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A linguagem publicitária humanizada

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CAPÍTULO 2 O DISCURSO DA HUMANIZAÇÃO

2.3 A linguagem publicitária humanizada

Presenciamos a todo momento novas e diferentes lógicas mercadológicas. A contemporaneidade, por apresentar um cenário fundamentado em trocas essencialmente simbólicas, a atração puramente física de um produto parece não fazer mais sentido se pensarmos em termos de consumo.

Já nos parece evidente que o discurso publicitário e a construção das narrativas pensadas de forma estratégica pelas empresas, apresentam em suas mensagens valores e temas da vida cotidiana. Nesse sentido observamos com frequência diferentes articulações de discurso com o intuito de usar a enunciação em consonância com as referências sociais, culturais e até mesmo econômicas vigentes.

O Boticário, por exemplo, segundo o site da Revista Meio e Mensagem, sempre andou na contramão da concorrência em termos de comunicação. Suas campanhas sempre abordaram questões delicadas da sociedade, como por exemplo a relação de um padrasto e sua enteada no filme “Não é meu pai” veiculado para o dia dos pais no ano de 2016.

A marca também em 2015, experimentou pela primeira vez falar abertamente sobre a diversidade de gênero. A campanha “Um dia dos namorados para todas as formas de amor” (Figuras 05 e 06) para frente o debate da diversidade de gênero, antes classificado como tabu e muitas vezes ignorado pela indústria da comunicação. O filme mostrou a troca de presentes por casais heterossexuais e homossexuais.

Hoje a temática da diversidade de gênero vem sendo trabalhada por diferentes marcas no contexto publicitário, o que reflete também a mudança em que a sociedade se apresenta. “A situação da comunicação constitui assim o quadro de referência ao qual se reportam os indivíduos de uma comunidade social quando iniciam uma comunicação” (CHARAUDEAU, 2006 p. 67). O autor denomina “dados externos” aqueles que em uma prática social são constituídos pelas regularidades comportamentais dos indivíduos, e, portanto, devem ser levados em consideração na construção das narrativas publicitárias.

Percebemos que ao tratar a diversidade de gênero nesse material que retrata a troca de presentes por diferentes casais, a marca O Boticário aparenta almejar aproximação e identificação com novo perfil de público. Assim como Tânia Hoff et al. (2016) apresenta o “corpo diferente” como corporeidades fora do padrão utilizadas em campanhas publicitárias por ela analisada, é possível dizer que nesse contexto essa denominação encontra-se enunciada pela diversidade dos gêneros presentes na campanha desenvolvida pela agência AlmapBBDO.

Vale observar, que segundo a autora, no âmbito do discurso publicitário o corpo diferente se apresenta como mais um elemento apropriado pelo discurso, a menos que analisado como algo constitutivo da sociedade pós-moderna.

Entretanto, quando observamos o funcionamento do discurso e o problematizamos, no contexto da sociedade brasileira contemporânea, a presença de imagens e vozes que fazem emergir uma enunciação da diferença, distinta daquela da invisibilidade, o corpo diferente, suas imagens e o discurso que o acolhe tornam-se férteis objetos de investigação. (HOFF, 2016, p. 19).

Figura 5 - Campanha do dia dos namorados 1

6Fonte: G1

Figura 6 – Campanha do dia dos namorados 2

7Fonte: Folha de São Paulo

Marcas de cervejas também experimentaram desconstruir antigos estereótipos sexistas tradicionalmente conhecidos. Além da Skol já mencionada, a Budweiser lançou em outubro de 2016 a campanha “Deixe Que Digam”, que contesta os julgamentos e as verdades que as pessoas ouvem todos os dias e convida os consumidores a viverem do seu jeito, nas suas

6Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2015/05/boticario-mostra-casais-

gays-em-comercial-de-dia-dos-namorados.html>. Acesso em: 20 ago. 2018

7Disponível em: <http://adnews.com.br/publicidade/skol-da-um-novo-significado-ao-seu-conceito-desce-

redondo.htmhttps://f5.folha.uol.com.br/voceviu/2015/06/1636895-comercial-da-boticario-para-dia-dos- namorados-gera-campanha-homofobica-e-ameacas-de-boicote.shtml>. Acesso em: 20 ago. 2018.

próprias regras sem se importar com o que os outros pensam. As abordagens são reais e cheias de atitude - a Budweiser convida o público a assumir sua autonomia. (Figura 07).

Figura 7 – Publicidade Budweizer

8Fonte: Revista Beer Art

Ao acompanhar aparentemente em tempo real essas mudanças, que culminam no que Maffesoli (2001) chama de “mutação social”, esses e outros anunciantes conhecidos por suas performances constantes nas mídias, na busca por novas posturas comunicacionais, sentem-se na necessidade de reavaliar suas narrativas e discursos.

Discute-se se essas ferramentas ligadas à comunicação e consequentemente ao consumo, ainda se sustentarão da forma como eram feitas no século XX, uma vez que para o consumidor contemporâneo, como vimos, o ato de consumir vai além de suprir as satisfações e necessidades básicas. As estratégias fundamentadas apenas no tradicionalismo teórico dessa área de estudos não conversam com o consumidor globalizado e podem ser consideradas limitadas.

Por esse motivo, narrativas que exploram o envolvimento emocional aparentemente ganham prioridade pelas marcas em detrimento da construção tradicional, em que as são essencialmente informacionais e limitadas às descrições de produtos e serviços.

Vale destacar que essa ondulação não é um privilégio contemporâneo. Rocha (2010, p. 122) nos fala que a experimentação de narrativas com teor humanizado eram utilizadas,

mesmo de forma incipiente, na década de 1980. Mensagens que valorizavam o prestígio, sucesso, juventude, prática de esportes, status e a liberdade eram utilizadas como apelo de personalização do discurso. Para a autora, a tendência da escolha da diferença pessoal diante da massificação apontava para a transformação já em curso no discurso publicitário, “trata-se da ênfase dada à noção de “estilo de vida” como sinônimo de “bom-gosto”, e não mais como consequência da renda”.

Os discursos publicitários são produzidos em ambientes compostos por diferentes sujeitos e situações. Nessa mudança de era vivenciada atualmente considera-se uma geração menos intolerante a discursos de preconceito, machismo e inferiorização das minorias, e por isso aparentemente parece crescer o desejo das marcas em criarem conexões legítimas e emocionais com seus públicos, sempre baseadas em contextos ideológico, cultural e social do ambiente onde se está inserido.

A relação entre os interlocutores, embora tenha ganhado notoriedade no contexto pós- moderno, baseado principalmente pela evolução tecnológica, não pode ser considerado uma revolução recente ou exclusivamente oriunda da tecnologia.

Michel Pêcheux (1990) defende que a linguagem não se baseia apenas na informação que é transmitida, e sim faz parte da interpelação de uma produção e efeitos de sentidos carregadas de ideologias. Sendo assim, a publicidade age sob dimensões lógicas da sociedade, tais como a simbólica, mercadológica e sociocultural.

Tendo como premissa a influência das culturas na produção de conteúdo publicitário, as campanhas passam a ser fontes de interpretação do próprio entendimento sociocultural que estão instauradas.

CAPÍTULO 3 - ANÁLISES: ESTUDO DE CASO “PRA FRENTE” DO BANCO

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