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2.4 Idade Contemporânea

2.4.1 A lei marcial continental

A primeira alternativa, isto é, a lei marcial, ocorria com a utilização do poderio militar já em exercício. Não havia alteração na estrutura organizacional prevista na Constituição. Porém, diferentemente da martial law britânica, a lei marcial da Europa continental configurava-se num Estado jurídico com a proclamação. Era utilizada para fazer face às ameaças internas ou externas e gerava a alocação do poder nas mãos dos militares. Segado esclarece que: “...stricto sensu, la ley marcial

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FIX-ZAMUDIO, Héctor. Los Estados de Excepción y la Defensa de la Constitución. In: Boletín Mexicano de Derecho Comparado, nueva serie, año XXXVII, num. 111, septiembre-diciembre de 2004, p. 803.

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Ao contrário, na Bélgica, a partir da influência de Benjamin Constant, chegou-se a proibir expressamente qualquer medida de suspensão da Constituição em momentos de crise. V. GOUVEIA, Jorge Bacelar. O Estado de Excepção no Direito Constitucional: entre a eficiência e a normatividade das estruturas de defesa extraordinária da Constituição. Vol. I. Coimbra: Almedina, 1998, p. 167-174. 153

era la norma legal que contenía los casos y formas de utilización de la fuerza armada en el interior del país.”154.

A medida foi utilizada em pelo menos quatro oportunidades na França, todas em ato contínuo à Revolução de 1789. As leis que cuidaram da medida são datadas de 21 de outubro de 1789, 23 de fevereiro, 02 de junho de 1790, 26 de julho de 1991, 4 e 8 de julho de 1791. Dentre as medidas e os efeitos previstos nas leis acima citadas estavam: a declaração de vigência da lei marcial; a configuração da ilegalidade das reuniões as quais se procurava dispersar155; a isenção da responsabilidade das autoridades na dissolução das reuniões. A lei marcial era aplicável inicialmente apenas em Paris. No entanto, a partir de 1790, passou a abranger todo o território francês. Em 23 de junho de 1793 a lei marcial foi revogada naquele país.156

No contexto norte-americano também se verificou o uso da lei marcial. A medida divergia do instituto francês. Apresentava-se como lei marcial punitiva ou preventiva. Esta ligada ao aspecto processual, aquela concebia um governo militar. A primeira é particularmente interessante e será objeto das considerações que se seguem.

A lei marcial punitiva possuía maior semelhança com o modelo adotado pelos franceses. Leis de 1795 e 1807 previam a possibilidade, em caso de graves perturbações internas ou externas, de o Chefe do Executivo, autorizado pelo Legislativo suspender a divisão dos poderes. Com a declaração da lei marcial, um comando militar fazia as vezes do Chefe do Executivo e comissões militares, as vezes do Judiciário.

A Suprema Corte Americana cuidou pela primeira vez de um caso envolvendo a lei marcial, em 1848, em Luther v Borden157. O caso envolveu situação de crise no Estado de Rhode Island, passada em 1841. Este Estado ingressou na

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SEGADO, Francisco Fernandez. La Constitucionalizacion de la Defensa Extraordinaria Del Estado. En Torno a la Obra de Pedro Cruz Villalon, "El Estado De Sitio y la Constitución” Revista Española de Derecho Constitucional, Año 2. Núm. 4., p. 229-250, Enero-abril, 1982. Disponível em: <http://www.cepc.es/rap/Publicaciones/Revistas/6/REDC_004_229.pdf> Acesso em 20/05/2008, p. 237.

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Esta previsão de uso para fins de dissolver reuniões tornava a medida próxima do já comentado Riot Act britânico.

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GOUVEIA, Jorge Bacelar, GOUVEIA, Jorge Bacelar. O Estado de Excepção no Direito Constitucional: entre a eficiência e a normatividade das estruturas de defesa extraordinária da Constituição. Vol. I. Coimbra: Almedina, 1998, p. 180.

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WEIDA, Jason Collins, A Republic of Emergencies: Martial Law in American Jurisprudence. Connecticut Law Review, Vol. 36, p. 1397-1438, 2004, p. 1404.

Federação norte-america sem a elaboração de uma nova Constituição. O governo era, portanto, baseado na Carta de Charles II, de 1663.

No início da década de 40, alguns cidadãos, que não reconheciam a autoridade do documento, reuniram-se e criaram uma convenção constitucional sem qualquer respaldo. Quando o Governador, eleito por esta força dissidente, tomou medidas contra o Governo amparado pela Carta vigente, foi proclamado por este

martial law.

O caso que chegou à Suprema Corte foi o do ingresso forçado na casa de Martin Luther, promovido pelo poder militar, especificamente por Luther Borden, subsidiado pela lei marcial. A decisão considerou que a declaração de lei marcial pode ser feita para suprimir insurreições dentro do Estado, e que, no caso concreto, cabia ao Governo constituído em Rhode Island definir se efetivamente se configurou um Estado de guerra que demandasse a medida prescindindo de definição judicial prévia. Em Luther v. Borden destaca-se o trecho:

It was a state of war; and the established government re-sorted to the rights and usages of war to maintain itself, and to overcome the unlawful opposition. . . . Without the power to do this, martial law and the military array of the government would be mere parade, and rather encourage attack than repel it.158

Com base neste leading case sobre a lei marcial a medida foi posteriormente utilizada no âmbito Federal. Abraham Lincoln utilizou o instituto para determinar o fechamento dos portos do Sul durante a guerra civil americana159.

O precedente apontado como relevante na limitação da lei marcial norte- americana foi: Ex part Milligan, de 1866 160. A Suprema Corte decidiu que:

…Milligan, a citizen who had never been a member of the armed forces,was tried and sentenced by a military commission while the courts in Indiana remained open.Indeed, the military district of Indiana was not even in the theater of active military operations during the Milligan affair. Martial law simply could not exist in the absence of actual war while the courts remained open.Since martial law in Indiana at that time was un-constitutional, the military commission was without jurisdiction.161

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ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. 48 U..S. 1, 1849. Luther v. Borden. Disponível em: <http://supreme.justia.com/us/48/1/case.html> Acesso em: 19/03/2008.

159

ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. 67 U.S. 635, 1867. Prize cases. 2 Black. Disponível em: <http://supreme.justia.com/us/67/635/case.html> Acesso em: 19/03/2008.

160

ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. 71 U.S., 4 Wall., 2, 1866, Ex parte Milligan. Disponível em: <http://www.constitution.org/ussc/071-002a.htm> Acesso em: 20/03/2008.

161

WEIDA, Jason Collins, A Republic of Emergencies: Martial Law in American Jurisprudence. Connecticut Law Review, Vol. 36, p. 1397-1438, 2004. p. 1410.

Neste caso, houve limitação do uso da lei marcial. Ficou bem marcado como traço característico, seu caráter subsidiário. Enquanto instituto aplicado via poderio militar, a lei marcial acabou se mostrando inadequada para gerir os momentos de crise, sobretudo com o surgimento das crises político-sociais. E a Suprema Corte se encarregou de restringir o uso da lei marcial, sobretudo fazendo prevalecer em face de direitos fundamentais.