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2. CAPÍTULO 2 – SCHILLER LEITOR DE KANT 1 Moral em Kant: liberdade, lei moral e razão prática

2.2 Juízos reflexionantes e juízo do belo 1 Juízos reflexionantes

2.2.2 Juízos do Belo

Para Kant gosto é a faculdade de ajuizamento do belo e para julgá-lo, a partir da representação, usamos a faculdade da imaginação que pode estar ligada ao entendimento, mas não com o objetivo de entender o objeto com vistas ao conhecimento, mas no que tange ao sujeito e seu sentido de prazer ou desprazer, o que implica em ser este juízo subjetivo (KANT, 2012 p. 37/38). No entanto, qualquer representação é capaz de ser objetiva, mesmo a das sensações, na qual, neste caso, encontramos o que é objetivo nesta representação empírica. Importante reforçar que representações, mesmo que ligadas às sensações, podem ser objetivas tendo como única exceção a representação relacionada ao sentimento de prazer e desprazer, que não tem correlação com o objeto, mas sim apenas um sentimento que o sujeito reconhece e, na presença deste objeto, acredita ser derivado dele como causa, mas que na verdade é derivado apenas de sua representação (KANT, 2012 p. 38). Esta é uma questão importante na qual Schiller buscará, como iremos ver, desafiar o mestre, pois aquele afirma que encontra um princípio objetivo para a beleza e que é necessário que ele o tenha para que haja a experiência do belo.

Um exemplo dado por Kant é de um edifício regular e conforme a fins, em que podemos conhecê-lo usando nossa faculdade de conhecimento, mas que seria, no entanto, algo completamente diferente ser consciente dele e ter também um sentido de prazer simultâneo (ibid.). Para Kant o objeto despertou, pela representação, algo no sujeito que deu a ele um sentido de prazer ou desprazer, que é exclusivamente subjetivo e, portanto, com relação a estes sentidos não há nada no objeto que poderia realizar estas sensações; a consciência identifica a sensação e tende a buscar a causa no objeto, mas esta causa está no sujeito. Esta ideia implica em que, no caso da apreciação do Belo, não faz sentido em Kant falar sobre nenhum tipo de interesse no objeto, pois o belo estaria ligado ao sentido de prazer despertado no sujeito enquanto este contempla tal objeto, mas cuja existência lhe é indiferente. No exemplo que ele dá sobre a cor verde dos prados, a ‘cor verde’ pertence à sensação objetiva do objeto ligado aos sentidos, mas o seu agrado pertence à sensação subjetiva, “pela qual nenhum objeto é representado” (KANT, 2012 p. 42).

Kant diferencia o agradável do belo e do bom, mas o belo tem como característica o fato de ser “uma complacência desinteressada e livre; pois nenhum interesse, quer o dos sentidos, quer o da razão, arranca aplauso” (KANT, 2012 p. 46).

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O conceito de complacência64 em Kant possui basicamente três contextos, no qual o que nos interessa, o do belo, possui esta característica de provir de um desinteresse, se diferenciando de um prazer dos sentidos, quando apreciamos por exemplo um vinho, em que poderíamos identificá-lo como uma complacência biológica; diferente também daquela relacionada à lei moral, o da razão prática, que nos auxilia no sentido de justiça e a identificar o que é bom em si, que poderíamos denominar de uma complacência prática. O Belo é, portanto, segundo o esquema kantiano da qualidade, o ajuizamento de uma representação mediata pelo sentido de prazer e desprazer, independente de todo interesse (KANT, 2012 p. 47).

Com relação à quantidade, o juízo do Belo, sendo independente de qualquer interesse, portanto não particular, deve ser motivo de complacência para qualquer pessoa. Como o sentido de prazer se dá na presença do objeto, mesmo que não seja derivado dele, justifica-se que o sujeito pense o Belo “como se a beleza fosse uma qualidade do objeto e o juízo fosse lógico” (KANT, 2012 p. 48), mas é apenas estético e, como se aproxima de um ajuizamento lógico, o sujeito entende que seu julgamento deveria ser universal.

Como o prazer que se sente na contemplação do Belo é independente da sensação advinda dos sentidos, e neste caso não poderia ser, Kant afirma que a nossa capacidade de comunicabilidade deste estado de prazer antecede e fundamenta o prazer no objeto (KANT, 2012 p. 54). Em outras palavras, o juízo de gosto tem na representação do objeto o lado do sujeito como fonte do prazer que se sente e que estabelece a comunicação de uma contemplação universal que é anterior e, na verdade, a causa da ligação deste sentido de prazer com o objeto. O processo de ajuizamento do Belo, portanto, se inicia no ajuizamento do objeto que estabelece o estado de ânimo do sujeito, que o induz à comunicação deste estado (indicando o objeto como Belo) e só então é sentido o prazer no objeto (KANT, 2012 p. 54)65.

Sendo um objeto dado, sua representação para que resulte em conhecimento necessita da faculdade da imaginação e do entendimento, sendo aquela a responsável pela composição do múltiplo na intuição e esta pela unidade do conceito. É no jogo livre destas duas faculdades que se estabelece o estado de ânimo que é subjetivo, mas, como sendo

64 A palavra em alemão é Wohlgefallen, que aqui usamos a tradução feita por Rohden e Marques como

complacência. A opção da editora Vozes foi por satisfação. Ela pode ser também traduzida por bem-estar, deleite ou prazer.

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proveniente das faculdades de conhecimento, requerem, estas faculdades, a concordância universal, mesmo sem conceitos, daí o princípio que requer esta comunicabilidade ou desejo de concordância universal, mesmo sendo subjetivo (KANT, 2012 p. 55).

Kant demonstra ainda que a beleza deve ser entendida como a forma da finalidade de um objeto, em que na representação não apresenta um fim; para Pascal “o belo supõe uma finalidade sem ideia de fim”, ou seja, “a beleza alcança uma finalidade que não procura” (PASCAL, 2011 p. 172) não havendo, portanto, com relação à contemplação do belo, realmente nenhum interesse no objeto.

Esta análise leva Kant a afirmar que,

Não pode haver nenhuma regra de gosto objetiva que determine através de conceitos o que seja belo. Pois todo o juízo proveniente desta fonte é estético; isto é, o sentimento do sujeito e não o conceito de um objeto é seu fundamento determinante. Procurar um princípio do gosto, que forneça o critério universal do belo através de conceitos determinados, é um esforço infrutífero, por que o que é procurado é impossível, e em si mesmo, contraditório (KANT, 2012, p. 73/74, grifos meus).

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