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A liberdade de escolher a escola

2. A oportunidade da proposta

2.2. A liberdade de escolher a escola

Ter o (um) direito não significa ou não implica ter a capacidade de o exercer porque não se sabe ou porque não se pode. O autor

Não se deve confundir sistema público de ensino – vulgo, escola pública estatal – com serviço público de ensino, pois este tanto pode ser prestado por instituições públicas como por instituições privadas, via financiamento público através do “cheque-ensino”… A liberdade de escolha na sua essência. Como afirma Alfred Fernández e J.-D. Norman (s/d)

“(…) lutar pela liberdade de escolha dos pais ou, de uma forma mais geral, pela liberdade de ensino é, antes de mais, militar a favor de uma ideia. Os defensores da liberdade são, regra geral, «idealistas», devendo considerar-se esta palavra na sua aceção nobre: «procura de um ideal». Contudo, no contexto de crise descrito a escolha dos pais deve ser vista, na maioria das vezes, não como um ideal, que consagraria um desenvolvimento positivo da humanidade em direção a mais liberdade e mais responsabilidade, mas, de forma mais prosaica, como um meio concreto de corrigir os desvios de um sistema escolar excessivamente centralizado ou como uma solução possível para colmatar as lacunas da escola atual.” (p. 20)

Tomando como base de argumentação o princípio da “liberdade de aprender, liberdade de ensinar”, o discurso neoliberal elegeu como verdade absoluta o que designou por fracasso da educação pública, traduzido pelos fracos resultados obtidos pelos alunos portugueses em provas internacionais (PISA) e nos exames nacionais do 12.º ano. A pressão para o estabelecimento, publicação e divulgação de um ranking nacional de escolas e o financiamento direto às famílias através de cheques-ensino são as bandeiras recorrentemente vindas a utilizar. Uma das dimensões mais importantes da Lei de Bases do Sistema Educativo (revista)28 é justamente a abertura da educação à iniciativa e aos interesses privados, seja através da introdução do modelo empresarial no domínio da gestão das escolas, seja através do fim do monopólio do Estado no fornecimento da educação pública, explanada no seu capítulo VIII – Ensino particular e cooperativo29, art. 57º a 61º.

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Lei n.º 46/2005 de 30 de agosto.

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Artigo 57.º - Especificidade

1 – É reconhecido pelo Estado o valor do ensino particular e cooperativo, como uma expressão concreta da liberdade de aprender e ensinar e do direito da família a orientar a educação dos filhos.

Partindo do pressuposto de que o excesso de regulação da tutela retirou às escolas públicas estatais a capacidade de inovação e de resposta, a promoção da mudança educacional só será possível através da livre escolha e seleção destas pelas famílias, na sua tipologia e características, no sentido da redução//eliminação dos desperdícios de recursos, da pouca orientação para os objetivos e quase nenhuma competitividade entre as mesmas, o que leva a um nível irrisório de inovação nas técnicas de ensino, e do aumento da autonomia, eficiência e inovação na educação.

E se autonomia é necessária e exigida… o quebrar de amarras de despachos, despachos normativos, esclarecimentos, aditamentos, interpretações, etc., etc., que diariamente sufocam e afundam em titubiência de rumo e de ação as escolas públicas estatais tem de acontecer. O centralismo “normativista” e burocrático, sufoco da real autonomia do sistema de ensino, não tem razão de ser e de acontecer. A este propósito critica assertivamente Santana Castilho (2011)

“Quanto a autonomia… Autonomia significa capacidade de uma instituição se autogovernar, decidindo livremente sobre as normas que regularão a sua própria conduta, longe de qualquer condicionante restritiva, vinda do poder central. Se se quiser, a este conceito comum podemos adicionar essoutro de maior rigor técnico-jurídico, segundo o qual a autonomia se identifica pela capacidade que uma instituição tenha de produzir atos definitivamente e executórios, apenas derrogáveis em sede de recurso contencioso. Ora todos sabemos que nenhuma destas características é pertença da escola.” (p. 64)

A regulação e a fiscalização é o caminho a seguir e o cheque-ensino assume-se como instrumento de orientação. A sua implementação constitui, então, uma iniciativa no sentido de rever o financiamento do ensino e colocar no mercado a organização e funcionamento do

2 – O ensino particular e cooperativo rege-se por legislação e estatuto próprios, que devem subordinar-se ao disposto na presente lei.

Artigo 58.º - Articulação com a rede escolar

1 – Os estabelecimentos do ensino particular e cooperativo que se enquadrem nos princípios gerais, finalidades, estruturas e objetivos do sistema educativo são considerados parte integrante da rede escolar.

2 – No alargamento ou no ajustamento da sede o Estado terá também em consideração as iniciativas e os estabelecimentos particulares e cooperativos, numa perspetiva de racionalização de meios, de aproveitamento de recursos e de garantia de qualidade.(…)

Artigo 61.º - Intervenção do Estado

1 – O Estado fiscaliza e apoia pedagógica e tecnicamente o ensino particular e cooperativo.

2 – O Estado apoia financeiramente as iniciativas e os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo quando, no desempenho efetivo de uma função de interesse público, se integrem no plano de desenvolvimento da educação, fiscalizando a aplicação das verbas concedidas.

sistema educativo. O cheque-ensino consiste num sistema de financiamento público do ensino em que os pais (encarregados de educação) receberiam do governo um certificado para ser usado no pagamento de propinas em qualquer escola pública ou privada aprovada. Presumivelmente, a competição conduziria a um maior leque de escolhas, incrementando a diversidade de oferta, aumentando a eficiência e inovação na educação, dado que as escolas teriam incentivos financeiros para atrair e manter os seus efetivos escolares.

Os defensores argumentam que as famílias necessitam de mais escolhas e que o cheque- ensino proporcionará competição e uma melhor eficácia e produtividade escolar na gestão dos dinheiros públicos. Também, que irá melhorar o desempenho académico dos alunos porque frequentariam as escolas da sua escolha, vinculando as famílias, ao mesmo tempo que iria ainda tornar todas as escolas mais produtivas e apelativas. Segundo Herbert J. Walberg (s/d):

“A concorrência (…) promove o que de melhor existe nas pessoas e organizações, não apenas porque a concorrência é apelativa para os empreendedores que procuram o lucro, mas também porque as pessoas querem inovar, ser reconhecidas pelos outros, e atingir os seus objetivos com êxito. Os concorrentes proporcionam pontos de referência para se medir o esforço individual e também lições valiosas sobre o que deve e não deve ser feito. Os defensores do cheque escolar também argumentaram que, uma vez dada a possibilidade de os pais escolherem a escola dos filhos, eles seriam encorajados a participar na vida escolar, o que, por sua vez, está positivamente relacionado com a aprendizagem dos alunos.” (p.49).

Os detratores argumentam que o cheque-ensino produzirá, antes de mais, lucros empresariais e custos de marketing que poderiam ser usados para prestar melhores serviços educacionais, conduzirão ao aumento de desigualdades nos resultados educativos e tornarão mais fraca a experiência educacional comum necessária à democracia. Também, que não haverá melhorias no nível do desempenho académico dos alunos matriculados em escolas da sua escolha, depois de controladas e aferidas as diferenças relativamente aos quadros de referência dos alunos e motivação dos pais (encarregados de educação). Ainda Herbert J. Walberg (s/d):

“A concorrência (…) é imprópria da educação e desencoraja e cria dificuldades aos bons professores e administradores que pretendem cooperar entre si, tendo em vista o bem dos seus alunos. Eles também alertaram que os pais poderão estar mal preparados para escolher as melhores escolas para os seus filhos; que as crianças oriundas de minorias e com dificuldades de aprendizagem seriam deixadas para trás; que as escolas poderiam agravar a segregação

racial; e que as escolas públicas iriam ser prejudicadas devido à perda dos seus melhores alunos e recursos financeiros. (p.49).

Na “balança” dos argumentos pró e contra estão, como sempre, opções sócio-políticas do modelo social a defender ou implementar. Consoante a perspetiva, ora se ensina ora se aprende, ora se investe ora se gasta. O que é factual é que o sistema de ensino público obrigatório(!) maioritariamente em vigor não responde às exigências e anseios sociais: desperdiça-se.