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2. Rede pública de ensino

2.1. Sistema público (estatal)

2.1.1. Contrato de autonomia

A autonomia das escolas públicas estatais, com o impulso inicial através do Decreto-lei 115- A/98, de 4 de maio (Autonomia e Gestão Escolar), prevendo a transferência progressiva de atribuições e competências para as organizações escolares, traduzidas no reconhecimento pelo Estado da capacidade das escolas (e da sua incapacidade, porque não assumi-lo…) em melhor gerirem os recursos educativos de forma consistente com o seu projeto educativo, veio estabelecer, o atual regime de (pseudo)autonomia e (pseudo)gestão das escolas com vista a dar efetiva execução daqueles objetivos e definindo a autonomia como o poder reconhecido pela administração educativa à escola para tomar decisões no domínio estratégico, pedagógico, administrativo, financeiro e organizacional, no quadro do seu projeto educativo e em função das competências e dos meios que lhe estão consignados. Segundo João Formosinho et al. (2011),

“Com o desenvolvimento da autonomia das escolas, o Estado reconhece-lhes capacidade de melhor gerir os recursos educativos de forma consistente com o seu projeto educativo. Ao falar de autonomia da escola, a legislação portuguesa enquadra-a sempre naquilo que são as tarefas de uma escola num Estado democrático e o papel do Estado como garante e suporte último do serviço público de educação. Na verdade, autonomia não é soberania ou independência absoluta. A autonomia é uma forma de gerir interdependências, reforçando o papel dos órgãos e atores locais. Ela tem uma função instrumental de a escola realizar melhor o seu projeto educativo.” (p. 33)

Estas medidas de descentralização que, transferindo competências para a administração local e para as escolas e agrupamentos de escolas aprofundam, assim, o nível de base da autonomia destas unidades de gestão como instrumento de melhor prestação do serviço público de educação, e serão o justo garante(?) desse objetivo. Com alguma nuance de ceticismo, consubstanciado em algumas práticas, encontra eco em João Barroso (2003)14,

“(…) nas escolas, a sucessão das reformas, o seu caráter normativo tantas vezes desfasado da realidade, bem como os seus insucessos têm contribuído, como sabemos, para uma mescla de sentimentos que marcam o quotidiano de muitos professores que vão da frustração ao desespero, da culpa à evasão, do desencanto à indiferença. (…) É neste contexto (…) que vale

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a pena recordar [aqui] um dos princípios que apresentei no estudo prévio que me foi encomendado pelo Ministro da Educação Marçal Grilo, em 1996:

Uma política destinada a reforçar a autonomia das escolas não pode limitar-se à produção de um quadro legal que defina normas e regras formais para a partilha de poderes e a distribuição de competências, entre os diferentes níveis de administração, incluindo o estabelecimento de ensino. Ela tem de assentar sobretudo na criação de condições e na montagem de dispositivos que permitam, simultaneamente, libertar as autonomias individuais e dar-lhes um sentido coletivo, na prossecução dos objetivos organizadores do serviço público de educação nacional, claramente consagrados na Lei Fundamental. O reforço da autonomia das escolas deve traduzir-se necessariamente num conjunto de competências e de meios que os órgãos próprios de gestão devem dispor para decidirem sobre matérias relevantes, ligadas à definição de objetivos, às modalidades de organização, à programação de atividades e à gestão de recursos. Contudo, não basta regulamentar a autonomia. É preciso criar condições para que ela seja construída, em cada escola, de acordo com as suas especificidades locais e no respeito pelos princípios e objetivos que enformam o sistema público nacional de ensino.”

(Editorial, p. 1)

A autonomia das escolas não integradas e dos agrupamentos de escolas, a contratualizar entre as Direções Regionais de Educação e estas unidades orgânicas, diferencia-se em três níveis de profundidade: nível base, nível 1 e nível 2.

O nível base de autonomia corresponde ao conjunto de competências a desenvolver por todas as unidades organizacionais escolares;

O nível 1 de autonomia corresponde ao conjunto de competências a desenvolver pelas unidades organizacionais escolares do nível base que garantam padrões de qualidade comprovada por avaliação interna e externa e que se candidatem ao exercício dessa autonomia.

O nível 2 de autonomia corresponde ao conjunto de competências a desenvolver pelas unidades organizacionais escolares que garantam padrões de qualidade comprovada por avaliação interna e externa e ainda especialização profissional bastante para a autorresponsabilização e automonitorização.

Os níveis 1 e 2 não são sequenciais. No programa de desenvolvimento da autonomia podem ser contratualizadas competências de nível 1 e de nível 2 que resultem da avaliação realizada.

A assunção do contrato de autonomia das escolas implicaria compromissos e deveres mútuos nele acordados e consagrados, e assumir–se-ia como um instrumento de gestão privilegiado no sentido da oferta de melhores condições para a realização pelas escolas do serviço público que lhes está confiado.

A celebração do contrato de autonomia nos termos estipulados pela portaria n.º 1260/2007 de 26 de setembro está sujeita ao preenchimento das condições seguintes (art.º 3º):

a) Adoção por parte da escola de dispositivos e práticas de autoavaliação;

b) Avaliação da escola no âmbito do Programa de Avaliação Externa das Escolas; c) Aprovação pela assembleia de escola e validação pela respetiva direção regional de educação de um plano de desenvolvimento da autonomia que vise melhorar o serviço público de educação, potenciar os recursos da unidade de gestão e ultrapassar as suas debilidades, de forma sustentada.

As áreas abrangidas pelos contratos de autonomia da escola não agrupada ou do agrupamento de escolas, em cada um dos três níveis de profundidade referidos, são as seguintes (n.º 3, art.º 5º):

a) Organização pedagógica; b) Organização curricular; c) Recursos humanos; d) Ação social escolar;

e) Gestão estratégica, patrimonial, administrativa e financeira.

O modelo de “contrato de autonomia das escolas” ou “governação das escolas por contrato de autonomia” centra-se na descentralização(?) de competências do ME para as escolas e a sua conceptualização coloca como alvo de oportunidade apenas os agrupamentos de escolas e/ou as escolas não agrupadas, continuando a ignorar-se a possibilidade de se criarem unidades de gestão de âmbito concelhio nos casos em que existam mais de que um agrupamento e/ou uma escola não agrupada num município.

Também não se inova na possibilidade de rever a lógica centralista da administração escolar, procedendo à sua territorialização (municipalização, regionalização)(!), acabando de vez com o modelo único e com a gestão do ME, substituindo-a por uma gestão local fortemente ancorada em cada comunidade sócio-educativa.

Para verificar que sob um discurso descentralizador e aberto às “soluções locais, para problemas locais” verifica-se a imposição do simbolismo burocrático da figura de um contrato

que define, caracteriza e normaliza atos e procedimentos, criando um corpo rígido em alternativa a um corpo flexível e ágil, na resposta às solicitações que a realidade impõe em tempo útil, que o anexo à portaria 1260/2007 configura.

Os chamados “contratos de autonomia das escolas “ são um passo tímido, melhor … envergonhado, mas concedamos… positivo, num caminho que é necessário fazer algo, mas que não pode ser ingenuamente aplicado como se as escolas pudessem ser autónomas, isentas de um controlo social sobre o seu funcionamento e produtos, e a funcionar umbilicalmente ligadas ao ME, em vez de às comunidades que servem. Mais contundente na crítica e mais liberal na posição de princípio, Santana Castilho (2011) afirma:

“Quanto a autonomia... Autonomia significa capacidade de uma instituição se autogovernar, decidindo livremente sobre as normas que regularão a sua própria conduta, longe de qualquer condicionante restritiva, vinda do poder central. Se se quiser, a este conceito comum podemos adicionar essoutro de maior rigor técnico-jurídico, segundo o qual a autonomia se identifica pela capacidade que uma instituição tenha de produzir atos definitivos e executórios, apenas derrogáveis em sede de recurso contencioso. Ora todos sabemos que nenhuma destas características é pertença da escola.

Nada que tenha significado no governo de uma escola pode ser autonomamente por ela decidido. Os órgãos de gestão das escolas são meras estruturas executivas das decisões de um poder central autoritário, sujeitas ainda à mediação redundante de direções regionais de educação. A diversidade dos problemas que se apresentam hoje às escolas públicas de massas é incompatível com o autoritarismo de um Ministério da Educação centralizador que, longe dos contextos em que os problemas se geram, só subsiste por imposição de uma lógica de controlo oligárquico.” (p.64)

A revolução que está por fazer implica que o ME deixe de ser responsável pela gestão das escolas e que se conforme às importantes funções de planeamento macro do sistema e supervisão, e regulação e controlo do seu funcionamento.