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A Lei da Ação Popular e o Decreto-Lei n.º 147/2008, de 29 de julho

1. A tutela civil do direito do ambiente – uma tutela substantiva não satisfatória

1.2. A tutela oferecida pela responsabilidade civil

1.2.2. A Lei da Ação Popular e o Decreto-Lei n.º 147/2008, de 29 de julho

Acresce que não podemos perspetivar a questão da responsabilidade civil, tendo por base, unicamente o artigo do CC.

A lei da ação popular (Lei n.º 83/95, de 31 de agosto) consagra nos seus artigos 22.º a 24.º a responsabilidade subjetiva (dependente de um juízo de censura) e objetiva (independente de um juízo de censura) para as situações de violação de interesses difusos, como é o caso do ambiente. No entanto, este diploma parece mais importante do que na realidade é. Continua, na linha do artigo 53.º, n.º 2 da CRP, a falar em “lesado”, quando, na tutela de bens ambientais insuscetíveis de refração individual, não faz sentido a atribuição de uma indemnização a uma pessoa individual. Nas palavras de CARLA AMADO GOMES, “[o] dano ambiental é um dano público, infligido a bens da comunidade, e não pode gerar, por isso qualquer direito à indemnização a favor de um

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Idem, ibidem.

194 Idem, ibidem.

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sujeito ou grupo de sujeitos”196

. Este diploma, para ser totalmente adequado à tutela do ambiente, devia, outrossim, prever um Fundo, enquanto património autónomo, como legitimado para a receção de uma indemnização.

Mais atenção merece o regime estabelecido em 2008. Foi através do Decreto- Lei n.º 147/2008, de 29 de julho, que o legislador português transpôs para Portugal a Diretiva 2004/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, que aprovou o regime relativo à responsabilidade civil por danos ambientais. Deu-se um grande passo na tutela ambiental com a ajuda do direito da União Europeia, pois a Diretiva aprofundou determinados conceitos, estabelecendo um sistema sui generis de

responsabilidade197.

O presente diploma, nos termos do artigo 2.º, “aplica-se aos danos ambientais, bem como às ameaças iminentes desses danos, causados em resultado do exercício de uma qualquer actividade desenvolvida no âmbito de uma actividade económica, independentemente do seu carácter público ou privado, lucrativo ou não”, estabelecendo-se uma responsabilidade civil subjetiva e objetiva no Capítulo II.

Todavia, ao contrário da lei da ação popular, entendemos que este diploma demonstra uma maior sensibilização para o que deve ser uma responsabilidade civil por dano ambiental. De facto, quer no artigo 7.º, quer no artigo 8.º, utiliza-se a seguinte expressão: “ofender direitos ou interesses alheios por via da lesão de um componente ambiental”. Desta feita, separa-se o dano ambiental dos danos que eventualmente poderão surgir como consequência dessa conduta lesiva e que se sejam suscetíveis de

refração individual198. Repare-se que, contrariamente à lei da ação popular, não se

pretende tornar indemne o titular do interesse difuso violado (o ambiente), mas antes compensar a lesão que uma conduta lesiva dos componentes ambientais possa ter, por consequência e de forma incidental, em direitos subjetivos ou interesses de determinados cidadãos (como, por exemplo, o direito à integridade física). Deste modo, parece-nos que se separou, e bem, a responsabilidade civil por danos individuais da

196 CARLA AMADO GOMES, “O Direito ao Ambiente no Brasil… cit., p. 281.

197 Para uma análise mais atenta da Diretiva, vide CRISTINA ARAGÃO SEIA, “Novas normas de responsabilidade ambiental na

União Europeia: implicações para a jurisprudência”, in Lusíada: Revista de Ciência e Cultura, Série Direito, n.º 1 e 2 e LUDWIG KRÄMER, “The Directive 2004/35 on environmental liability – useful?”, in Actas do Colóquio – A responsabilidade civil

ambiental, FDUL, 2009, p. 42 e ss, disponível em

http://www.icjp.pt/sites/default/files/media/icjp_ebook_responsabilidadecivilpordanoambiental_isbn2.pdf, acedido em 01-07-2015.

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O que se trata de uma criação do legislador português face à Diretiva que apenas se referia ao dano ecológico, dizendo o considerando 14 que «a presente directiva não é aplicável aos casos de danos pessoais, de danos à propriedade privada ou de prejuízo económico».

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responsabilidade civil por danos ambientais que encontra guarida no Capítulo III (que apesar da sua epígrafe ser “Responsabilidade administrativa pela prevenção e reparação de danos ambientais”, também nela se inclui uma responsabilidade de operadores privados - artigo 11.º, n.º 1, alínea l) -, não sendo a Administração a única sujeita a este

regime)199. Com efeito, consideramos que a responsabilidade por dano ao ambiente, em

sentido próprio, apenas se encontra regulada neste capítulo200.

Ora, no que concerne à responsabilidade por danos ambientais, os artigos 12.º e 13.º do diploma preveem quer a responsabilidade subjetiva, quer a objetiva. Mas quais são os seus requisitos?

Em relação ao facto, importa referir que o diploma consagra, no Anexo III, um conjunto de atividades económicas em que a conduta lesiva se deve enquadrar para fazer desencadear o mecanismo da responsabilidade civil.

No que toca à ilicitude, é interessante verificar que não se faz referência nem à violação de direitos de outrem (pois esta encontra-se no âmbito do Capítulo II), nem à violação de normas. Desta feita, parece que a categoria da ilicitude é, pura e simplesmente, ignorada pelo legislador, não sendo por isso requisito para se desencadear o mecanismo da responsabilidade civil. Conclui-se, portanto, pela consagração da responsabilidade quer por factos lícitos, quer por factos ilícitos.

O dano é o requisito que mais merece a nossa atenção. Segundo o artigo 11.º, n.º 1, alínea e) do Decreto-Lei 147/2008, o conceito de dano ambiental abrange três grandes categorias: os danos causados às espécies e habitats naturais protegidos (ou

danos à biodiversidade); os danos causados à água; e os danos causados ao solo201. O

que nos leva à seguinte questão: e os danos causados à atmosfera? Ora, o considerando 4 da Diretiva responde dizendo que “os danos ambientais incluem igualmente os danos causados pela poluição atmosférica, na medida em que causem danos à água, ao solo, às

199 Na opinião de TIAGO ANTUNES trata-se de uma responsabilidade ambiental bicéfala – cfr. TIAGO ANTUNES, “Da

natureza… cit., p. 127.

200 Segundo CARLA AMADO GOMES, o Capítulo II deve ter-se por não escrito, por não se tratar de uma tutela de bens ambientais

– cfr. CARLA AMADO GOMES, “De que falamos, quando falamos de dano ambiental?”, in Actas do Colóquio – A responsabilidade civil ambiental, FDUL, 2009, p. 26, disponível em http://www.icjp.pt/sites/default/files/media/icjp_ebook_responsabilidadecivilpordanoambiental_isbn2.pdf, acedido em 01-07-2015, p. 160.

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É pena que nesta componente apenas importe o dano ao solo na medida em que ponha em causa a saúde humana. É um pequeno traço de antropocentrismo que, na nossa opinião, é uma “pequena mancha” do diploma português que decorre da Diretiva comunitária.

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espécies ou aos habitats naturais protegidos”. O que, consideramos, acompanhando

TIAGO ANTUNES, que se trata de umas principais lacunas do diploma202.

Acresce que, e ainda quanto a este elemento, deve ocorrer um dano ambiental ou uma ameaça iminente para se gerar responsabilidade civil ambiental. Parece que o legislador quis forjar como mecanismo preventivo, um que é intrinsecamente reativo, ainda que à responsabilidade civil seja sempre possível reconhecer elementos preventivos pois, “se alguém for passível de ser responsabilizado por uma determinada

conduta, tenderá – em princípio – a evitá-la”203. De facto, o legislador quis juntar “os

dois mundos” conseguindo uma responsabilidade civil ambiental absolutamente sui

generis204, em que a mera iminência do dano pode desencadear medidas de prevenção

que constam do artigo 14.º do diploma, o que nos leva a concluir por uma responsabilidade civil absolutamente adaptada à complexidade inerente à tutela de bens ambientais.

Respondendo a alguns problemas que elencámos a propósito da análise do artigo 483.º do CC, o artigo 5.º deixa um importante critério para a materialização do

critério do nexo de causalidade205.

Acontece que uma análise do Capítulo III não pode esquecer a importância que é dada à intervenção do Estado, nomeadamente através da Agência Portuguesa do Ambiente, quanto à fixação das medidas de prevenção a adotar pelo operador. Por este facto, a doutrina afirma que não está em causa apenas e só uma questão de responsabilidade do poluidor, pois também se “visa concretizar e operacionalizar a

obrigação constitucional que o Estado tem de proteger o ambiente206”. TIAGO

ANTUNES, considera que, ao contrário do que se passa com o Capítulo II, este regime mais não é do que “um regime de responsabilidade de natureza jurídico-pública – que impõe aos operadores, sob pena de contra-ordenações, um conjunto de deveres de prevenção e reparação de danos ambientais; que vincula os operadores a prevenirem e repararem os danos ambientais independentemente de estarem ou não obrigados a

202 TIAGO ANTUNES, “Da natureza… cit., p. 130.

203 Idem, p. 133. 204 Idem, p. 137.

205 LUÍS MENEZES LEITÃO critica a opção do legislador no artigo 4.º, n.º 2, por considerar que é “bastante injusta”, sendo

preferível uma presunção com base na quota de mercado de cada lesante. No entanto, contrariamente a alguma doutrina, considera que o artigo 5.º oferece vantagens, como a de deixar uma ampla margem ao julgador para o estabelecimento de presunções judiciais de causalidade - cfr. LUÍS MENEZES LEITÃO, “A responsabilidade… cit., pp. 40-41).

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suportar os respectivos encargos; e que atribui às autoridades públicas um extenso leque de poderes para a determinação das medidas de prevenção e/ou reparação que, em cada caso, devem ser levadas a cabo (e até, eventualmente, para a sua execução a título

subsidiário)”207

.

Deste modo, urge concluir pela imprestabilidade do artigo 483.º do CC para uma responsabilidade civil ambiental, pela insuficiência da lei da ação popular e, por outro lado, pela enorme adequação do Capítulo III do Decreto-Lei n.º 147/2008. No entanto, é curioso verificar que o instrumento mais prestável é o único que contende com um regime jurídico-público, o que só prova a nossa conclusão de que a tutela civil não é uma tutela, por si só, satisfatória para a proteção dos bens ambientais.