionadas com o tamanho e quantidade de detalhes dos estímulos, com o hemisfério direito favorecendo informações maiores e não detalhadas. Como citado no Brain/Mind Bulletin, Sergent disse que estudos anteriores que sugeriram uma divisão analítico/holístico "podem não ter colocado as questões certas, chegando a conclusões que não são garantidas". Ela descobriu que os dois hemisférios reconhecem fisionomias e que os dois podem ler; as diferenças estão relacionadas com o tamanho das letras e o grau de semelhança entre as fisionomias. O estudo de Sergent sugere que os dois hemisférios analisam e que os dois percebem o todo, mas que o direito interpreta impulsos vagos enquanto que o esquerdo processa informações bastante detalhadas. Isso é mais uma evidência de que as diferenças hemisféricas podem estar relacionadas mais com a maneira como cada hemisfério manipula as informações captadas do que com a complexa reestruturação que leva à intuição.

Finalmente, devemos enfatizar que todas as diferenças descobertas entre os hemisférios são uma questão de grau; elas são diferenças médias. Nenhum lado do córtex jamais funciona com a exclusão do outro. Iene Levy, cujo trabalho com o pioneiro Roger Sperry é responsável por grande parte do que sabemos sobre os dois hemisférios, enfatiza que as distinções funcionais

não são tão rígidas ou absolutas como somos muitas vezes levados a crer. "No indivíduo normal os dois hemisférios estão em constante integração ativa e íntima colaboração", disse o dr. Levy. "Não existe quase nada que uma pessoa normal possa fazer que dependa apenas de um hemisfério. Possivelmente, se usarmos uma tarefa tremendamente simples, repetitiva, habitual e maçante, um cérebro normal poderá mostrar processamento assimétrico, mas no instante em que aumentarmos a dificuldade da tarefa, isso instigaria a atuação hemisférica bilateral."

Embora muito ampliada em proporção no que concerne à intuição, a moda da repartição do cérebro legitimou modos de conhecer não-verbais e não-seqüenciais, e isso sem dúvida irá levar a um entendimento mais límpido da neurobiologia da intuição. Talvez pesquisas futuras aprofundem o atual trabalho com percepção até situações que lembrem mais de perto a intuição da vida real. Seria interessante usar testes como os delineados por Malcolm Westcott para ver que hemisfério é dominante em que pontos do processo, e se há diferenças cerebrais significantes entre indivíduos intuitivos e não-intuitivos. Também poderíamos estudar os padrões cerebrais dos estilos intuitivo e sistemático e de pessoas nas diversas categorias junguianas.

Para muitos cientistas, as semelhanças e duplicações de funções entre os hemisférios é mais surpreendente que as especializações. À medida que adquirimos mais dados, é muito provável descobrirmos que funções complexas como intuição e razão envolvem os dois hemisférios. Qualquer especialização pode vir a estar relacionada com o assunto em questão, o tipo de intuição envolvido e diferenças individuais em treinamento, estratégia e preferência. Estudos sobre a separação dos hemisférios já descobriram diferenças entre indivíduos, alguns dos quais são mais aptos a usar seus hemisférios em alternância. Apesar do exagero de retórica sobre as "duas personalidades" dos hemisférios, ainda temos um só cérebro.

Enquanto isso, devemos estar alertas com as observações sobre intuição que despreocupadamente a localizam no hemisfério direito. Um perigo é pensar que qualquer característica associada

com esse lado do cérebro também se aplica à intuição. A maior preocupação são os questionáveis procedimentos de auto-ajuda. Pessoas bem-intencionadas presumiram que estimular o hemisfério direito irá melhorar todas as funções intuitivas, desde "entrar em contato com seu corpo" até compreender Deus. Mesmo que soubéssemos com certeza que a intuição era uma especialidade do hemisfério direito, seria forçar a mão prometer que "ligar-se no hemisfério direito", seja o que 'for que isso signifique, poderia melhorar nossa intuição.

Por exemplo, um assessor apresenta o seguinte procedimento para a tomada de decisões: acalmar o cérebro esquerdo através de meditação ou hipnose (qualquer método antigo funciona, é o que fica implícito); "pergunte à sua intuição da metade direita qual o caminho a seguir"; depois "pergunte ao seu cérebro esquerdo o que deveria ser feito". Se obtiver respostas conflitantes de cada um dos hemisférios (pelo raciocínio do autor, uma resposta obtida racionalmente e outra intuitivamente), adie a decisão e, quando pressionado, siga o hemisfério que tenha sido mais bem sucedido no passado. Como você deve determinar que a mensagem "O que devo fazer?" vá para um hemisfério e não para o outro eu não sei, e como ter certeza de qual hemisfério está respondendo também é um mistério.

No momento, a maioria das técnicas do "cérebro direito" são baseadas em extravagantes extrapolações da pesquisa cerebral; promovê-Ias em nome de melhorar a intuição parece irresponsável. Que eu saiba, nem mesmo sabemos se elas se relacionam com estudos sobre a função cerebral, quanto mais com a intuição.