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Direito ao ambiente como interesse difuso ou interesse coletivo

1. O Artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa

1.2. Direito ao ambiente como interesse difuso ou interesse coletivo

Já concluímos que os conceitos de direito subjetivo e de direito de personalidade não são capazes de englobar todas as caraterísticas presentes na fórmula “direito ao

111 MARIA ELIZABETH FERNANDEZ, Direito ao… cit., p. 22, JOSÉ DE SOUSA CUNHAL SENDIM, Responsabilidade… cit.,

pp. 37 ss., J. J. GOMES CANOTILHO, “Procedimento Administrativo… cit., n.º 3799, p. 291, CARLA AMADO GOMES, Risco e… cit., p. 42, JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS, Direito Constitucional e…, cit., p. 18. Daí que não seja de aceitar uma conceção antropocêntrica de Ambiente. No entanto, é interessante verificar que em Itália, por não existir um direito subjetivo ao ambiente consagrado na Constituição, a doutrina e jurisprudência fazem decorrer esse direito do direito à saúde e à integridade física, reconhecendo que o direito ao ambiente enquanto direito subjetivo apenas se materializa nessas dimensões. Desta feita, a Corte de Cassazione, tem admitido intervenções processuais dos cidadãos (individualmente) contra a poluição, legitimados com base no direito à vida, integridade física e personalidade (cfr. CARLA AMADO GOMES, Risco e… cit., pp. 69-70).

112 Em sentido idêntico, vide CARLA AMADO GOMES, Risco e… cit., p. 42.

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ambiente” presente na Constituição. Agora é tempo de averiguar a prestabilidade do conceito de interesse difuso ou de interesse coletivo.

MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, JORGE MIRANDA e JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS, apesar de admitirem refrações individuais de um direito ao ambiente, suscetível de configurar um verdadeiro direito subjetivo, admitem que a titularidade do artigo 66.º da CRP pode e deve ser analisada do ponto de vista

supraindividual ou plurissubjetivo114. E nesta prespectiva, a doutrina invoca os

conceitos de interesse difuso e de interesse coletivo.

A este propósito importa recordar os ensinamentos de GIANNINI, importados por LUÍS FILIPE COLAÇO ANTUNES, que faz distinguir os interesses difusos dos interesses coletivos dizendo que os primeiros são interesses sem dono e os segundos

com dono115. Ou seja, se por um lado, os primeiros têm uma titularidade indefinida por

pertencente a uma pluralidade indeterminada de sujeitos, os segundos pertencem a um grupo delimitado de indivíduos. Aqui advoga-se, como critério de distinção, um critério subjetivo, ou seja, põe-se em evidência a suscetibilidade da titularidade ser reconduzida

ou não a um grupo representante116.

No entanto, outros critérios têm sido avançados. O critério objetivo distingue com base na possibilidade ou não de indivisibilidade do bem, ou seja, se por um lado o interesse difuso não pode ser fruído por apenas um grupo de pessoas, o interesse coletivo apenas se refere a um interesse sentido por esse grupo delimitado. E um critério, a que chamamos económico, faz distinguir o interesse coletivo do interesse difuso por aquele se caraterizar por uma “situação de conflitualidade em relação ao

poder económico”117

.

Parece-nos que o primeiro critério é o mais esclarecedor. Neste sentido, não sendo o ambiente um bem que é mais de uns do que de outros, afigura-se-nos que o conceito de interesse difuso é o único que aqui nos interessa.

114 JORGE MIRANDA, “A Constituição e o… cit., pp. 356 e 362, JORGE MIRANDA, Manual de… cit., p. 77, MIGUEL

TEIXEIRA DE SOUSA, “Legitimidade Processual… cit., p. 411 e JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS, Direito e… cit., p. 22.

115 LUÍS FILIPE COLAÇO ANTUNES, A Tutela dos Interesses Difusos em Direito Administrativo: para uma legitimação

procedimental, Coimbra, Almedina, 1989, p. 19. A este propósito veja-se, ainda, JOSÉ SOUTO MOURA, “A Tutela Penal dos Interesses Difusos”, in Conferência Nacionnal – O Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente, Lisboa, Ambiforum, Centro de Estudos Ambientais, Lda., 26/28 de abril de 1993, p. 26 ss..

116 LUÍS FILIPE COLAÇO ANTUNES, A Tutela dos… cit., pp. 19 e ss., nota 3.

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Os interesses difusos não devem ser entendidos como verdadeiros direitos, nem

como interesses sentidos individualmente, nem como interesses públicos118, nem como

a soma de diversos direitos individuais119. De facto, trata-se de um figura que nasceu

nos ordenamentos jurídicos para dar resposta a necessidades de tutela jurisdicional de determinados interesses que não pertencem a um, nem a uns, mas a todos. Com efeito as estruturas jurídicas existentes, necessariamente oitocentistas, tiveram que dar lugar a novos conceitos para atribuir tutela a interesses, que, apesar de não corresponderem a verdadeiros direitos subjetivos, nem a bens suscetíveis de apropriação individual, deviam ser juridicamente invocáveis e tutelados.

Em nosso entender, os interesses difusos regem-se pelo princípio da indivisibilidade do bem e dos seus benefícios. Assim, o bem objeto do interesse não é passível de refração individual, sendo legado de todos, e os benefícios adquiridos pela utilidade do bem ou pela sua correspondente tutela não podem ser individualizados,

nem qualquer ser individual os pode excluir da sua esfera jurídica120.

No entender de LUÍS FILIPE COLAÇO ANTUNES, os interesses difusos decorrem de normas programáticas da Constituição e devem merecer por parte do Estado uma maior proteção e reconhecimento jurídico. “Mais do que à procura de um senhor, na expressão de COGO, este tipo de interesse reclama o seu reconhecimento

jurídico positivo”121

.

Todavia, apesar da conceção do artigo 66.º, n.º 1 da CRP como um interesse difuso ser preferível, em nosso entender, face à de direito subjetivo ou de direito de personalidade, parece-nos, ainda, que não é a visão mais adequada do artigo da CRP. De facto, o conceito de interesse difuso é perspetivado como um alargamento da

legitimidade processual122. Ora, essa faceta encontra-se plasmada nos artigos 268.º, n.º1,

2 e 4, 20.º e 52.º, n.º 3 da CRP. Deste modo, não podemos aceitar que o artigo 66.º não

118 JOSÉ DE MELO ALEXANDRINO, Direitos… cit., p. 36.

119 ÁLVARO LUIZ VALERY MIRRA, “Ação Civil Pública em Defesa do Meio Ambiente e a Representatividade Adequada dos

Entes Intermediários Legitimados para a Causa no Direito Brasileiro”, in Lusíada: Revista de Ciência e Cultura, Série de Direito, n.º 1 e 2, 2004, p. 235.

120 FRANCISCO JOSÉ MARQUES SAMPAIO, Evolução da Responsabilidade Civil e Reparação de Danos Ambientais, Rio de

Janeiro, Renovar, 2003, p. 186.

121

LUÍS FILIPE COLAÇO ANTUNES, A Tutela dos… cit., p. 22.

122 No sentido de que o conceito de interesse difuso é essencialmente processual, vide J. J. GOMES CANOTILHO, “Ambiente

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passe de uma repetição123. O preceito constitucional sob análise tem que expressar algo

mais, sob pena de se tornar inútil, por não autónomo.