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O argumento que estabelece a Liberdade Estética de caráter antropológico e psicológico em Schiller

No documento A questão da liberdade estética em Schiller. (páginas 112-116)

3. Capítulo 3 – O Conceito de Liberdade e Moral em Schiller 1 Liberdade e o Belo no Kallias e sua relação com Kant

4.1 O argumento que estabelece a Liberdade Estética de caráter antropológico e psicológico em Schiller

Nosso principal objetivo nesta dissertação era esclarecer o caráter antropológico e psicológico do conceito de liberdade estética em Schiller. A liberdade em Schiller é normalmente identificada quando da ocorrência de uma harmonia entre razão e sensibilidade, em que nenhuma determina o homem a agir de forma a atender aos seus impulsos, identificados como formal e sensível.

Esta interpretação, apesar de correta, não nos parece completa, pois defendemos que em Schiller podemos interpretar também o impulso lúdico como originário e formador do formal e sensível, quando chamamos a atenção para a questão da unidade original em Schiller.

Então, de forma geral, o homem fica livre quando os impulsos formal e sensível se anulam mutuamente, fazendo surgir o terceiro, o impulso lúdico. Mas como defendemos, o impulso lúdico é um impulso originário que faz surgir estes dois impulsos, o formal e o sensível. Segundo Schiller, para se desenvolver ou fazer surgir o impulso lúdico, é preciso desenvolver o impulso formal e o sensível e somente assim, ambos como forças, podem elevar o homem para se tornar estético.

A interpretação que prioriza a existência de dois impulsos como fundantes no pensamento de Schiller está localizada, principalmente, na segunda série de cartas na EEH, conforme indicamos no capítulo 3 desta dissertação. Mas como Schiller, dedicamos esforços naquilo que ele caracterizou como o “centro da coisa”, ou seja, exatamente onde julgamos ser a fonte de sua intepretação do caráter antropológico e psicológico, que se encontra na terceira série de cartas.

Entendemos que é nesta terceira série de cartas em que a interpretação de uma unidade fundamental em Schiller se torna mais clara, unidade esta originada no conceito de liberdade de caráter antropológico. Não fazia parte de nosso objetivo tentar explicar o que motiva alguns comentadores a valorizam mais a segunda série de cartas (o que torna a percepção de uma dualidade em Schiller mais aparente), apesar de Schiller indicar a centralidade do que está descrito na terceira série. Mas entendemos que a sequência

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argumentativa que defendemos torna evidente a necessidade de irmos primeiro ao “centro da coisa”, na qual, nos parece, a interpretação de uma unidade em Schiller fica mais simples de ser entendida.

A interpretação antropológica que aqui buscamos esclarecer, é a de que o homem teve uma fase em seu desenvolvimento, quando não tinha razão ou sensibilidade, ou quando estas ainda não formavam uma representação, em que ele também era livre, assim como ocorre quando o homem desenvolve ao máximo seus dois impulsos, o formal e o sensível. Ou seja, o homem, mesmo antes de nascer, já teve uma “experiência” de liberdade nos moldes schillerianos, no sentido de não ser coagido pela razão ou sensibilidade egoísta. Não ter razão ou impulso formal e sensibilidade ou impulso sensível, seria o mesmo de os ter e eles se anularem mutuamente. Assim, poderíamos indicar que o homem em estado de contemplação, quando nem sua razão ou sua sensibilidade o coagem a ação, fica em um estado que é estético e prazeroso. Lembramos, no entanto, que este estado estético não é um nada ou um vazio, é um estado que libera o homem para ação, esta não determinada de forma isolada pelos impulsos formal e sensível, o que permitiria ao homem agir livremente ou moralmente.

O caráter psicológico tem em Schiller o fundamento no antropológico, pois esta experiência original de liberdade quando não havia razão ou sensibilidade, ou quando elas não estavam ligadas para formar uma representação, fica como uma marca ou experiência que acompanha o homem em toda sua vida. Como uma comparação, seria como se identificássemos que a experiência do nascimento, aquele instante que deixamos o conforto do útero materno, nos marca de uma forma ou de outra para a vida. Em certo sentido, poderíamos indicar que passamos a vida desejando voltar àquele conforto ou segurança que tínhamos naquela vivência anterior ao nascimento. Em nossa interpretação, para Schiller, esta é a experiência de liberdade que fundamenta sua filosofia e explica não só o sentido do Belo na experiência estética, indica talvez e principalmente em que bases ele defende uma educação estética para desenvolver a sensibilidade e sobre a importância deste conceito de liberdade para a sua teoria moral.

O que julgamos interessante nesta interpretação de Schiller de um caráter antropológico e psicológico de liberdade, é que ele permite ter experiências de liberdade em qualquer objeto que possa “lembrar” ao sujeito este seu desejo de se sentir livre, daí este prazer poder ser sentido também fora da arte, por exemplo na filosofia como indicado por Fichte.

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Este caráter antropológico e psicológico da liberdade em Schiller nos permite indicar que naquela fase em que não havia razão ou sensibilidade, ou quando elas não estavam conectadas, havia, no entanto, um impulso, pulsão ou força original que determina o homem, mesmo de forma inconsciente, a buscar pela indeterminação ou liberdade. Seria possível indicar, inclusive, que neste sentido a primeira célula humana se divide como um primeiro passo para tornar o homem livre, objetivo este impossível de ser alcançado. Esta força original aparece em Schiller como o impulso lúdico. Portanto, seria este impulso original que faz surgir o formal e o sensível, apesar de cada um desses de forma individual ou desiquilibrada, ter potência para mascarar o impulso lúdico. Podemos indicar ainda que estes impulsos em Schiller se comportam como em um jogo, cuja meta é libertar o homem, fazendo surgir o impulso lúdico, quando o homem se torna, mesmo que momentaneamente, completo.

Sendo assim, diferentemente da interpretação de comentadores que centralizam suas análises na segunda série de cartas na EEH, identificamos como fundamental a interpretação da terceira série como central e fundamental para, inclusive, podermos explicar o que ocorre na segunda série e, porque não dizer, em todo o pensamento de Schiller.

A caracterização do caráter antropológico e psicológico do conceito de liberdade em Schiller nos levou a defender, na verdade como uma consequência da análise do conceito, uma unidade no pensamento de Schiller. Indicamos que não era nosso objetivo defender esta posição como necessária para a explicação da Liberdade Estética em Schiller, mas tampouco pudemos evitá-la. O impulso original que identificamos como já sendo lúdico indica esta unidade, ou seja, um corpo que se move levado por este impulso a se tornar livre e que tem prazer quando encontra um objeto que funciona como um espelho, indicando ao homem sua essência neste conceito de liberdade. O homem tem prazer na experiência estética porque realiza, mesmo que momentaneamente, seu destino de ser livre e identifica o objeto como sendo belo. A universalidade deste conceito de liberdade em Schiller fica caracterizada exatamente por ter o homem, em todo o tempo e lugar, passado por essa mesma fase, em que não havia razão ou sensibilidade para coagi- lo. Todos possuem, portanto, este impulso original que determina todos a se tornarem estéticos, mesmo que isto não ocorra.

Identificamos nesta defesa da liberdade estética em Schiller um tipo de sensibilidade especial, que Schiller denominou de fina. Esta sensibilidade seria ativada

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na experiência estética, lembrando ao homem de sua origem na liberdade. Schiller, como vimos, dá grande importância ao desenvolvimento desta sensibilidade, pois no final do século XVIII o homem já vinha desenvolvendo sua razão ao ponto de torná-lo bárbaro. Mas antes de desenvolver sua razão, o homem era selvagem, ou seja, não há na história uma sociedade baseada em uma cultura estética, apenas, segundo Schiller, com os Gregos antigos, em que havia uma combinação harmônica entre razão e sensibilidade. Seria então preciso retomar o projeto Grego de harmonia entre os impulsos para desenvolvermos uma cultura estética. Importante reforçar que para Schiller é necessário desenvolver tanto razão quanto esta sensibilidade fina para que o homem se torne estético.

Reconhecemos, assim como Schiller, que a defesa de uma fase em que éramos livres, sem a determinação da razão ou da sensibilidade, fase esta marcante para o caráter psicológico por ele identificada, possui dificuldades fora da experiência. Ou seja, apenas a experiência com o Belo poderia confirmar que temos um desejo fundante de ser livres, mas que só podemos, na verdade, ter a experiência de liberdade como um sentido, sem podermos, jamais, sermos verdadeiramente livres. O caráter antropológico do conceito de liberdade estética em Schiller nos indica que possuímos uma sensibilidade especial, que precisa apenas de certas condições e de determinados objetos para que ela se mostre. É uma sensibilidade fina, diferente da egoísta, que nos dá prazer quando do encontro com o belo.

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No documento A questão da liberdade estética em Schiller. (páginas 112-116)