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O contencioso administrativo subjetivo e objetivo – breve nota

4. A competência dos tribunais administrativos

4.1. O contencioso administrativo subjetivo e objetivo – breve nota

A maior vastidão das relações jurídicas disciplinadas pelo Direito

Administrativo304, como consequência da maior intervenção do Estado na regulação de

condutas dos particulares, fez com que os tribunais administrativos surgissem.305. Era

necessário a criação de um foro composto por juízes com uma certa especialização306.

Desta feita, nasceram com a missão primordial de fiscalizar a legalidade307 da atuação

administrativa e para assegurar a prossecução do interesse público308, mas aos poucos309

304 MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, Almedina, 2013, p. 55.

305 Para um percurso histórico quanto ao nascimento do contencioso administrativo, vide JÓNATAS E. M. MACHADO, “Breves

considerações em torno do âmbito da justiça administrativa”, in A Reforma da Justiça Administrativa, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, STVDIA IVRIDICA, Colloquia 15, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, pp. 81 ss., SÉRVULO CORREIA, Direito do Contencioso Administrativo, I, Lisboa, Lex, 2005 e WLADIMIR BRITO, Lições de Direito Administrativo, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, pp. 11 e ss..

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Neste sentido, SÉRVULO CORREIA, autor que defende que o desejo de evitar atritos funcionais entre o Governo e a magistratura judicial; a noção de que haviam sido sempre mais os inconvenientes do que as vantagens quand o, ao longo do século XIX e primeiras décadas do século XX, se procurara regressar, em maior ou menor medida, ao monismo de cariz judicialista e a estabilidade financeira foram também fatores determinantes para a consolidação do modelo dualista de jurisdições - cfr. SÉRVULO CORREIA, Direito… cit., p. 476.

307 JÓNATAS E. M. MACHADO, “Breves… cit., p. 107. Para MARCELLO CAETANO, no contencioso administrativo não se

fazia o “julgamento do órgão que praticou o acto ou da pessoa colectiva a que ele pertence. O que está em causa é a legalidade do acto, não o comportamento das pessoas. Reexamina-se o processo gracioso e a sua decisão à luz dos preceitos legais aplicáveis, a fim de emitir a final não uma condenação ou absolvição do pedido, mas um juízo de confirmação ou de anulação, meramente declaratório” – cfr. MARCELLO CAETANO apud WLADIMIR BRITO, Lições… cit., 2005, p. 9. Segundo a leitura de WLADIMIR BRITO destas palavras que transcrevemos, o contencioso ou recurso contencioso é “antes de mais uma segunda fase do processo administrativo, que, de acordo com MARCELLO CAETANO (…), tem duas fases, a graciosa e a contenciosa, sendo esta última caracterizada pela apreciação jurisdicional da legalidade do ato administrativo. Segunda fase do processo administrativo esta que decorre junto dos Tribunais administrativos”. “Assim, podemos dizer que o contencioso administrativo confundia-se com regras processuais reguladoras da actividade da jurisdição administrativa tendentes a apreciar a legalidade do acto da administração” – cfr. WLADIMIR BRITO, Lições… cit., 2005, pp. 9-10.

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Criando-se verdadeiros tribunais administrativos, com competência para fiscalizar a atuação da Administração, afastam-se os modelos organizativos de “tipo administrativo”, em que a decisão final dos litígios administrativos compete aos órgãos superiores da Administração (“julgar a administração é ainda administrar” – cfr. WLADIMIR BRITO, Lições… cit., 2005, p. 25). No modelo judicialista, como o nosso, a decisão das questões jurídicas administrativas cabe a tribunais integrados numa ordem jurisdicional

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reconheceu-se, como sendo também da sua competência, a proteção dos direitos e

interesses legítimos dos cidadãos nas suas relações com as entidades administrativas310.

A este propósito a doutrina distingue entre o contencioso administrativo objetivo e o

contencioso administrativo subjetivo311. Cumpre-nos uma breve nota sobre um assunto

que grande aprofundamento mereceu por parte da doutrina nacional e estrangeira. Se, numa fase inicial, o particular objeto de um ato administrativo, para proceder à sua impugnação contenciosa, não tinha que fundar a sua legitimidade na titularidade de um direito ou num interesse, mais tarde se reconheceu que não importa apenas ao contencioso administrativo a reposição da legalidade ou a imposição à administração da decisão mais adequada ao interesse público. Importa, outrossim, e as mais das vezes, a tutela de uma posição jurídica subjetiva de um sujeito face à administração. No contencioso objetivo, o particular assume um papel de mero Mitarbeiter ou de “simples

interesse amarrotado”312

na luta pela reposição da legalidade administrativa, ao passo que no contencioso subjetivo, o particular assume-se como verdadeiro titular de tutela

jurisdicional313, sendo-lhe reconhecida a “«qualidade de sujeito de direito»”314,

libertando-se da mera função de “«procurador do direito»”315. O centro da atenção do

contencioso administrativo deixa de ser o ato, para passar a ser a relação jurídica

administrativa316.

Eclodiram, desta feita, após a II Guerra Mundial, os modelos subjetivistas, passando-se a admitir a total jurisdicionalização do contencioso administrativo e reconhecendo-se uma tutela jurisdicional plena, providenciando-se um número ilimitado de meios de ação para tutela de posições jurídicas subjetivas e de quaisquer posições que se relacionem com normas de direito administrativo, ainda que não tenha havido prática de qualquer ato, alargando-se a legitimidade e os poderes processuais das partes,

autónoma, verdadeiramente separada dos demais poderes soberanos, partindo-se do princípio de que toda a atividade administrativa, mesmo nos momentos discricionários, está subordinada ao Direito e por isso todas as relações jurídicas administrativas interpessoais devem ser conhecidas por órgãos investidos do poder de julgar. Quanto à explanação dos demais modelos, fazendo um excurso sobre a evolução nos países na Europa, veja-se JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, Coimbra, Almedina, 11.ª Edição, 2011, pp. 15 e ss..

309 Esta evolução acompanhou a transformação do direito administrativo que, influenciado pelas conceções anglo-saxónicas, tendeu

para deixar de ser um direito centrado no ato para passar a ser um direito para proteção dos administrados - vide idem, pp. 18-19.

310 JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS, “Tutela ambiental… cit., p. 70.

311 Sobre estes diferentes modelos e para um maior aprofundamento, vide JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça…

cit., pp. 11 e ss

312 HAURIOU apud VASCO PEREIRA DA SILVA, Para um… cit., p. 68.

313 SÉRVULO CORREIA, Direito… cit., pp. 333 e ss.

314

MAUER apud VASCO PEREIRA DA SILVA, Para um… cit., p. 70.

315

Idem, ibidem.

316 MÁRIO JOSÉ DE ARAÚJO TORRES, “Contencioso Administrativo”, in Textos CEJ – Ambiente e Consumo, Volume II, 1996,

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sem deixar de se efetivar os efeitos das sentenças e a execução das decisões judiciais,

nomeadamente pela Administração317.

Diga-se, todavia, que os modelos subjetivistas não surgiram para derrogar os modelos objetivistas. Os primeiros surgiram num momento posterior, mas nem por isso se deve entender que o contencioso administrativo objetivo pertence ao passado. Acompanhando VIEIRA DE ANDRADE, “a necessidade de asseverar os direitos individuais contra a Administração não pode fazer esquecer as realidades actuais da extensa difusão de utilidades e da intensa intercomunicação de solidariedades, que geram situações de grande complexidade de interesses, públicos e privados, e apontam para uma nova legalidade social, exigindo uma reacção efectiva contra normas lesivas do interessse público, bem como mecanismos institucionais, colectivos e comunitários para a sua realização”. É precisamente o que acontece com a tutela jurisdicional do bem ambiente. Como veremos infra, a tutela jurisdicional administrativa do bem ambiente vai fazer evidenciar, de novo, as caraterísticas necessariamente objetivas do contencioso administrativo.

A nossa CRP318 consagra o princípio da tutela jurisdicional efetiva

administrativa (268.º da CRP), fazendo transparecer que o legislador constituinte319 quer

uma justiça administrativa virada e norteada para a tutela de posições jurídicas subjetivas, de interesses legítimos, libertando-se de um contencioso administrativo

centrado apenas no ato administrativo320. Segundo COLAÇO ANTUNES, a justiça

administrativa portuguesa, ao resolver um recurso de anulação de um ato, resolve também a questão de direito material subjacente, no que respeita às relações tecidas entre os particulares e a Administração ou apenas entre particulares, mas disciplinadas

por normas de direito público321.

317 JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça… cit., p. 19.

318 Sobre a evolução do sistema de justiça administrativa em Portugal, vide idem, pp. 23 e bibliografia sugerida pelo autor na mesma

página.

319 O direito do contencioso administrativo tem uma íntima relação com o direito constitucional. O primeiro, segundo FRITZ

WERNER, é verdadeiro “direito constitucional concretizado” (FRITZ WERNER apud VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo como “Direito Constitucional Concretizado” ou “ainda por concretizar?”, Coimbra, Almedina, 1999, pp. 5-6). Mas, e recordando os ensinamentos de VASCO PEREIRA DA SILVA, também o direito constitucional depende do direito administrativo. Na medida em que os direitos fundamentais se realizam pela via do processo, a justiça administrativa, segundo o artigo 268.º da CRP, tem também um papel fundamental para a efetivação dos direitos consagrados na CRP - cfr. VASCO PEREIRA DA SILVA, “Direito Constitucional… cit., pp. 7-9.

320

Toda esta evolução do contencioso administrativo foi objeto de constitucionalização pelos demais países, sendo de notar que a evolução dos sistemas aponta para uma maior subjetivização da justiça administrativa – cfr. idem, pp. 20-21.

321 LUÍS FILIPE COLAÇO ANTUNES, Para um Direito Administrativo de Garantia do Cidadão e da Administração – tradição e

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Todavia, não devemos, daquela disposição constitucional, extrair uma imposição de um modelo estritamente subjetivista de justiça administrativa. Desde logo porque o lugar sistemático do artigo 268.º da CRP faz-nos concluir pela mera intenção de definir as garantias processuais e procedimentais dos administrados nas relações com a Administração. Depois, seria impensável um contencioso administrativo que não pudesse ser utilizado para a mera prossecução do interesse público, ainda que inexistindo in casu pretensões jurídicas subjetivas. Por último, e mais importante para o objeto da nossa investigação, diz-nos VIEIRA DE ANDRADE, no seguimento do que já introduzimos supra, que a consagração constitucional do direito de ação popular para defesa de interesses coletivos, difusos ou comunitários, incluindo a defesa dos bens

públicos, impõe uma relativa objectivização do modelo322.

A concretização legislativa das imposições constitucionais conduziram à criação de um modelo substancialmente subjetivista, mas com momentos objetivistas. Estes são visíveis, nomeadamente, na legitimidade ativa ao reconhecer a possibilidade de impugnação de atos, independentemente de interesse direto e sujectivo na demanda, mediante mecanismos de alargamento de legitimidade processual como a ação popular,

a ação pública e a ação particular323.

4.2. O critério de delimitação da competência dos tribunais administrativos para