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A Constituição Brasileira de 1988 traz um sistema bipartido adotando duas figuras, quais sejam: o Estado de defesa e o Estado de sítio. Importa destacar que se em todas as Constituições Brasileiras houve, por um lado, a consagração dos direitos humanos, apenas em uma delas não existiu a previsão de medidas excepcionais a serem adotadas num Estado de exceção.

A Constituição de 1824 não cuidava de institutos específicos de exceção, previa a possibilidade de declaração de guerra externa no artigo 102, IX. Ademais, no artigo 102, XV, mediante formulação genérica estabelecia como atribuição do Imperador: “prover a tudo, que fôr concernente á segurança interna, e externa do Estado, na fórma da Constituição”303.

A Constituição de 1891, em seu artigo 80 previa o Estado de sítio. A Constituição de 1934, em seu artigo 175. A Carta Magna de 1937 falava em Estado de emergência ou Estado de guerra nos artigos 166 a 173. A Constituição de 1946 nos artigos 206 a 214 cuidou do Estado de sítio. A Constituição de 1967 trazia no art. 152 a 156. A Emenda Constitucional nº 01/69 instituiu além do Estado de sítio e do Estado de emergência, a possibilidade de adoção de medidas de emergência dos artigos 155 a 159.

Em recente período da história brasileira os direitos fundamentais foram amplamente malferidos pela autoridade constituída. Instalou-se no país uma

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KENNEDY, Ellen. Constitutional Failure: Carl Schmitt in Weimar. Durham and London: Duke University Press, 2004, p. 18.

Ditadura Militar, um verdadeiro regime de exceção, considerada esta como uma exceção contrária aos ditames do Estado de Direito, isto é, uma exceção inconstitucional.

Com a Constituição de 1988, verificou-se uma redemocratização do país. Porém, já na vigência da nova ordem pode-se falar em vivência de período excepcional com o uso exacerbado de medidas provisórias. Este instituto foi objeto de ampla discussão no país, pois propiciava, até a Emenda Constitucional nº 32/2001 que restringiu seu uso, poderes bastante amplos ao Chefe do Executivo.

Apesar de o instituto trazer, originariamente, restrições cabendo a aplicação da medida somente em hipóteses de urgência, a interpretação extensiva dada à expressão transmutou o uso das medidas provisórias em algo corriqueiro. Entre a promulgação da Constituição e a alteração por Emenda, em 2002, foram editadas mais de 2000 medidas provisórias, cuja relevância e urgência nem sempre era objeto de comprovação.

Opiniões não faltam acerca de um Estado de exceção vigente hoje no país, sobretudo, em razão dos problemas relacionados à segurança pública e desrespeito institucionalizado aos direitos humanos. Um ponto que choca é a exacerbação das redes de corrupção em todos os níveis de Governo. E o pior, a ausência de punição aos casos que se veiculam.

No Brasil, em especial, a opção pelo fortalecimento de uma constituição de emergência merece atenção. Afora todo o discurso em torno da segurança e da pouca tradição democrática, têm-se entre nós problemas graves de exclusão sócio-econômica. É deveras preocupante, no país, a combinação de discursos e políticas de exceção com a reprodução estrutural de um subdesenvolvimento que não encontra justificativa apenas na inevitável inserção no Império, mas deita raízes, também numa peculiar formação do capitalismo nacional.304

O próprio Supremo Tribunal Federal tem adotado as teorias acerca de um estado de exceção em alguns de seus julgados. É de se observar, entretanto, que apesar da inspiração teórica em Giorgio Agamben, a utilização da teoria de exceção não se mostra adequada aos casos analisados por aquele Tribunal.

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CORVAL, Paulo Roberto dos Santos. Exceção Permanente e Brasil. In: PERSPECTIVAS DA TEORIA CONSTITUCIONAL CONTEMPORÂNEA. VIEIRA, José Ribas (coord.). P. 155-195. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 194.

Em quatro ações diretas de inconstitucionalidade ventilou-se o estado de exceção para resolver hipótese de limites na demarcação de Municípios305. Para melhor elucidação, transcreve-se a ementa de uma destas ADIs:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 6.893, DE 28 DE JANEIRO DE 1.998, DO ESTADO DO MATO GROSSO, QUE CRIOU O MUNICÍPIO DE SANTO ANTÔNIO DO LESTE. INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI ESTADUAL POSTERIOR À EC 15/96. AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR FEDERAL PREVISTA NO TEXTO CONSTITUCIONAL. AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 18, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. OMISSÃO DO PODER LEGISLATIVO. EXISTÊNCIA DE FATO. SITUAÇÃO CONSOLIDADA. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA DA JURÍDICA. SITUAÇÃO DE EXCEÇÃO, ESTADO DE EXCEÇÃO. A EXCEÇÃO NÃO SE SUBTRAI À NORMA, MAS ESTA, SUSPENDENDO-SE, DÁ LUGAR À EXCEÇÃO --- APENAS ASSIM ELA SE CONSTITUI COMO REGRA, MANTENDO-SE EM RELAÇÃO COM A EXCEÇÃO.

1. O Município foi efetivamente criado e assumiu existência de fato, como ente federativo. 2. Existência de fato do Município, decorrente da decisão política que importou na sua instalação como ente federativo dotado de autonomia. Situação excepcional consolidada, de caráter institucional, político. Hipótese que consubstancia reconhecimento e acolhimento da força normativa dos fatos. 3. Esta Corte não pode limitar-se à prática de mero exercício de subsunção. A situação de exceção, situação consolidada --- embora ainda não jurídica --- não pode ser desconsiderada. 4. A exceção resulta de omissão do Poder Legislativo, visto que o impedimento de criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios, desde a promulgação da Emenda Constitucional n. 15, em 12 de setembro de 1.996, deve-se à ausência de lei complementar federal. 5. Omissão do Congresso Nacional que inviabiliza o que a Constituição autoriza: a criação de Município. A não edição da lei complementar dentro de um prazo razoável consubstancia autêntica violação da ordem constitucional. 6. A criação do Município de Santo Antônio do Leste importa, tal como se deu, uma situação excepcional não prevista pelo direito positivo. 7. O estado de exceção é uma zona de indiferença entre o caos e o estado da normalidade. Não é a exceção que se subtrai à norma, mas a norma que, suspendendo-se, dá lugar à exceção --- apenas desse modo ela se constitui como regra, mantendo-se em relação com a exceção. 8. Ao Supremo Tribunal Federal incumbe decidir regulando também essas situações de exceção. Não se afasta do ordenamento, ao fazê-lo, eis que aplica a norma à exceção desaplicando-a, isto é, retirando-a da exceção. 9. Cumpre verificar o que menos compromete a força normativa futura da Constituição e sua função de estabilização. No aparente conflito de inconstitucionalidades impor-se-ia o reconhecimento da existência válida do Município, a fim de que se afaste a agressão à federação. 10. O princípio da segurança jurídica prospera em benefício da preservação do Município. 11. Princípio da continuidade do Estado. 12. Julgamento no qual foi considerada a decisão desta Corte no MI n. 725, quando determinado que o Congresso Nacional, no prazo de dezoito meses, ao editar a lei complementar federal referida no § 4º do artigo 18 da Constituição do Brasil, considere, reconhecendo-a, a existência consolidada do Município de Luís Eduardo Magalhães. Declaração de inconstitucionalidade da lei estadual       

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STF. ADI 3689/PA – PARÁ. Relator: Min. EROS GRAU, Julgamento: 10/05/2007; STF, ADI 3316 / MT - MATO GROSSO. Relator: Min. EROS GRAU, Julgamento: 09/05/2007; STF, ADI 2240/BA – BAHIA. Relator: Min. EROS GRAU, Julgamento: 09/05/2007; STF, ADI 3489/SC - SANTA CATARINA, Relator: Min. EROS GRAU, Julgamento: 09/05/2007.

sem pronúncia de sua nulidade. 13. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade, mas não pronunciar a nulidade pelo prazo de 24 meses, Lei n. 6.893, de 28 de janeiro de 1.998, do Estado do Mato Grosso.306 (grifou-se)

Já em sede de Agravo Regimental em Reclamação,307 o tema precatório deu ensejo a invocar as teorias do autor italiano em voto proferido pelo Ministro Eros Grau. Este cita Agamben e Schmitt para considerar que:

...a situação de fato de que nestes autos se cuida consubstancia uma exceção. Com efeito, estamos diante de uma situação singular, exceção, e, como observa CARL SCHMITT, as normas só valem para as situações normais. A normalidade da situação que pressupõem é um elemento básico do seu “valer” (...) ...sempre que necessário, incumbe decidir regulando também essas situações de exceção. Ao fazê-lo, não se afasta do ordenamento, eis que aplica a norma à exceção desaplicando-a, isto é, retirando-a da exceção. (...)

...Não somos meros leitores... ...mas magistrados que produzem normas, tecendo e recompondo o próprio ordenamento.308

Conforme se verifica nas ementas citadas, os assuntos tratados não correspondem à idéia primordial de estado de exceção proposta por Agamben. Caracteriza-se certa confusão sobre o assunto:

Pode-se pensar, então, que a fundamentação mais coerente para a decisão dos casos analisados pelo Supremo Tribunal Federal é a criação de exceções por meio da ponderação (com a possibilidade de afastamento de uma regra para atender a outro interesse) e a consideração dos resultados causados pela aplicação das normas.

(...)

Como anteriormente explanado, está correto, conforme o estudo de Agamben constatar que “não é a exceção que se subtrai à norma, mas ela que, suspendendo-se, dá lugar à exceção – apenas desse modo ela se constitui como regra, mantendo-se em relação com a exceção”. Todavia, o que se percebeu no voto foi o oposto: a subtração de uma singularidade da incidência de uma norma, e não a norma que se deixou suspender. Os casos analisados pelo Supremo Tribunal Federal eram realidades fáticas singulares; não foram criadas pela suspensão da norma, não são zonas de indeterminação. Ao invés de se caracterizarem como um vazio de direito, os casos foram preenchidos por direito – embora não aquele derivado das regras específicas afastadas. As situações foram trabalhadas dentro do direito vigente. A exceção, ao contrário, transcende o próprio direito, pois representa a suspensão do ordenamento. O direito de exceção não é direito, e sim puro poder. Na sua força pura, a norma aplica-se desaplicando-se.

(...)        306

STF, ADI 3316/MT – Mato Grosso. Relator: Min. Eros Grau, Julgamento: 09/05/2007. 307

STF Rcl-AgR 3034/PB – PARAÍBA, Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento: 21/09/2006.

308

Voto do Ministro Eros Grau in: STF Rcl-AgR 3034/PB – Paraíba, Relator: Min. Sepúlveda Pertence, Julgamento: 21/09/2006.

Observe-se que as decisões e votos ora analisados não foram objeto de debates e nem tiveram a merecida repercussão, embora caracterizem um problema teórico e uma práxis bastante inquietantes. Ao se evocar fora do seu contexto e significado a teoria do estado de exceção, deturpa-se a teoria e produzem-se equívocos. Reforce-se que o equívoco serviu de base para diferentes julgados, sobre temas diversos, e pode fundamentar decisões que estão por vir, formando uma cadeia grave de distorções e insegurança, e de deslocamento de soberania.309 (grifou-se)

Com efeito, os pronunciamentos acerca do estado de exceção da lavra do Ministro Eros Grau passam ao largo do significado do estado de exceção que se está a estudar. Daí porque, apesar da menção, eles não serão objeto de estudo mais profundo310. A importância dos mesmos aqui é, tão somente, ressaltar que cada vez mais o tema tem sido trazido à baila no país, ainda que de forma imprecisa.