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2 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS ORGÂNICOS NO ÂMBITO

2.3 A COMERCIALIZAÇÃO DOS ORGÂNICOS REALIZADA POR PEQUENOS

2.3.1 O caso da feira orgânica do bairro Barro Vermelho, em Vitória – ES

Quando se remete ao lócus de investigação da pesquisa – a feira orgânica do bairro Barro Vermelho –, verifica-se que se trata da primeira feira orgânica surgida na região metropolitana da Grande Vitória. Ela resultou da articulação de interesses entre consumidores e produtores organizados na forma de associação: a Associação de Moradores de Bairro Vermelho (AMBV), a Associação de Produtores de Orgânicos da Agricultura Familiar de Santa Maria de Jetibá (Amparo Familiar), a Associação de Produtores Santamarienses em Defesa da Vida (Apsad-Vida) e as de produtores de Iconha: Associação de Agricultores Familiares Tapuio Ecológico e a Associação de Agricultores Orgânicos Agroecológicos de Campinho (Vero Sapore).

Conforme o Regimento Interno (2012, p. 1) da feira, esta se constitui em um espaço exclusivo para a comercialização de produtos orgânicos in natura ou processados que visa a fornecer aos consumidores “produtos saudáveis nutritivos, sem contaminantes químicos e valorizar o trabalho dos Agricultores Familiares que utilizam um processo de produção ambientalmente equilibrado e socialmente justo. Em resumo, busca a qualidade de vida para todos”.

Os objetivos principais, relacionados no Artigo 1º do Regimento Interno são:

I – Promover a comercialização direta entre agricultores e consumidores; II – Promover e difundir o conceito e consumo de produtos orgânicos;

III – Ser espaço de troca de informação e experiências entre agricultores e consumidores;

IV – Ofertar produtos orgânicos com qualidade e preços justos ao consumidor. (ibid., p. 1).

O Artigo 24 do Regimento Interno, que trata da Comissão da Feira de Produtos Orgânicos (CFPO), atribui a esta um papel fiscalizador e deliberativo para tratar dos assuntos que envolvem o funcionamento da feira. E, com o objetivo de que as regras e os critérios regulamentares sejam cumpridos e discutidos entre os feirantes, os consumidores e o poder público para “garantir a qualidade da feira e direcionar situações pertinentes ao bom funcionamento” (ibid., p. 1), o Art. 25 diz que a CFPO deverá contemplar a participação de todas as associações representadas na feira, de representante da Prefeitura de Vitória e de representante da organização dos consumidores (ibid., p. 5).

A inserção do feirante ocorre mediante permissão outorgada. Para participar dessa feira todos os feirantes precisam estar cadastrados na Secretaria Estadual de Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag) e obter a autorização e o alvará de autorização de uso concedidos pela Secretaria de Serviços (Semse) da Prefeitura de Vitória. E também se exigem, do feirante, o uso de uniformes, crachás padronizados e barracas padronizadas, bem como que ele atenda à legislação vigente referente às normas do Projeto “Feira Legal”, do Código de Posturas da PMV (Lei nº 6.080/2003 e suas alterações) e da Vigilância Sanitária da PMV, e às legislações federais vigentes no que se refere à produção orgânica (PMV, 2014b).

O Regimento Interno da feira do Bairro de Barro Vermelho ainda prevê a participação de produtores contemplados com os três mecanismos de certificação previstos em lei, citados acima. No entanto, entre os 18 produtores rurais cadastrados nessa feira, pela PMV, foi verificado que aqueles originados de Iconha (vinculados à Associação Tapuio Ecológico ou Associação Vero Sabore), adotam, predominantemente, o mecanismo OCS, enquanto que entre os produtores originados de Santa Maria de Jetibá (vinculados à Associação Amparo Familiar e à Associação Apsad-Vida) predomina a certificação por auditoria, via Instituto Chão Vivo (ICV).

A Associação Chão Vivo foi fundada em 16 de novembro de 1999 e surgiu como uma organização não governamental, sediadano município de Santa Maria de Jetibá, no Estado do Espírito Santo, com as funções de certificar e prestar assistência técnica às propriedades rurais com produção orgânica.

No entanto, a fim de atender à Lei Federal nº 10.831/2003 e o Decreto nº 6.323/2007, para se tornar um organismo de avaliação da conformidade orgânica credenciado no Mapa, a associação foi transformada, em 2011, em Instituto Chão Vivo (ICV) de Avaliação da Conformidade. Sua missão passou a ser “a promoção da agricultura de base ecológica, por meio da adoção de sistemas de avaliação da conformidade, visando à proteção do agroecossistema e melhoria da qualidade de vida dos agricultores/as e consumidores/as” (ICV, 2013). Portanto, esse instituto pode emitir aos produtores a Avaliação da Conformidade da propriedade rural orgânica, atuando sob o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e estando credenciado no Mapa (ICV, 2013).

Como apontado na literatura, além das questões que envolvem a certificação da propriedade rural, muitos pequenos produtores rurais podem ficar submetidos a atravessadores, com

relação a crédito e às vendas de seus produtos, ou às grandes redes de supermercados, comércios e canais de exportação, ocasionando a subordinação e a expropriação da produção orgânica com o processamento agroindustrial (DÖBEREINER; WILKINSON; ZIMMERMANN; AGAPAN, 1985, p. 74). Destarte, a comercialização de produtos orgânicos em feiras livres é considerada importante para os pequenos produtores, como forma de contornar a submissão econômica.

Daí o destaque no próprio Regimento Interno (2012, p. 1-2) da feira, em seu Artigo 2º, incisos III ao IX, para a importância da presença de empreendedores feirantes que, mesmo não sendo agricultores familiares, respeitem condições, como: ser colaborador e defensor da causa da agricultura orgânica; ser associado a um grupo de representação; que os produtos vendidos tenham certificação orgânica e origem comprovada; que não atue com concorrência desleal, fortaleça a ida de consumidores, e sua presença se dê em proporção que não descaracterize a feira.

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Apesar do foco desta pesquisa ser o consumo de alimentos orgânicos em feiras especializadas e de haver uma diversidade de abordagens sobre os orgânicos, este capítulo é dedicado a uma breve explanação acerca da emergência dos alimentos orgânicos na contemporaneidade, especificamente no Brasil, no âmbito da produção, da legislação e da comercialização, com base nos principais documentos legais e normativos que vigoram no país e no estado sobre a produção, a certificação e a comercialização de alimentos orgânicos, entre outros documentos consultados. Também são apresentadas algumas abordagens teóricas sobre a comercialização de alimentos orgânicos, principalmente aquela realizada pelo pequeno produtor rural em feiras livres.

Observou-se que no cenário mais amplo de produção de alimentos, os orgânicos surgem como uma alternativa ao sistema moderno vigente de produção de alimentos. Sob o ponto de vista da produção, viu-se que a agricultura orgânica se contrapõe e concorre com a agricultura moderna dominante. Enquanto a primeira defende a diversidade e a visão sistêmica, a segunda se baseia na racionalidade instrumental e produtivista.

Sob o ponto de vista da legislação, nota-se que o alimento orgânico é uma categoria genérica apropriada pelo Estado para gerir as suas relações comerciais e regulamentá-las. Contudo, a produção e a comercialização de alimentos orgânicos envolvem ainda inúmeros outros aspectos que se referem à certificação, ao transporte, ao armazenamento, entre outros.

Apesar de existirem diferentes formas de comercialização da produção orgânica e que se fazem necessárias políticas públicas que incentivem essas práticas econômicas desde a sua produção, a autora da pesquisa procurou deter-se na comercialização por meio de feiras especializadas, foco do trabalho, no âmbito da relação entre produtor/feirante e consumidor. Por compreender, também, que as feiras orgânicas são importantes canais alternativos de comercialização dos alimentos orgânicos para os pequenos produtores rurais brasileiros, processo que também é sustentado pela sua demanda por parte dos consumidores, é que no próximo capítulo serão apresentadas algumas ferramentas teóricas e analíticas pertinentes para se ampliar o entendimento acerca do atual contexto no qual ocorre o aumento dessa demanda por alimentos orgânicos.

3 REFERENCIAIS TEÓRICOS PARA SE PENSAR SOBRE A