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As condições de produção do discurso publicitário

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CAPÍTULO 2 O DISCURSO DA HUMANIZAÇÃO

2.2 As condições de produção do discurso publicitário

A comunicação (até mesmo a publicitária) não pode ser entendida como uma questão restrita a criação de mensagens e de meios de divulgação. Como vimos, trata-se de um processo social carregado de complexidade que abriga vários fenômenos.

Prioritariamente, faz-se necessário dizer que mesmo tendo ciência de que os vocábulos publicidade e propaganda em outros países não significam rigorosamente a mesma coisa, tomaremos a liberdade, com base nos conceitos do CENP – Conselho Executivo de Normas Padrão, de nos referimos como sinônimos. “Publicidade ou Propaganda1: é, nos termos do art.

2º do Dec. nº 57.690/66, qualquer forma remunerada de difusão de ideias, mercadorias, produtos ou serviços por parte de um anunciante identificado”.

Comercialmente falando a publicidade e propaganda visa promover vendas por meio de convencimento e promoção de uma ideia sobre determinado produto. Há quem afirme que a publicidade e propaganda por sua capacidade de provocar emoções nos indivíduos, ocupa-se de impulsionar desejos latentes com força suficiente para que esses mesmos indivíduos se sintam motivados a trabalhar para satisfazê-los. Para Sant’Ana, Junior e Garcia (2015, p. 73) “os fenômenos publicitários apresentam simultaneamente características de ordem física, fisiológica, psicológica e econômica.”

Para iniciar o tópico, mencionaremos um dos principais apontamentos históricos sobre publicidade foi no século XVIII, com base em McCracken (2003). O autor contextualiza dizendo que foram as ações de mídia de um vendedor de navalhas e tiras de afiação, que, percebendo a popularização do consumo aproveitou para ampliar seu mercado entre as classes trabalhadoras.

Passaram-se os anos e continuamos observamos diariamente marcas criando ou tentando criar legados por meio de ações de mídia. A publicidade brasileira é tradicionalmente reconhecida pelo mundo afora por ser terra de grandes profissionais e famosos discursos e narrativas publicitárias, Sant’Ana, Junior e Garcia (2015, p. 68) atribuem isso também ao fato dela estar ligada ao progresso industrial e social do nosso país.

É importante destacar também que a atividade publicitária como vimos hoje permite que pequenas e médias empresas, com produtos que não são produzidos em série, possam fazer parte deste universo.

Sant’Ana, Junior e Garcia (2015, p. 70) atribuem a publicidade como sendo uma das maiores forças da atualidade “a propaganda educa, vende e estimula o progresso”.

A publicidade para McCracken (2003, p. 106) “atua como potente método de transferência de significado, fundindo um bem de consumo a uma representação do mundo culturalmente construído dentro dos moldes de um anúncio específico”. Nesta perspectiva o autor declara que:

O diretor de criação de uma agência busca conjugar esses dois elementos de tal modo que o espectador/leitor vislumbre uma similaridade essencial entre eles. Quando esta equivalência simbólica é estabelecida com sucesso, o espectador/leitor atribui ao bem de consumo certas propriedades que ele ou ela sabe que existem no mundo culturalmente construído (McCRACKEN, 2003, p. 106)

Deste modo “a publicidade atua como método de transferência de significado, fundindo um bem de consumo a uma representação de mundo culturalmente construído dentro dos moldes de um anúncio específico.” (McCRACKEN, 2003, p. 106).

Ainda fazendo menção aos conceitos desta atividade Blázquez (2000, p. 574) caracteriza como sendo uma prática comunicativa mediadora entre o mundo material da produção e o universo simbolizado do consumo, segundo ele “a publicidade é sobretudo um fenômeno comercial”. O autor diz que é através da publicidade que os consumidores são persuadidos mediante “invasão da sua interioridade emotiva” (BLÁZQUEZ, 2000, p. 573).

Quanto a produção de anúncios publicitários, Jorge S. Martins (1997) colabora dizendo que, em resumo existem três tipos de mensagens: a linguística, icônica codificada ou denotada e a mensagem não codificada, essa por sua vez, é a cultural ou simbólica. Para o autor “as mensagens dos anúncios publicitários são passíveis dr vários tipos de leituras semióticas pelas quais são obtidas informações que pode ser classificadas em: referenciais, culturais, essenciais e deslocadas.” (MARTINS, 1997, p. 43).

Com o aperfeiçoamento dos aparatos tecnológicos, surgimento de novas mídias digitais e o fim da hegemonia dos veículos de comunicação de massa, a propaganda ganhou novos formatos. E nesse ambiente de recorrentes transformações sociais e mudanças de hábitos e comportamentos, a abordagem discursiva da publicidade também é interpelada. Schmitt (2000) considera que até mesmo as campanhas precisam ser pensadas para atender

um consumidor que almeja uma comunicação estimuladora de sentidos, que mexa com as emoções e que sejam acima de tudo experiências.

É, então, que na busca por uma dinâmica que ampara a figura desse “novo” consumidor, o discurso publicitário ganha novas condições de produção e aparentemente tenta se apresentar como democrático e inclusivo, estando as marcas supostamente dispostas a participarem desse novo momento, apropriando-se de variadas possibilidades e canais para emitir suas mensagens.

Ao analisar essas enunciações e discursos e suas condições de produção, não nos apoiaremos nessa pesquisa apenas em fatos meramente linguísticos, consideraremos também “as imagens e representações construídas, os valores históricos, sociais e culturais implicitados nos intertísticios da linguagem” (DI FANTI; BRANDÃO, 2017, p. 9).

É por intermédio desses valores sociais que são oferecidos aos consumidores contrapartidas e compensações que estão, muitas vezes, para além do campo físico, ou seja, ultrapassam o nível material e se posicionam no âmbito sentimental e simbólico das pessoas.

Para Roberto Chiachiri (2010) a constante preocupação com o entendimento do universo publicitário se dá pela indiscutível importância dos efeitos produzidos por ele. Os aspectos linguísticos e sociais que norteiam os seus discursos estão, de acordo com ele, presentes fortemente em nosso dia a dia. Mais do que nunca a propaganda se instaura no cotidiano das pessoas.

Dessa forma, vemos surgir uma aparente nova retórica contemporânea. Nesse novo fazer publicitário “as narrativas são construídas considerando as condições de produção, de circulação e de consumo da atualidade, nas quais os valores intangíveis são mais significativos do que o produto ou serviço oferecido” (GALINDO e GONÇALVES, 2015).

São diversos exemplos de empresas que na busca por conexões afetivas com os consumidores desejam, por meio do que podemos considerar refluxo comunicacional, incorporar bandeiras ou presumidamente defender causas com o intuito estratégico de pertencer a determinado grupo.

O receptor, diante desse contexto, se torna o elemento chave de uma suposta inversão comunicacional. Nos ambientes virtuais caracterizados pelo movimento pós web, os usuários produzem e divulgam seus próprios conteúdos e se articulam e se organizam de acordo com seus próprios interesses.

A constatação da importância do outro no processo midiático não é novidade para a publicidade e propaganda, mas hoje o modelo tradicional de comunicação onde prevalece a fórmula clássica de Lasswell (1978) - quem diz o quê, por intermédio de que canal, a quem,

com que efeito - ganha novas formas de interpretação. Tal modelo baseava-se em uma relação assimétrica e abria a possibilidade para diferentes modalidades de investigação.

Hoje o consumidor - receptor -, é chamado para atuar - como emissor -, fazendo das ferramentas pós massivas oportunidades. O modelo tradicionalmente unidirecional não condiz mais com a realidade contemporânea onde todos os indivíduos se conectam por uma rede.

Mesmo que os meios tradicionais ainda tenham seu valor e espaço, sua reestruturação também é inevitável, uma vez que as pessoas não estão mais condicionadas a ficarem frente a uma televisão, por exemplo, de modo estático, absorvendo e aceitando o conteúdo ali veiculado. Diante desse cenário mencionamos a contribuição de Wilson Bueno (2011), para ele as organizações precisam estar atentas a todas as mudanças, porque elas não se mostram passageiras. De acordo com Bueno, “não há para onde fugir” (BUENO, 2011, p. 94).

Henry Jenkins (2008) denomina esse evento de convergência e sobre tal fenômeno contribui dizendo que é um espaço “onde as velhas e as novas mídias colidem, onde mídia corporativa e mídia alternativa se cruzam, onde o poder do produtor de mídia e o poder do consumidor interagem de maneiras imprevisíveis” (Jenkins, 2008, p. 27).

A convergência exige que as empresas midiáticas repensem antigas suposições sobre o que significa consumir mídias, suposições que moldam tanto decisões de programação quanto de marketing. Se os antigos consumidores eram tidos como passivos, os novos consumidores são ativos. Se os antigos consumidores eram previsíveis e ficavam onde mandavam que ficassem, os novos consumidores são migratórios, demonstrando uma declinante lealdade a redes ou a meios de comunicação. Se os antigos consumidores eram indivíduos isolados, os novos consumidores são mais conectados socialmente. Se o trabalho de consumidores de mídia já foi silencioso e invisível, os novos consumidores são agora barulhentos e públicos. (JENKINS, 2008, p.46)

As marcas, quando estudadas por meio de sua comunicação, permitem inferências a partir de seu modo de atuação. Esse modo de atuação, ou seja, os dizeres pronunciados pela comunicação das marcas têm o propósito de agir diretamente no comportamento do consumidor em decorrência do nível de assimilação ou impacto do conteúdo veiculado por elas.

O objetivo da comunicação mercadológica então, é sem dúvida, conseguir tocar diretamente a audiência a quem se destina a mensagem. Atualmente quando falamos em comunicação com o mercado não podemos nos limitar tão somente aos veículos de comunicação tradicionais, tais como televisão, rádio e jornal.

Dominique Quessada (2003) caracteriza “extramidia” as manifestações comunicacionais que excedem as margens tradicionais. Para ele “os grupos de comunicação

desejam controlar todas as etapas de fabricação do discurso, e sobretudo, dar a este último a possibilidade de cobrir o máximo possível de sujeitos” (QUESSADA, 2003, p.77).

Observa-se, analisando o contexto publicitário vigente que, e as contribuições dos autores pesquisados nesta dissertação, ainda que diferentes modelos apareçam diariamente, o desafio das marcas em se conectarem com o consumidor se mostra cada vez mais enigmático. São centenas de formatos que dividem a atenção do público em ambientes físicos e virtuais, reforçando o grande desafio que é o de chamar a atenção do consumidor. Além disso, a famosa comunicação boca a boca atualmente na versão contemporanizada e de maior alcance na rede mundial da internet, praticamente obriga as empresas a responderem rápida e satisfatoriamente às expectativas dos usuários.

É portanto, em razão desse novo canal em que os consumidores compartilham e divulgam seus próprios conteúdos, que organizações precisam se reinventar seus modos de produção, abastecendo-se de subsídios que atendam a essa nova realidade capitaneadas pelos anseios dos consumidores ávidos por novidades. Analisar as condições de produção das narrativas, portanto, é levar em consideração o contexto como parte constitutiva do discurso, situando-se em um determinado espaço, tempo e cultura.

Sendo assim, podemos dizer que também as condições são mutáveis, visto as recorrentes transformações de organização de uma sociedade que refletem diferentes contextos. Quando campanhas publicitárias evidenciam benefícios e características básicas de um produto, significa dizer que dentro das condições propostas para a criação desse texto, naquele determinado momento, fez sentido.

Atualmente os consumidores acham que as características e benefícios funcionais, a qualidade do produto e a marca positiva são coisas absolutamente normais. O que eles querem são produtos, comunicação e campanhas de marketing que estimulem os sentidos e que mexam com as emoções e com a cabeça. Querem produtos, comunicação e campanhas que eles consigam incorporar no seu estilo de vida. Querem obter uma experiência. (SCHMITT, 2001, p 38)

Dentro desse cenário podemos citar alguns exemplos de (re) construção de narrativas considerando as condições de produção. É o caso de uma da campanha criadas pela marca de cerveja Skol denominada “Reposter” que propôs recriar alguns pôsteres comerciais antigos com o objetivo aparente de se redimir e validar o novo posicionamento, visivelmente contrário o das mensagens transmitidas na década de 1990.

Sobre posicionamento, contextualizamos como sendo a construção da imagem da marca na mente do consumidor. Sant’Ana, Junior e Garcia (2015, p. 122) complementam que

em uma sociedade pautada pela supercomunicação para se ter sucesso é importante que uma organização crie ums posição na mente do consumidor “uma posição que tenha conciência não apenas de suas próprias forças e fraquezas, mas que conheça também as de seus concorrentes”.

O conceito de posicionamento em comunicação não é novo. Mas assim como tantos outras coisas, ganhou novo significado na contemporaneidade, dessa vez mais amplo que a palavra. Sant’Ana, Junior e Garcia (2015, p. 122) mencionam que em tempos passados era usado para significar o que o anunciante fazia com seu produto, e agora é usado em sentido mais vasto, para significar o que a comunicação faz pelo produto, na mente do consumidor: “um anunciante de sucesso, nos dias atuais, utiliza-se da comunicação para posicionar o seu produto e não apenas para comunicar as suas vantagens ou características.

Falar em posicionamento hoje significa muito mais ser reconhecido como uma marca relevante dentro de uma categoria de produto. Ao se pensar em determinada categoria, a marca deve ser uma das primeiras a serem lembradas (share of mind) - se possível, a primeira a ser lembrada (top of mind). Mas, principalmente, trazendo agregados a si valores da empresa e do produto que a tornam praticamente única na hora da escolha. (SANT’ANA; JUNIOR; GARCIA, 2015, p. 122 e 123)

Durante muito tempo as peças publicitárias de cervejas eram conhecidas por colocar sempre a mulher numa posição passiva, além de usar sua imagem e seu corpo de forma erotizada como é possível atestar nas figuras 01 e 02.

Nessa campanha produzida pela agência F/Nazca & Saatchi denominada “inversão” apresentam imagens lado a lado e o discurso sugere que as invenções criadas por quem bebe a cerveja Skol (sempre ao lado esquerdo) acarretam maiores privilégios, no caso aos homens. Por muitas vezes, de forma preconceituosa a sensualidade, a relação com a nudez feminina e o hedonismo estiveram presentes.

Figura 1 - Anúncio Invenção 1 (Skol)

2Fonte: Fatos Desconhecidos

Figura 2 – Anúncio Invenção 2 (Skol)

3Fonte: Obvious Magazine

Foi através da ação denominada “Resposter”, figuras 03 e 04, e assinada pela agência F/Nazca, que a marca buscou legitimar seu novo posicionamento atribuindo outro significado também ao slogan da cerveja, “a cerveja que desce redondo” cunhado na década de 1990 e

2 Disponível em: <https://www.fatosdesconhecidos.com.br/6-propagandas-de-cerveja-que-causaram-maior-

confusao/> Acesso em 05 de agosto de 2018.

que ajudou a construir o posicionamento da marca. Em ações participativas o efeito dialógico se torna evidente e através da linguagem em várias vozes estabelecem um contrato permanente e atuante com seu público.

Para essa ação foram convidadas artistas mulheres para dar vida a novos cartazes dentro do contexto de inclusão, respeito e com teor interlocutivo acionado por elas. A estreia aconteceu no dia 08 de março do ano de 2018, data em que se comemora o dia internacional da mulher, com a argumentação principal de criar um movimento contrário ao próprio passado. Utilizou para isso o mote “Redondo é sair do seu passado”.

Ainda que o conteúdo das campanhas pregressas não seja apagado em sua totalidade da memória coletiva, Orlandi (2001, p.137) se posiciona dizendo que “desde que há texto, há função-autor, ou seja, estabelece-se a figura de um sujeito que toma a cargo a responsabilidade de ter produzido um enunciado”, as estratégias se revelam tentativas de reversão da imagem negativa e machista do passado por meio da ressignificação dos discursos por novas abordagem que substituem as antigas. Abordagens estas que não fazem mais sentido para a conjuntura atual.

Figura 3 - Campanha Reposter 1

4Fonte: Revista Abril

4Disponível em: <https://vip.abril.com.br/comportamento/redondo-e-sair-do-seu-passado-a-nova-campanha-da-

Figura 4 – Campanha Reposter 2

5Fonte: Revista Abril

Fazendo uma análise empírica, metodologia importante para o processo de qualificação desta pesquisa, assim como a cerveja Skol, outras marcas de diferentes segmentos ao cooptarem causas, buscam gerar a empatia do consumidor e ao se apropriarem desses discursos, em sua maioria de conjuntos minoritários, sugestiona participar de determinados grupos.

É comum assistirmos à comerciais de televisão e anúncios que exploram temas como responsabilidade social, qualidade de vida e inclusão social como parte do rol de temários escolhidos para criação de suas narrativas. Intermediadas pelas linguagens de algumas campanhas publicitárias, e dos conjuntos desses elementos, as marcas buscam ter ao mesmo tempo fatores identitários e elementos socioculturais presentes no contexto mercadológico vigente.

Assim, é possível encontrar muitos estudos dessa linha de pesquisa, que sugestionam explorar as marcas como (e através de suas) mensagens. O discurso interferindo diretamente da construção de sua identidade. Sendo apresentada como questão básica para a assimilação dos efeitos na construção de significados através do uso social das linguagens, com o intuito de legitimar a inclusão e outros temas.

5Disponível em: <https://vip.abril.com.br/comportamento/redondo-e-sair-do-seu-passado-a-nova-campanha-da-

Acreditamos que esse fenômeno de humanização como espaço comum para a condição de produção de sentido do texto, aconteça não somente para que as pessoas se sintam identificadas por aquele discurso proferido, mas também, e principalmente porque em dado momento as organizações fizeram o cálculo estratégico que esse tipo de estratégia seria produtiva para ela em termos de consumo. Rocha (2010) corrobora com essas prerrogativas dizendo que “com a função de agregar valor simbólico a mercadoria, a produção publicitária é determinada sobretudo pelos interesses dos anunciantes” (ROCHA, 2010, p 19).

Assim, o consumidor tem suas motivações incorporadas, através da experiência de ter sua história escolhida e divulgada pela empresa, que em contrapartida é beneficiada pela personificação da marca.

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