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Um percurso em aberto

No documento A questão da liberdade estética em Schiller. (páginas 116-121)

3. Capítulo 3 – O Conceito de Liberdade e Moral em Schiller 1 Liberdade e o Belo no Kallias e sua relação com Kant

4.2 Um percurso em aberto

No resumo desta dissertação indicamos que pretendíamos explicar o conceito de liberdade estética em Schiller e, como vimos, a liberdade estética está intimamente ligada ao que se sente e, em Schiller, este sentido é sempre de prazer e o expressamos como algo sendo Belo. Identificamos também este prazer estético como um sentido de liberdade que está vinculado a um desejo universal, fundante da humanidade, que Schiller identifica também como a realização da felicidade123.

Consideramos importante também indicar, com uma visão biográfica, a vida de Schiller no intuito de justificar, por uma via histórica, seu envolvimento com a filosofia e mostrar as questões da relação entre natureza e espírito, estética e moral como

precoces e duradouras em Schiller.

Como Schiller reconhecidamente, tanto por ele como por todos os comentaristas e críticos, parte de Kant, tivemos que identificar e descrever as partes da obra deste filósofo no que se colocava como suporte ou ponto de confronto ao pensamento de Schiller. Com relação a esta abordagem, buscamos ir diretamente aos textos de Kant, em que concentramos esforços interpretativos na CRP, Prolegômenos, Fundamentação, CRPr, CFJ, mas não incluímos a Metafísica dos Costumes e outras obras deste autor, pois não foram identificadas como fundamentais para nossa análise; naturalmente contamos também com o apoio de alguns comentadores de Kant.

Esta abordagem nos conduziu ao estudo da liberdade em Kant, da lei moral e da razão prática. Como Schiller se dedicou bastante à leitura da CFJ, analisamos os juízos reflexionantes e o juízo do belo, mas não incluímos a Analítica do Sublime, por considerá- la não essencial ao que queríamos destacar, qual seja, a contribuição da sensibilidade para o ajuizamento do Belo, do sentido de prazer e da moral em Schiller, em seu caráter antropológico. Reconhecemos, no entanto, a relevância do conceito de sublime para a estética e para estes dois pensadores.

123 Nestes termos Schiller se alinha à concepção de felicidade identificada por Freud em seu texto O mal-

estar na civilização (1930), quando afirma “o que revela a própria conduta dos homens acerca da finalidade e intenção de sua vida, o que pedem eles da vida e desejam nela alcançar? É difícil não acertar a resposta: eles buscam a felicidade” (FREUD, 2010 p. 29), que para este autor, no sentido mais estrito da palavra, felicidade se refere apenas à vivência de fortes prazeres (FREUD, 2010 p. 30), assim, poderíamos considerar o sentido de liberdade como o maior prazer que o homem pode ter.

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Com relação ao capítulo referente a Schiller, buscamos caracterizar o conceito de Beleza e sua relação com o conceito de liberdade estética. Para isto, recorremos sistematicamente à obra Kallias, mas tivemos que buscar na EEH o que consideramos um fundamento do pensamento filosófico de Schiller, ou como ele mesmo denominou “o nervo da coisa”124, pois, com este fundamento em mente, o percurso para entendermos

ambos os conceitos nos pareceu mais didático.

Identificamos também, e esperamos ter esclarecido, a importância do caráter antropológico em Schiller, para justificar a liberdade tanto em seu sentido sensível quanto da razão. A interpretação do significado antropológico para Schiller nos leva de forma, nos parece, inexorável à defesa de uma unidade do ser, também como fundamento do seu pensar. Em alguns momentos desta dissertação nos referimos à questão da unidade vs. dualidade como origem ou fundação de sua filosofia, em que defendemos uma unidade. Não era nosso objetivo solucionar esta questão125, mas ao mesmo tempo não foi possível

evitá-la, pois o contexto antropológico que identificamos como importante para entender a filosofia de Schiller, principalmente seu componente de origem na liberdade e determinação do ser de realizar esta liberdade na natureza para ter prazer, coloca em movimento, a nosso ver, toda a filosofia schilleriana. Mas esta concepção antropológica, na qual é indicado que o homem em um momento de sua formação, ainda muito no início, é uma coisa que não possui sensibilidade ou razão, mas já é determinada a caminhar na busca da liberdade, nos parece requerer ainda aprofundamento, pois seria preciso explicar, por exemplo, como a primeira célula humana está determinada a se tornar livre, evoluindo até se tornar um homem completo. O homem quando já tem desenvolvidas razão e sensibilidade, logo após a primeira representação, deixa de ser livre e fica marcado, assim, pela experiência anterior de liberdade que o faz se mover como ser determinado a se tornar indeterminado ou livre.

Kallias ou sobre a beleza, como o próprio nome já indica, é uma obra que

esclarece o conceito de Belo e dá a interpretação de Schiller para a experiência estética. Mas como Beleza é Liberdade no fenômeno, a relação entre os dois conceitos serve como

124 Relembramos aqui uma passagem, já destacada nesta dissertação, quando Schiller em uma carta a Fichte,

de 3 de agosto de 1795, afirma que “Se aqui, nas Cartas 19, 20, 21, 22 e 23, em que se encontra na verdade o nervo da coisa, o senhor encontrar uma linguagem irregular, então não conheço de fato mais nenhum ponto de concordância em nossos modos de julgar” (FICHTE, 2014 p. 208).

125 Emiliano Acosta, em um artigo, afirma que “Esses conceitos supremos são irredutíveis a uma unidade

e, por isso, o que pode ser estabelecido como tribunal de uma procura, terá que ser o duplo ou o duo, na sua duplicidade original. A dualidade tem a regência do pensamento de Schiller” (ACOSTA, 2011 p. 67).

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base para o que é descrito na EEH, que busca não só esclarecer o arcabouço do pensamento de Schiller, mas está direcionada para solucionar o problema moral e político pela via estética. As cartas trocadas entre Schiller e o Príncipe de Augustenburg serviram de base para os artigos publicados por Schiller em sua revista, e são estas que constituem a obra na qual buscamos explicar ‘o centro da coisa’ da filosofia de Schiller.

Fichte e outros notam em Schiller uma circularidade com relação ao seu conceito de Liberdade, que esperamos ter esclarecido no item 3.4. Não encontramos em Schiller uma defesa sistemática desta interpretação dada por Fichte, a não ser aquela pequena citação que destacamos no referido item, e não nos pareceu um problema significativo de forma a requerer uma resposta do nosso autor. Mas como nos limitamos às traduções para o português dos principais textos de Schiller em alemão e de comentadores em inglês, talvez fosse possível encontrar alguma referência a esta defesa do próprio Schiller em cartas trocadas talvez com Fichte, mas não nos parece provável que estas existam. Apesar de nossa posição de que esta questão não teria sido julgada por Schiller como um problema a ser resolvido, pois como indicamos sua obra deixa clara a diferença dos dois conceitos de liberdade que descaracterizam a circularidade mencionada por Fichte, julgamos importante esclarecer este ponto, já que o sentido de circularidade tornaria inválida a sua abordagem teórica.

Com relação ao último item, o que discorre sobre o estético como propiciador da Moral em Schiller, que se encontra nos seus escritos sobre a tragédia, destacamos o componente sensível-racional da aptidão moral do homem. Estas considerações, apesar de estarem em certo sentido em sua obra principal, a EEH, julgamos relevante sua inclusão, pois trata da Arte Trágica e de sua função como formação do caráter do homem, mesmo não sendo este o objetivo da arte, pois como pudemos destacar, em Schiller há uma completa independência entre o estético e o moral, mesmo que o primeiro propicie a realização do segundo.

Tivemos como objetivo, também neste item, incluir algo que talvez o leitor tenha sentido falta no decorrer da dissertação, no que concordaríamos, ou seja, a inclusão de referências de suas obras poéticas ou artísticas e suas relações com a sua filosofia. Reconhecemos que seria uma opção que traria valor para a defesa da liberdade em seu pensamento, além de talvez tornar a leitura mais prazerosa, mas como o próprio Schiller havia comentado em sua fase filosófica, em que mesmo sentindo falta de se voltar para o coração, devia insistir com a filosofia para deixar seu pensamento livre, nos limitamos,

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pelo mesmo motivo, aos textos filosóficos deste autor. Portanto, em nosso caso, mais filosofia e menos poesia se tornou premente para avançarmos nas considerações que foram aqui tratadas.

Podemos, no entanto, indicar a importância do teatro e especialmente da tragédia para a formação do homem em Schiller, fazendo uma referência ao artigo de Virgínia Figueiredo, A Origem do Trágico, segundo Schiller, em que afirma,

Talvez se possa defender que, entre a Poética da Tragédia e a Filosofia do Trágico, Schiller desenvolveu uma Antropologia Filosófica ou, na pior das hipóteses, uma concepção antropológica da tragédia. Em minha opinião, as definições de Tragédia e Humanidade em Schiller estão totalmente imbricadas (FREITAS, et al., 2016 p. 34).

Acreditamos que, em termos gerais, esta dissertação não só se alinha com este imbricamento identificado por Figueiredo, mas o explica. Esta autora afirma ainda que o elo entre o trágico e o humano está evidenciado no ensaio de Schiller Acerca do Patético, na qual “a liberdade, que é uma característica – até um critério – essencial para distinguir toda arte autêntica, é uma conquista ou ‘resistência moral ao sofrimento’” (FREITAS, et al., 2016 p. 35/36). E mais uma vez acreditamos ter contribuído para a explicação de como isto se dá no pensamento de Schiller.

Ainda em defesa do teatro, segundo a concepção de Schiller, na qual Figueiredo afirma que em termos de educação dos seres humanos é a arte que dá a maior contribuição, esta formação perpassaria a natureza física e sensível, movendo-se para uma fase intermediária da razão e da moral, mas “só termina numa terceira e última etapa: a sociabilidade” (FREITAS, et al., 2016 p. 3). Sobre esta terceira e última etapa, iremos, no próximo item sobre a atualidade do pensamento de Schiller, tentar esboçar uma relação entre esta ideia destacada por Figueiredo e um ‘terceiro conceito de liberdade’ defendido por Axel Honneth, que vê na filosofia de Hegel e de John Dewey esta mesma perspectiva. Ainda no campo dos desenvolvimentos em aberto, acreditamos ter indicado neste trabalho as bases kantianas e fichtenianas,126 que colaboraram para o pensamento filosófico de Schiller, mas não tínhamos como um fim nem a defesa do que é puramente original em Schiller nem o que este tem de dependência das ideias de Kant e Fichte. Esta é uma questão que nos parece importante, pois é fonte de certa polêmica em relação aos críticos que consideram o pensamento de Schiller como usuário das ideias originais destes

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outros dois, sem que se encontre nele nada de novo. Com relação a este ponto, entendemos que, talvez diferente de outros filósofos que buscam sempre construir novos sistemas filosóficos do zero, pudemos observar Schiller utilizando tudo aquilo que precisava e que concordava, dando as fontes, para defender algo em que acreditava, a importância da sensibilidade para o aperfeiçoamento da humanidade, algo em si mesmo inovador.

Esperamos ainda ter tido sucesso em responder, mesmo que de forma parcial, as questões que nós mesmos nos colocamos no início, sendo elas: Por que o homem busca a liberdade? Por que a liberdade é importante para o indivíduo e para a civilização? Como um objeto pode aparentar liberdade? O que faz com que a ideia de liberdade aparente do objeto da Obra de Arte seja expressada como Beleza? Qual a relação entre liberdade e beleza? Qual o peso do componente antropológico para o conceito de liberdade em Schiller? Como explicar a aproximação entre estética e moral na obra de Schiller? Como uma educação estética pode conduzir o homem a um estado de moralidade?

Tentaremos agora verificar, de forma breve, se a obra de Schiller tem relevância para os nossos tempos.

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No documento A questão da liberdade estética em Schiller. (páginas 116-121)