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3.1 DELIMITAÇÃO CONCEITUAL DO TERMO “REPRESENTAÇÕES SOCIAIS”

3.1.1 Os sujeitos que representam: os consumidores de orgânicos do Brasil

No Brasil, a questão do consumidor de alimentos orgânicos vem despertando interesse não apenas de economistas e de estudiosos de marketing e propaganda, mas também de alguns

pesquisadores das ciências sociais, em razão das mudanças de visões de mundo, crenças, valores, motivações e atitudes dos consumidores na sociedade contemporânea.

Alguns autores acreditam que os consumidores de orgânicos são um grupo social que opta pela alternativa de demandar alimentos não comuns da “era moderna” e que vem assumindo um posicionamento mais crítico e seletivo (RUCINSKI; BRANDENBURG, 2002, p. 1). No entanto, mesmo com uma crescente produção de pesquisas, nos últimos anos, sobre as motivações, os significados simbólicos e interativos dos consumidores desse tipo de alimento, poucos estudos sociológicos no Brasil buscam caracterizar o perfil socioeconômico desses consumidores.

Sobre essas pesquisas que delineiam as características do perfil dos consumidores de alimentos em feiras orgânicas no Brasil, como as realizadas por Portilho e Castañeda (2008, p. 4, nota 4) e Portilho (2008, p. 6, 2010, p. 554), ambas na Feira Orgânica e Cultural da Glória (Rio de Janeiro), e por Rucinski e Brandenburg (2002, p. 5), em feiras orgânicas de Curitiba (Paraná), é possível identificar um perfil aproximado desses consumidores: uma faixa etária que varia entre 30 a 70 anos, geralmente do sexo feminino, com melhor escolaridade, de classe média e a maioria casados, com filhos e com hábito de consumo diversificado.

Eles mostram que as principais motivações para comprar de alimentos orgânicos são a saúde pessoal e da família e a preocupação com o meio ambiente. No entanto, essas motivações são investigadas, do ponto de vista teórico, sob diferentes perspectivas.

Enquanto Rucinski e Brandenburg (2002, p. 5) entendem que esse consumo aponta para um novo sujeito que percebe o mundo sob outra ótica e recria um modo de vida, Portilho e Castañeda (2008, p. 11) e Portilho (2008, p. 16, 2010, p. 562), verificam que esse consumo em feira orgânica seria uma forma de consumo político, de materializar um desejo abstrato de buscar alternativas capazes de impactar a sociedade e meio ambiente e de solidariedade com os produtores locais.

A pesquisa de Castañeda (2010, p. 9, 2012, p. 149) realizada em supermercados, feiras, estabelecimentos especializados em hortifruti, lojas de produtos artesanais e naturais, padarias, delicatessens e lojas de conveniência em Nova Friburgo (Rio de Janeiro) também mostra essa prática de consumo como um tipo de ação política não-institucionalizada e aponta que a medicalização, a saudabilidade, a valorização da origem e a gastronomização são tendências que perpassam esse consumo.

No entanto, a pesquisa realizada por Guivant (2003, p. 75), em supermercados de São Paulo, Rio de Janeiro e Florianópolis, estabelece uma diferenciação entre os consumidores orgânicos de supermercados e os que consomem em outros canais de comercialização. A autora constata que consumidores orgânicos de supermercados tem uma preocupação com a saúde e qualidade de vida, porém esta motivação está orientada pela procura de um estilo de vida mais saudável, como uma tendência ego-trip, em contraste com a tendência ecológico-trip (GUILLON; WILLEQUET, 2003, apud GUIVANT, 2003, p. 64). Já o consumidor ecológico-

trip se volta para um estilo de vida que representa uma procura de contato simbólico entre o

consumidor e seu ambiente e se traduziria num consumo mais sistemático de produtos bio. Para essa autora, portanto, a prática de consumo orgânico tanto ocorre entre consumidores preocupados basicamente com a saúde do próprio corpo (consumo ego-trip) quanto entre aqueles interessados também no bem coletivo e com o futuro do planeta (consumo ecológico-

trip).

Portilho (2008, p. 3) afirma que algumas interpretações atuais consideram os consumidores “como indivíduos atomizados, fragmentados, hedonistas e egoístas”. Guivant (2003, p. 71; 78) assinala que “tanto em pesquisas acadêmicas quanto de mercado observa-se uma tendência de classificação dos consumidores de alimentos orgânicos num segmento único e homogêneo da população”; essa autora também aponta para a necessidade de serem realizadas pesquisas com caracterizações mais complexas do perfil desses consumidores, de modo a não contribuir com a ideia de um consumidor como mero autômato ou racional que se orienta, exclusivamente, por motivos econômicos e de ter cuidado de não idealizar este consumidor.

Alguns aspectos desse consumidor precisam ser mais bem problematizados. Como aponta Azevedo (2012), cada vez mais grupos de consumidores têm se preocupado com questões ligadas à segurança de alimentos e valorizado aspectos como produção sustentável, ecológica e socialmente correta (AZEVEDO, 2012, p. 176). A autora ainda destaca que a “busca crescente dos consumidores por alimentos saudáveis e naturais, com garantia de qualidade, conteúdo e autenticidade, é percebida como uma transformação no seu estilo de vida” (ibid., p. 183-184); contudo, o perfil desses consumidores não está baseado apenas nas preocupações com a saúde e a qualidade da alimentação, mas para alguns consumidores também implica em uma “filosofia de vida”.

Apesar da amplitude do conceito do termo “filosofia de vida”, Azevedo acredita que este remete ao perfil de consumidores que buscam alimentos produzidos “segundo os princípios da

harmonia com a natureza, acreditam na diversidade como princípio fundamental e creem no seu papel ativo de promover saúde social para os produtores, apoiando uma nova visão de sociedade” (IKERD, 1999, apud AZEVEDO, 2012, p. 185).

Essa autora entende que conhecer e apontar aspectos de qualidade de vida de determinado grupo e relacionar alimentos orgânicos com saúde exigem que as práticas alimentares sejam analisadas em relação ao modo de vida e à cultura local, ou seja, deve-se levar em consideração o contexto cultural no qual se dão (ibid., p. 30).

Ainda segundo Azevedo (2004, 2012), há uma variedade e heterogeneidade de modelos e padrões alimentares e muitas restrições e simbolismos alimentares que só podem ser compreendidos conhecendo-se a cultura de cada povo. Entre as correntes ou tendências alimentares está o vegetarianismo, o veganismo, o crudismo, o frugivorismo, a alimentação integral orgânica, entre outras, como também existem modelos alimentares dentro de um contexto religioso ou filosófico mais específico15.

Diante dessas breves considerações acerca dos consumidores de alimentos orgânicos no Brasil e de suas motivações para aderir a esse tipo de consumo, considerou-se que a prática de consumo de alimentos orgânicos em feiras especializadas remete às representações sociais dos consumidores sobre os alimentos orgânicos, pois essas representações os acompanham na escolha desse alimento, ainda que não tenham consciência delas. Ainda que as ideias coletivas tendam a se individualizar nos sujeitos, a autora deste trabalho, no entanto, não acredita que elas remetam ao aspecto sensorial, a modos de sentir dos indivíduos, como uma dimensão mais psicologizante.

Dessa forma, para se utilizar a expressão representações sociais entende-se que seja fundamental indicar com precisão o sentido em que serão tomadas.

Sem a pretensão de abordar o tema representações sociais em toda sua extensão e profundidade, serão apresentadas, a seguir, as questões consideradas mais elementares e relevantes para o objeto de análise dessa pesquisa, a partir das proposições de Durkheim e de Moscovici que se desdobram na corrente teórica de Denise Jodelet, reconhecendo a necessidade de aprofundamento das leituras e reflexões sobre o assunto.

15 Não se pretende, nesta pesquisa, aprofundar essa discussão. Para obter mais informações sobre as correntes

alimentares e sobre os modelos alimentares com influências religiosas e filosóficas, consultar Azevedo (2012, p. 289-346).