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A Constituição francesa de 1848 trouxe previsão no art. 106, do Estado de Sítio como medida de emergência: “Art. 106. A lei fixará as ocasiões nas quais o Estado de sítio poderá ser declarado, e regulará as formas e efeitos desta medida.”174

A lei de 9 de agosto de 1849 regulamentou o instituto, prevendo numa fórmula geral que facilmente era invocada: “Art. I. ...em caso de iminente perigo interno ou externo para a segurança175”. A medida passou, então, a ser amplamente utilizada, sobretudo no período da guerra franco-prussiana. “Os seus traços mais importantes foram a suspensão de determinados direitos fundamentais e o

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GROSS, Oren; AOLÁIN, Fionnuala Ní. Martial Law and the Fight Against Terrorism: Discretion, Regulation, and Emergency Powers. Minnesota Legal Studies Research. Paper Nº. 05-11, p. 1-39, 2004, p. 27.

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SEGADO, Francisco Fernandez. La Constitucionalizacion de la Defensa Extraordinaria Del Estado. En Torno a la Obra de Pedro Cruz Villalon, "El Estado De Sitio y la Constitución” Revista Española de Derecho Constitucional, Año 2. Núm. 4., p. 229-250, Enero-abril, 1982. Disponível em: http://www.cepc.es/rap/Publicaciones/Revistas/6/REDC_004_229.pdf Acesso em 20/05/2008, p. 37. 174

Constituição Francesa de 04 de novembro de 1848. Tradução livre. Disponível em http://www.legifrance.gouv.fr. Acesso em 07/06/2008.

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Tradução livre. Art. I Loi du 9 de aôut de 1849. Disponível em http://www.legifrance.gouv.fr. Acesso em 23/05/2008.

alargamento da competência das autoridades militares aos poderes exercidos pelas autoridades civis”176.

Durante a vigência da lei de 1849 houve abusos na invocação e, sobretudo na duração do Estado de sítio. Isto porque na decretação não havia limites precisos de tempo. Constantemente se atrelava ao período que permanecesse a situação de urgência que a ensejou. Eis mais um problema atrelado às fórmulas gerais em uso.

Com o fito de limitar o uso do Estado de sítio, uma nova lei tratou do assunto em 03 de abril de 1878177. Passou, então, a ser exigido perigo iminente em situação de guerra ou conflito armado para a declaração da medida. Esta mudança foi tida como uma reação ao abuso pelo executivo. Ademais, caberia a uma lei declarar o Estado de sítio, esta mesma lei traria as implicações, os locais de aplicação e período de sua duração, sendo incabível prorrogação. O transcurso do tempo fazia cessar a medida.

A leitura dos artigos que definiam os pressupostos para a decretação do Estado de sítio deixa claro que a função do mesmo era repressiva. Somente em face de perigo iminente havia alteração na ordem em vigor, para restabelecê-la.

É, justamente porque o état de siége devia ser declarado pelo Legislativo, que o instituto ficou conhecido como a Ditadura do Parlamento. O art. 3º, não obstante, previa uma hipótese de declaração pelo Executivo. Tratava-se de situação bem restrita, aplicável apenas aos territórios diretamente ameaçados em caso de guerra externa.

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GOUVEIA, Jorge Bacelar. O Estado de Excepção no Direito Constitucional: entre a eficiência e a normatividade das estruturas de defesa extraordinária da Constituição. Vol. I. Coimbra: Almedina, 1998, p. 194.

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Lei 1878, de 03 de abril. Article 1 L'état de siège ne peut être déclaré qu'en cas de péril imminent, résultant d'une guerre étrangère ou d'une insurrection à main armée. Une loi peut seule déclarer l'état de siège, cette loi désigne les communes, les arrondissements ou départements auxquels il s'applique. Elle fixe le temps de sa durée. A l'expiration de ce temps, l'état de siège cesse de plein droit à moins qu'une loi nouvelle n'en prolonge les effets. Article 2 En cas d'ajournement des chambres, le Président de la République peut déclarer l'état de siège, de l'avis du Conseil des ministres, mais alors les chambres se réunissent de plein droit, deux jours après. Article 3 En cas de dissolution de la Chambre des députés jusqu'à l'accomplissement entier des opérations électorales, l'état de siège ne pourra, même provisoirement, être déclaré par le Président de la République. Néanmoins, s'il y avait guerre étrangère, le Président, de l'avis du Conseil des ministres, pourrait déclarer l'état de siège dans les territoires menacés par l'ennemi, à la condition de convoquer les collèges électoraux et de réunir les chambres dans le plus bref délai possible. Disponível em <http://www.legifrance.gouv.fr> Acesso em 23/05/2008.

Com o decurso do tempo e o fim do Estado de sítio retornava-se ao status

quo ante. A competência das autoridades era restituída e todos os direitos

suspensos eram restabelecidos.

Clinton Rossiter chama a atenção para o fato de que no Estado de sítio francês, apesar da previsão de dissolução do parlamento pelo executivo, esta possibilidade se tornou letra morta após determinados fatos históricos. Segundo ele, esta foi uma importante diferença para o sucesso do instituto em contraponto com o art. 48 da Constituição de Weimar. Nas palavras do autor:

MacMahon’s dissolution of the Chamber of Deputies in an attempt to have a representation of monarchical character returned had an even more important effect on the state of siege and indeed on the whole history of the Third Republic. From that day forward the President’s power to dissolve Parliament was a dead letter, and no Cabinet ever felt component to ask for a dissolution. This definitely insured parliamentary supremacy over the use of the state of siege. How different the sad story of Article 48 might have been if the dissolution of the Reichstag had also been a pratical impossibility!

A França se manteve em Estado de sítio durante todo o período da Primeira Guerra Mundial. A instituição da medida, apesar de ter sido por lei aprovada no Parlamento, não obedeceu às determinações da lei de 1878. Primeiro porque antes da lei, que é de 04 de agosto de 1914, um decreto do chefe do Executivo, datado de 02 de agosto, foi responsável por colocar todo o país sob Estado de sítio. Segundo, não foi indicado o tempo da medida em dias ou meses. A fórmula utilizada para definir este ponto foi a vigência enquanto durasse a guerra. Terceiro, o limite espacial não foi resguardado, abrangendo todo o território do francês. A medida durou até 1919.

Acerca do Estado de sítio durante a primeira Guerra, Rossiter anota:

The deviations of the state of siege of the World War period from the practice, theory, and law of the past may be summed up in the assertion that it was converted under the pressure of events from a repressive into a preventive institution of emergency government.178

Durante a Segunda Grande Guerra, a situação não foi tão diversa. Estabeleceu-se o Estado de sítio em todo território francês. Os procedimentos adotados no tocante ao Governo e à Administração foram similares.

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ROSSITER, Clinton. Constitutional Dictatorship – Crisis Government in the Modern Democracies. New Jersey: Princeton University Press, 1948, p. 102.

Dois pontos, entretanto, podem ser apontados como divergentes: 1 - na Primeira Grande Guerra não havia lei regulamentando alterações no Governo e na Administração, o que foi corrigido em 1939; 2 – durante a primeira Guerra Mundial o Parlamento não foi, em regra, destituído de suas funções legiferantes179. Já na vigência da Segunda Grande Guerra ele não as exerceu, subsistindo apenas as atribuições de controle.

O Estado de sítio francês pode ser considerado medida que atendeu às necessidades daquele país. Tanto é assim que as primeiras leis que o instituíram perduraram mais de 150 anos, sendo revogadas apenas em 20 de dezembro de 2004 pela Ordonnance n° 2004-1374, relative à la partie législative du code de la

défense.

Este código de defesa não olvidou o Estado de sítio que chegou aos dias de hoje com pequenas alterações. O texto atual ainda remete bastante ao texto de 1878:

Code de la défense Article L2121-1

L'état de siège ne peut être déclaré, par décret en conseil des ministres, qu'en cas de péril imminent résultant d'une guerre étrangère ou d'une insurrection armée.

Le décret désigne le territoire auquel il s'applique et détermine sa durée d'application.

(...)

Article L2121-8 Nonobstant l'état de siège, l'ensemble des droits garantis par la Constitution continue de s'exercer, lorsque leur jouissance n'est pas suspendue en vertu des articles précédents.

Os requisitos que justificam a medida permanecem os mesmos. Houve alterações, porém, no aspecto formal de sua proclamação. Não há ainda dados para uma constatação se as mudanças tornaram o instituto mais efetivo. Parece, entretanto, que aquele caráter de ditadura do parlamento não pode mais lhe ser atribuído. Tão só com novas situações de exceção que se poderá observar como se comporta o instituto após as modificações.

O instituto francês serviu de modelo para vários países, para citar alguns exemplos: Espanha, Portugal, Inglaterra, Guatemala e Brasil. De se observar que

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Pelo contrário, houve até melhoras no tocante ao exercício das atribuições parlamentares. Por conta das exigências do período, os procedimentos de aprovação de leis foram agilizados, os partidos políticos trabalharam com maior harmonia, as sessões parlamentares passaram a ser permanentes e os meios de controle foram aperfeiçoados. Sobre o assunto, verificar ROSSITER, Clinton. Op. Cit., p. 104-109.

nem sempre é o único adotado nestes países. Mas, em todos é inegável a influência francesa.