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O estético como propiciador para a Moral em Schiller

No documento A questão da liberdade estética em Schiller. (páginas 108-112)

3. Capítulo 3 – O Conceito de Liberdade e Moral em Schiller 1 Liberdade e o Belo no Kallias e sua relação com Kant

3.5 O estético como propiciador para a Moral em Schiller

Schiller, em um artigo de 1792, Acerca da Arte Trágica, nos indica que existem no homem apenas duas fontes de prazer: “a satisfação do impulso de felicidade e o cumprimento das leis morais” (SCHILLER, 1992 p. 88). Ele já havia, até este ponto neste artigo, relembrado ao leitor a posição kantiana com relação à necessidade da obediência às leis ou imperativos categóricos para que ações pudessem ser morais. Identificou também que existe uma relação da grandeza da ação moral com o nível de paixão despertado pelo sujeito, em suas palavras, “a relação que se encontra a natureza moral de um homem para com a sua natureza sensível” (SCHILLER, 1992 p. 86). Esta relação entre a natureza moral e a sensível de um homem dá o grau de liberdade que este tem com relação às suas paixões. Em certo sentido, Kant acreditava que o homem tem como destino ser um santo, na qual sua liberdade da razão o garante ações morais a partir dos imperativos categóricos, como leis, conforme observamos no capítulo I desta dissertação, independente do grau ou desafio a que nossas paixões nos impelem.

Para Kant uma ação moral só ocorre quando agimos de acordo com as leis morais, completamente independentes de qualquer desejo, mesmo que isto implique em sofrimento. Uma ação não é moral se ela estiver ligada ao atendimento de algum desejo do sujeito da ação, e esta é uma diferença que se torna aparente em Schiller. Mas podemos considerar também outra diferença com relação ao conceito de liberdade entre Kant e Schiller: para Kant a liberdade é aquela em que a razão determina toda ação moral, pois sendo a vontade determinada por uma causa que é livre, infinitas possibilidades se apresentam, mas morais apenas quando atendem aos imperativos categóricos.

Em Schiller podemos considerar a liberdade também ligada à natureza ou caráter do sujeito, mas ele mantém ainda, como em Kant, a liberdade da razão, ou seja, existe uma liberdade na natureza humana que dá prazer na ação moral, prazer este que é diferente daqueles das paixões de fontes egoístas. A liberdade da razão, que no homem completo concorda com a liberdade da natureza, dá prazer por estarem de acordo com seu destino, o de libertar o homem. Neste sentido, o prazer estético caracterizado por Schiller precisa ser interpretado como sendo produto da razão e da sensibilidade em harmonia, não sendo possível ter esta experiência com outros prazeres, por exemplo, atendendo apenas aos impulsos da razão ou da sensibilidade de forma isolada. Esta liberdade em Schiller é, portanto, de caráter duplo, mas o destaque é o seu componente sensível, uma inovação com relação a Kant.

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Em outro artigo,118 Schiller afirma que,

Felizmente, porém, não é apenas na sua natureza racional que existe uma aptidão moral capaz de ser desenvolvida pelo entendimento, mas até mesmo na sua natureza sensível-racional, isto é, humana, encontra-se, além disso, uma tendência estética, que pode ser despertada por certos objetos sensíveis e cultivada pela depuração de seus sentimentos, até atingirem esse impulso idealístico da alma (SCHILLER, 1992 p. 52).

Identificar o cumprimento de leis morais como fonte de prazer e afirmar que a outra fonte de prazer possui como fonte a satisfação do impulso de felicidade, este identificado como atendimento dos desejos egoístas, nos leva a considerar a possibilidade de uma competição entre o que pode nos dar mais prazer, o atendimento ao impulso de felicidade ou ir contra ele, ou seja, agir moralmente. Neste sentido, sempre onde há a possibilidade de conflito entre nossos desejos egoístas e o que seria oposto119 a eles, existe simultaneamente a possibilidade do que é oposto ser mais prazeroso e, portanto, nos aproxima mais da felicidade. Assim Schiller afirma que “toda paixão coparticipada tem algo de enlevante para nós, pois satisfaz o impulso de ação” (SCHILLER, 1992 p. 89), ou seja, agiríamos para satisfazer um impulso que visa um prazer mais enlevante, na qual “a faculdade moral supera a faculdade sensível” (ibid.), justificada por ser aquela a que nos dá um prazer superior a esta e, por assim dizer, nos dá também maior felicidade.

Esse contexto nos leva a considerar que ‘como um exercício’ o homem se eleva cada vez que sua ação moral, como interpretada por Schiller, ocorre, ou seja, em certo sentido o homem se modifica. Então, podemos entender este ‘exercício’ como um processo educativo, sendo este caracterizado por privilegiar o prazer derivado da ação moral e não do prazer egoísta120. Nas palavras de Schiller, “Nada é mais bem-vindo a um coração moral do que, após um estado de mera passividade de longa duração, ser despertado da servidão dos sentidos para a autoatividade e ser reinvestido em sua liberdade” (SCHILLER, 1992 p. 97). Schiller se refere ao estado no qual o impulso sensível, ainda voltado para as paixões inferiores, ao atendimento de sentimentos

118 Acerca do Sublime, publicado em 1801. 119 Este oposto é o prazer na ação moral.

120 Caberia a questão sobre se esta ação moral, que dá ao homem mais prazer que as paixões inferiores,

torna o homem mais egoísta ainda, mas nos parece ser esta uma interpretação falsa, pois como vimos as ações morais são simultaneamente ações para libertar a natureza, movimento este que é destino do homem quando atinge sua maturidade ou como homem completo. Neste ponto do estado moral não cabe sequer a menção egoísta, por ser este um estágio que para este homem ficou em seu passado (como indivíduo e, possivelmente, como espécie). Se ações morais têm a liberdade como sua causa, em Schiller esta causa possui duas fontes, a racional e a sensível.

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egoístas, começa a deixar este estado e caminha para o estado moral, aproximando-se do seu destino, o da liberdade, sem que jamais possa alcançá-la completamente. É neste estado moral que, como vimos, o homem realiza ou se aproxima de seu destino, do seu sentido de existir, o de realizar a liberdade na natureza, tendo prazer promovido por esta autoatividade, resultado do desenvolvimento dos impulsos formal e sensível.

Em Sobre Graça e Dignidade Schiller nos diz que o movimento ou ação de uma pessoa só pode ser de dois tipos: ou pela sua vontade ou sem a sua vontade; no primeiro quando “quer realizar um efeito representado no mundo sensível, e, neste caso, os movimentos se chamam voluntários ou intencionais” (SCHILLER, 2008 p. 22); no segundo, conforme uma lei da necessidade devido a uma sensação que ele chama de movimentos simpáticos, que são involuntários, mas não podem, porém, ser confundidos com os da faculdade sensível do sentimento ou dos impulsos da natureza. Pois estes não possuem nenhum princípio livre, em que os movimentos simpáticos seriam “aqueles que acompanham a sensação moral ou a disposição moral” (ibid.).

Esta distinção para Schiller é importante, pois ele quer identificar qual destes dois movimentos possuem graça. Ele afirma que dificilmente na natureza encontramos estes movimentos de forma isolada, ou seja, eles estão usualmente relacionados. Existem casos em que sendo o movimento não completamente determinado pela vontade, pode, entretanto, ser determinado de modo simpático ou ocorrer uma combinação entre eles, podendo haver inclusive uma espécie de concordância. Os movimentos voluntários visam a um fim, os simpáticos não; mas se o meu movimento “não é determinado pelo mero fim, tem de ser decidido e aqui, portanto, o meu modo de sentir pode ser decisivo e determinar, pelo tom que ele dá à maneira do movimento” (SCHILLER, 2008 p. 23). A graça é, assim, a parte em um movimento voluntário que está ligada ao estado de sensação de uma pessoa que é involuntário, ou seja, um movimento voluntário que não se combina de forma alguma com um simpático, cujo fundamento se encontra no estado de sensação moral da pessoa, não podendo, desta forma, ter Graça121.

Marcuse em sua obra Eros e Civilização122 nos lembra que “Schiller derivou da

concepção kantiana a noção de um novo modo de civilização” (MARCUSE, 1975 p. 159), em que buscava uma reconstrução desta “em virtude da força libertadora da função

121 Schiller diferencia graça de Graça: aquela é um talento, esta um mérito pessoal (SCHILLER, 2008 p.

20).

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estética, sendo que esta função foi considerada como contendo a possibilidade de um novo princípio de realidade” (MARCUSE, 1975 p. 161). Esta força libertadora, que está na ordem da sensualidade contra a ordem da razão de herança iluminista e da ciência, “almeja uma libertação dos sentidos que, longe de destruir a civilização, dar-lhe-ia uma base mais firme e incentivaria muito as suas potencialidades” (MARCUSE, 1975 p. 162). A estética de Schiller, portanto, na busca de atender o maior desejo humano, o do sentido de liberdade, traria junto a abolição da “compulsão e colocaria o homem, moral e fisicamente, em liberdade” (ibid.). Harmonizaria, assim, os sentimentos e afeições com as ideias da razão, que segundo Schiller privaria as “leis da razão de sua compulsão moral” e, simultaneamente, “reconciliá-las-ia com o interesse dos sentidos” (ibid.). Marcuse vê então na concepção de Schiller um diagnóstico da doença da civilização como sendo “um conflito entre os dois impulsos básicos do homem, os impulsos sensuais e formais” (MARCUSE, 1975 p. 169), este representante da cultura, apresentando, então, como solução uma reconciliação destes impulsos restringindo a tirania repressiva da razão sobre a sensualidade.

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4. Conclusão:

4.1 O argumento que estabelece a Liberdade Estética de caráter

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