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2 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS ORGÂNICOS NO ÂMBITO

2.2 A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA PARA OS ORGÂNICOS

No que se refere à legislação brasileira voltada para a normalização do mercado de orgânicos, foi criada a Instrução Normativa de 19 de maio de 1999, elaborada pelo Ministério da Agricultura e Abastecimento, cujo objetivo era definir a criação do Colegiado Nacional e dos Colegiados Estaduais com a função de regularizar as ações das entidades certificadoras e, também, criar “as normas de produção, tipificação, processamento, envase, distribuição, identificação e certificação da qualidade para os produtos orgânicos de origem vegetal e animal” (OLTRAMARI et al., 2002, p. 9).

Para Fonseca (2005, apud PORTILHO; CASTAÑEDA, 2008, p. 7), a certificação foi mais do que uma simples estratégia de empresários agroalimentares, mas apresentou-se como “um fenômeno geral, incorporado pelas indústrias e serviços dos países de alta renda”. No entanto,

[...] a proliferação de normas de certificação tem sido avaliada como um entrave ao desenvolvimento do mercado de orgânicos, pois aumenta custos, trabalho e tempo criando dificuldades para o comércio mundial dos produtos orgânicos, especialmente para os países de baixa renda.

Somente no ano de 2003 foi criada a Lei nº 10.831, conhecida como Lei dos Orgânicos. Fonseca (2005) destaca que o processo de regulamentação dessa Lei se deu sob tensão com os movimentos sociais.

No Brasil, desenrola-se o processo de regulamentação da Lei 10.831/2003 que dispõe sobre a agricultura orgânica, tendo como pano de fundo as tensões demonstradas pelos movimentos sociais entre aceitar uma normalização construída e imposta por padrões externos, com a certificação como a única forma de garantia da conformidade dos produtos orgânicos, ou estabelecer padrões nacionais de produção e transmissão da confiança aos consumidores, baseados em processos históricos mais adequados aos pequenos produtores dos países de baixa renda, com pouca ou nenhuma infraestrutura de apoio governamental ou privado (FONSECA, 2005, apud PORTILHO; CASTAÑEDA, 2008, p. 7)

Ainda segundo Fonseca (ibid., p. 7), com a regulamentação dessa Lei pelo Decreto 6.323, de 27 de dezembro de 2007, buscou-se equilibrar as diferentes formas de certificação, por auditoria ou de maneira participativa, “abrindo espaço para comercialização diretamente pelo produtor, desde que cadastrado no Ministério do Abastecimento, Pecuária e Agricultura (Mapa)”7.

Sobre a definição de orgânicos na Lei de Orgânicos, verifica-se que ela está contida no Art. 1º da Lei nº 10.831/2003, da seguinte forma:

Considera-se sistema orgânico de produção agropecuária todo aquele em que se adotam técnicas específicas, mediante a otimização do uso dos recursos naturais e socioeconômicos disponíveis e o respeito à integridade cultural das comunidades rurais, tendo por objetivos a sustentabilidade econômica e ecológica, a maximização dos benefícios sociais, a minimização da dependência de energia não renovável, empregando, sempre que possível, métodos culturais, biológicos e mecânicos, em contraposição ao uso de materiais sintéticos, a eliminação do uso de organismos geneticamente modificados e radiações ionizantes, em qualquer fase do processo de produção, processamento, armazenamento, distribuição e comercialização, e a proteção do meio ambiente (BRASIL, 2003).

O conceito de sistema orgânico de produção agropecuária e industrial, que consta do § 2º do Art. 1º da Lei nº 10.831, abrange os âmbitos: ecológico, regenerativo, biológico, agroecológico8, permacultura, natural9 e biodinâmica10 e outros que atendam aos princípios

7

Há ainda outros dispositivos legais em vigência. Para mais informações sobre a regulamentação da produção orgânica, consultar Mapa (2015).

8 A Agroecologia, no entanto, não é considerada um meio de produção e nem uma prática agrícola

propriamente dita, mas, como já vimos na nota 2, uma ciência que engloba diversas áreas, a fim de garantir a sustentabilidade agrícola.

9 A agricultura natural, trazida ao Brasil por migrantes japoneses ligados à Igreja Messiânica, bem como o

sistema agroflorestal e a permacultura são exemplos de outras práticas de cultivo de alimentos contra- -hegemônicos. Grosso modo, a primeira não utiliza “compostos de origem natural, como o esterco”, e o solo deve estar sempre coberto, como nas florestas nativas. Os pensamentos e os sentimentos do agricultor também são elementos considerados como relevantes para o bom desenvolvimento das plantas. Já o sistema

estabelecidos por essa mesma lei. E, ainda, em seu Art. 2º, considera-se que o produto da agricultura orgânica ou produto orgânico, seja ele in natura ou processado, é aquele obtido em sistema orgânico de produção agropecuária ou oriundo de processo extrativista sustentável e não prejudicial ao ecossistema local.

Em relação aos produtos orgânicos processados, como compotas, massas, sucos, entres outros, a legislação brasileira determina alguns requisitos para que estes sejam certificados como orgânicos. E mesmo os produtos processados produzidos por produtores orgânicos, que contenham matéria-prima não orgânica, podem ser identificados no rótulo como “orgânico ou produto orgânico” desde que contenham até 5% de ingredientes não orgânicos – e explicitem quais são os ingredientes e que estes não estejam proibidos pelas regras de produção orgânica, como os transgênicos. Já os produtos com até 30% de ingredientes não orgânicos só podem ser identificados no rótulo como “produtos com ingredientes orgânicos”. Além do rótulo, todos os produtos orgânicos também devem possuir o selo de garantia para atender às normas da vigilância sanitária (MAPA, 2009, p. 16-17).

Sob o ponto de vista da legislação, nota-se que a própria diversificação nas denominações ou vertentes adotadas e suas variantes expressa o reconhecimento da diferenciação interna do sistema orgânico agropecuário de produção ou extrativista sustentável, mas o “orgânico” é uma categoria apropriada pelo Estado para gerir as suas relações comerciais e regulamentá- las, sem, contudo, reconhecer a amplitude do conceito de agricultura orgânica e as particularidades de cada modalidade de agricultura.

Do ponto de vista da literatura sobre o assunto, como pondera Guivant (1995, p. 104), é preciso considerar que não há um consenso sobre a definição de produção orgânica, mas sim uma confusão conceitual que induz a conotações diferentes. Isto é, os diferentes termos usados referem-se a diversas formas de agricultura que têm, em comum, diferenças com a

agroflorestal tenta integrar a agricultura à floresta nativa; enquanto a permacultura, teria como objetivo “a sustentabilidade dos assentamentos humanos locais”, e a integração entre plantas, animais e construções (SGANZERLA; MARTINS; SINGH, 2013, p. 24-26).

10 A agricultura biodinâmica é associada a Rudolf Steiner, precursor da medicina antroposófica e da Pedagogia

Waldorf. Em especial, ele teria tratado da agricultura biodinâmica em oito palestras ministradas em 1924. A proposta seria a de que uma mesma unidade agrícola, vista como um organismo, produzisse todo o necessário para a sua manutenção (animais, sementes, os alimentos dos seus trabalhadores etc.). Há também a tentativa de superação da oposição entre fé e ciência, e, ainda, a consideração das estações climáticas e dos ciclos astronômicos, variáveis importantes nos momentos de semeadura e colheita. É feito o uso de preparados biodinâmicos, elaborados a partir de plantas e órgãos de animais – os principais seriam o chifre-esterco e o chifre-sílica (SGANZERLA; MARTINS; SINGH, 2013, p. 24-25).

convencional e/ou tradicional, e podem ser englobadas no “guarda-chuva conceitual de sustentável”. Para essa autora, todavia, há controvérsias11

em torno da concepção de agricultura orgânica:

A agricultura orgânica tem o compromisso primordial de proteger o meio ambiente e a saúde, objetivando a produtividade em longo prazo e não sua maximização imediatista (VOGTMANN, 1984). Trata-se de uma produção dirigida ao mercado de consumidores alternativos, mantendo, portanto, uma perspectiva comercial. Ao se eliminar a aplicação de insumos químicos, não se rompe totalmente com a utilização dos insumos de fora da propriedade rural [...] Mas existe na agricultura orgânica a possibilidade de ater-se exclusivamente aos recursos encontrados e criados na propriedade rural, ao invés de buscar os encarecedores recursos energéticos de fora; esta modalidade agrícola é denominada “regenerativa” (GUIVANT, 1995, p. 106). Diante dessa imprecisão terminológica e conceitual de sustentabilidade que pode distinguir a agricultura nas modalidades mais divergentes, nesta pesquisa não foi utilizado o conceito de “sustentável”, nem foi proposta uma discussão sobre o conceito de sustentabilidade. Antes, foi assumido o termo alternativo de “orgânico”, que é uma categoria utilizada e apropriada pelos sujeitos sociais pesquisados (consumidores da feira em questão), como também, pelo fato de a legislação brasileira tê-lo assumido como um termo que engloba os outros, embora o objetivo dessa pesquisa não seja desconsiderar a existência de processos de produção, distribuição e consumo sustentáveis.

2.3 A COMERCIALIZAÇÃO DOS ORGÂNICOS REALIZADA POR