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A língua portuguesa e desenvolvimento na Guiné-Bissau

Capítulo 3 – Educação

3.7. A língua portuguesa e desenvolvimento na Guiné-Bissau

A língua portuguesa é um dos elos que une povos diversos em todo o mundo, seja pelo seu significado histórico, seja pela vontade política verificada nas últimas décadas em oferecer a base para uma relação de irmandade e cooperação entre os povos. O Português é quinta língua mais falada no mundo, com mais de 240 milhões de pessoas, se olharmos, é falada em países de diversas regiões do globo, o que implica um enorme riqueza do seu vocabulário numa relação próxima com o fenómeno da globalização.

Não é por acaso que Portugal é reconhecido mundialmente como um país de navegadores. Os portugueses empreenderam muitas viagens a diversos continentes com intuito de domínio e conquista de novas terras; as expedições não se restringiram simplesmente a explorar as riquezas naturais, buscavam também a expansão do império português centrado na propagação da fé cristã. Cristóvão (1929: 19), citando António de Nebrija, afirma que “a língua é companheira do império”. Por essa razão, havia dominação política, social, económica e linguístico-cultural em todos os territórios a que chegavam. O domínio português durou muito tempo até que todos os países tornassem independentes. Mesmo assim, ainda há um elemento que os une, o maior património imaterial e cultural que Portugal deu de presente a essas nações, a língua

portuguesa, veículo de comunicação de povos de nações diferentes e de povos duma

mesma nação, como é o caso de alguns países africanos.

Tido como idioma oficial na Guiné-Bissau, o português é falado por 13% da população, sendo praticamente desconhecido por uma grande parcela dos guineenses. Esse dado pode parecer assustador, mas é importante para que se conheça a real situação de funcionamento desta língua no país.

A Guiné, como outros países africanos, possui várias outras línguas que convivem lado a lado com a língua oficial de origem europeia. Após a independência da Guiné-Bissau, o português tornou-se a língua oficial do país, principalmente no cenário político. Mas, antes do português ser adotado, havia já mais de duas dezenas de línguas étnicas distribuídas pelos diversos grupos étnicos (Augel, 1997:76), além do crioulo que é falado por 90% dos guineenses.

Para os nativos, a questão linguística é inalterável, a língua é o mais valioso património do povo, ou seja, mexer com a língua é mexer com a identidade de um povo. Na Guiné-Bissau, a questão da língua é levada tão seriamente, que nenhuma língua poderia ganhar o estatuto de língua oficial como afirma Couto:

Essa delimitação artificial resultou em estados multiétnicos e multilingues, para os quais seria difícil encontrar-se um princípio unificador. Um dos primeiros problemas, se não o primeiro, com que se defrontaram os fundadores do Estado da Guiné-Bissau constituiu na decisão de que língua adotar-se como língua oficial. Nenhuma etnia aceitaria que a língua da etnia vizinha tivesse este privilégio (Couto, 2009: 55).

Para os guineenses, mudar de língua é mudar de etnia e identidade. Por essa razão, o crioulo serve como mediador das línguas étnicas pois é considerado “língua de ninguém”, ou seja, a língua que pertence a todos os guineenses.

No que diz respeito ao português, cabe-lhe o papel de língua oficial e de ligação com outros povos mais distantes. Não é por acaso que o fundador da nacionalidade guineense, Amílcar Cabral proferiu:

“Temos que ter um sentido real da nossa cultura. Português (língua) é uma das coisas que os portugueses nos deixaram, porque a língua não é prova de nada, mas senão um instrumento para os homens se relacionarem uns com os outros, é um instrumento, um meio para falar, para exprimir as realidades da vida e do mundo (Cabral, 1976 apud Caniato, 2002:134)”.

Devido ao ser a língua oficial, é língua de ensino, usada em toda a escolarização, com pequenas concessões ao uso do crioulo nas fases iniciais da alfabetização. Os livros didáticos são todos em português e, frequentemente, importados de Portugal. As publicações do INEP (Instituto Nacional de Estudo e Pesquisa) são todas em português e o que se traduziu durante a época colonial também está, obviamente, em português.

Os discursos oficiais são publicados sempre em português, mesmo quando são proferidos oralmente em crioulo.

A realidade apresentados até aqui nos autorizam a prever um futuro altamente promissor para o português na Guiné-Bissau. Para Amílcar Cabral, a posição oficial sempre foi a de investimento na língua portuguesa e todas as manifestações oficiais posteriores têm ido na mesma direção, talvez mesmo para se manter uma identidade luso-africana frente à identidade franco-africana dos países circunvizinhos.

Os programas de ajuda externa ao país (cooperação) são outro chamariz para a língua portuguesa: bolsas de estudos que são concedidas a jovens guineense para fazer cursos no Brasil e Portugal.

Entre os diversos fatores que contribuem para um futuro promissor da língua portuguesa na Guiné-Bissau é importante destacar de Portugal ter voltado a ser uma referência para os guineenses, pois há um grande desejo de emigrar para Portugal, uma porta privilegiada para a Europa e um parceiro comercial, ocupando o segundo lugar nas importações do país, depois da China, e o terceiro nas exportações.

A aproximação do crioulo ao português é um processo amplamente conhecido dos estudiosos de línguas crioulas, que é a descrioulização. Todo o crioulo que continua convivendo com a língua de superstrato tende a se aproximar dela; além disso, as línguas étnicas tendem aproximarem-se cada vez mais do crioulo e este do português. Diversos autores chamaram a atenção para a importância do português sobre o crioulo, resultando no crioulo ‘leve’ e, por outro, a influência do crioulo sobre o português chamando-o ‘português acrioulado’.

A formação académica sempre foi vista como algo imprescindível para a construção desta jovem nação. Após a independência, a preferência dos estudantes guineenses é fazer a formação superior em Portugal. Portugal abriga uma grande população de imigrantes de países da África de língua portuguesa, como guineenses, cabo-verdianos, angolanos etc. Por meio de grandes redes de relações, os estudantes podem contar com a ajuda de familiares e amigos em Portugal, o que representa um grande apoio para se estabelecerem melhor financeiramente, além de poderem partilhar um suporte emocional na nova situação vivida, como estrangeiro. Outro factor importante na escolha por Portugal para fazerem os seus estudos é a preferência pela variedade do português europeu.

O mundo globalizado de hoje estreita as relações entre diferentes países, bem como encurta as distâncias entre os povos e contribui para a difusão das línguas pelo mundo, devido ao livre trânsito de pessoas, de capitais e mercadorias. Nesse contexto, as línguas desempenham um papel político decisivo, porque se consolidam, adquirem prestígio e patenteiam a efetiva difusão da consciência nacional. A internacionalização das trocas políticas e económicas é feita por meio das línguas oficializadas no âmbito dos Estados (Faulstich, 2001:105-6).

Neste quadro de política internacional, é o idioma que funciona como suporte da reunião de povos. É papel do Estado zelar pela unidade e aos usuários compete preservar a variedade, que existe em toda a nação, assim é necessário adotar políticas linguísticas condicentes com ações políticas adequadas e com políticas educacionais estruturadas, com intuito de garantir a comunicação transnacional e promover o português.

Em virtude das diversas relações políticas, económicas, sociais e linguísticas, que os países mantêm com os falantes da língua portuguesa ao se comunicarem, essa língua tem um papel relevante político no contexto de um novo mapa de interação entre as nações, especialmente, entre as que integram a CPLP, como a Guiné-Bissau.