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A liberdade estética em Schiller e seu significado antropológico

3. Capítulo 3 – O Conceito de Liberdade e Moral em Schiller 1 Liberdade e o Belo no Kallias e sua relação com Kant

3.2 A liberdade estética em Schiller e seu significado antropológico

Com relação à experiência estética, originada no sentido de liberdade percebida pelo sujeito, nos falta ainda relacionar esta experiência do sujeito com o Belo ou a Beleza, ou seja, por que o sujeito afirma que o objeto da arte é belo quando a experiência é a de liberdade no fenômeno, ou, em outras palavras, como explicar que do sentimento de liberdade externamos a palavra Belo ou Beleza?

Barbosa, na introdução do Kallias, defende a hipótese de que teríamos que mudar o eixo da investigação no sentido kantiano e schilleriano, no qual a “validade intersubjetiva – universal e necessária – aspirada tanto pelo juízo como também pelo objeto” (SCHILLER, 2002 p. 27) - se deslocaria para “uma análise pragmático-linguística da comunicação estética” (ibid.). Barbosa nos mostra que tanto Kant quanto Schiller ficaram à margem da questão da comunicação, se concentrando na “análise das condições universais e necessárias do conhecimento possível à análise das condições universais e necessárias do entendimento possível” (ibid.). Se este eixo fosse deslocado de forma a considerarmos os juízos estéticos como atos de fala, em que, como ficamos conhecendo, demandam necessariamente concordância de nossos pares, avançaríamos em relação a Kant com sua “analítica da faculdade de juízo estética” (ibid.) e com relação a Schiller, com sua “busca de um princípio objetivo para o belo” (ibid.).

O argumento para tal tese, segundo Barbosa, é análogo ao usado pelo próprio Kant, pois

se Kant entende que essa pretensão se funda meramente sobre as condições formais requeridas para a possibilidade de um conhecimento em geral, condições que ele explicita recorrendo à ideia de um “sentido comum”, penso que a pretensão ao assentimento de todos radica-se nas condições formais, universais e necessárias, para a produção de um acordo em geral, condições a partir das quais o gosto se deixa ver como uma espécie de sensus communis constituído pelo uso da linguagem voltado para o entendimento. Assim tomado, o sensus communis remete à ideia reguladora de uma comunidade ilimitada de comunicação, entendida como uma comunidade de leitores, ouvintes, espectadores e autores, perante a qual também as obras erguem sua pretensão de validade estética com vistas a um reconhecimento universal (ibid.)

Schiller, mesmo que de forma indireta e em nota, afirma que “Por louváveis que sejam nossas máximas, como poderemos ser razoáveis, bondosos e humanos se falta a faculdade de apreender fiel e verdadeiramente a natureza do outro, se falta a força de nos apropriarmos de situações estranhas, de tomarmos nosso o sentimento alheio?”

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(SCHILLER, 1989 p. 65), que seria possível, como afirma Barbosa, pelo uso da linguagem, não na tentativa de apreender os conceitos, mas naquilo que é sentido e não tem como ser dito, estaríamos assim no campo do espírito e não no da letra.

Schiller, neste sentido, parece indicar que a experiência do Belo pela arte nos mostra um caminho de apreender isto que não tem como ser dito ou, se dito, não pode ser apreendido por conceitos. É preciso desenvolver esta capacidade receptiva e tentar captar “o espírito” da letra, pois, de acordo com Barbosa, possuímos um sensus communis, que não só permitiria este reconhecimento universal de uma comunidade ilimitada de comunicação, mas talvez, e principalmente, como mecanismo de reconhecimento do outro como alguém que tem sentimentos como eu, que sofre como eu e que o que mais necessitamos seria o reconhecimento do outro como seres desejantes do sentido de liberdade. Honneth, se referindo ao projeto de Habermas, afirma que para este

a “racionalidade instrumental” identificada na Dialética do Esclarecimento como racionalidade única dominante e, por isso, objeto por excelência da crítica, não deve ser demonizada, mas é preciso, diferentemente, impor-lhe freios. Para tanto, HABERMAS irá formular uma teoria da racionalidade de dupla face, em que a racionalidade instrumental convive com um outro tipo de racionalidade, a “comunicativa” (HONNETH, 2003 p. 13, grifos meus).

Aragão, na apresentação do livro Agir Comunicativo e Razão Destranscendentalizada de Habermas, menciona uma frase que ouviu do Prof. Eduardo

Portella83, que lhe causou significativo impacto, no qual dizia que “a linguagem e a literatura são o endereço da liberdade” (HABERMAS, 2012 p. 8), na qual Aragão a relaciona com uma vontade de Habermas de “assegurar a possibilidade de uma ‘transcendência de dentro da razão’, apesar de seu enraizamento nos contextos históricos, através da cooperação e crítica mútuas dos sujeitos racionais” (HABERMAS, 2012 pp. 9-10).

Como havíamos indicado, a concepção antropológica da liberdade em Schiller, no qual o sentido de prazer tem sua origem na constituição do sujeito quando este era “livre”, pois não havia nele representação, era um infinito vazio no sentido de infinitas possibilidades, indica não apenas a liberdade como fundamento e origem do ser, mas indica principalmente o destino do homem. Com o surgimento do impulso formal e sensível, razão e sensibilidade passam a operar sistematicamente para conhecer e dominar

83 Quando de seu discurso ao receber o título de Professor Emérito da Universidade Federal do Rio de

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o mundo, cada uma em seu campo, tendo como motor nossos impulsos desejosos e racionais.

A obra de arte, quando estamos em estado de contemplação, nos mostra que como humanos temos algo a mais, uma sensibilidade superior que nos dá prazer. Neste estado de contemplação projetamos nosso desejo original de sermos livres e sentimos prazer quando um objeto nos “responde” como um espelho, projetando em nós, de volta, uma impressão de liberdade que jamais teremos. Não saímos de um museu mudados, mas reconhecemos em nós algo diferente que no dia-a-dia razão e sensibilidade, buscando individualmente atender suas metas, não nos permitem sentir. É a busca por este prazer “especial” na vida cotidiana que tornará o homem moral e feliz, pois, segundo Suzuki, “Mediante essa concepção do homem educado pelo belo como indivíduo virtuoso, a estética acaba por reencontrar a virtude e a felicidade” (SCHILLER, 1989 p. 16), o que a moral kantiana havia relegado aos aposentos de fundo em sua doutrina (ibid.).

Ainda de acordo com Suzuki, “No impulso lúdico, o homem não desfruta da liberdade moral stricto sensu, mas de uma liberdade em meio ao mundo sensível” (SCHILLER, 1989 p. 15), pois, para Schiller, “sempre que contempla um objeto belo, o homem está ao mesmo tempo projetando simbolicamente sua própria liberdade nesse objeto” (ibid.).

Suzuki indica ainda que o homem assim destinado em realizar a liberdade, é chamado por Schiller de nobre, pois

Onde quer que o encontremos, este tratamento espirituoso e esteticamente livre da realidade comum é o sinal de uma alma nobre. Deve ser dita nobre a alma que tenha o dom de tornar infinitos, pelo modo de tratamento, mesmo o objeto mais mesquinho e a mais limitada empresa. É nobre toda forma que imprime o selo da autonomia àquilo que, por natureza, apenas serve (é mero meio). Um espírito nobre não se basta com ser livre; precisa pôr em liberdade todo o mais à sua volta, mesmo o inerte. (ibid.)84

Tentaremos, agora, verificar se na apreciação das cartas ao Príncipe de Augustenburg conseguiremos mais subsídios para entendermos a relação entre o Belo, a liberdade, a moral e a política na obra mais importante de Schiller.

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