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A linha absurdista na História do Teatro português

Incursões do teatro do absurdo em Portugal

2- A linha absurdista na História do Teatro português

Apesar das polémicas inerentes ao termo «teatro do absurdo», a crítica teatral e literária tende a agrupar de um modo bastante consensual Miguel Barbosa, Hélder Prista Monteiro e Jaime Salazar Sampaio e ainda os nomes de Fiama Hasse Pais Brandão, Augusto Sobral, Vicente Sanches e Manuel Granjeio Crespo, entre outros que surgem no mesmo repertório, ainda que por vezes se prefiram outras terminologias, como teatro metafísico ou teatro de vanguarda.

Duarte Ivo Cruz, em Introdução ao Teatro Português do Século XX, menciona uma lista de autores que correspondem à geração de dramaturgos novos surgidos nos anos 60, caracterizando as suas obras por uma «ânsia de renovação e actualização». Nesse sentido agrupa os nomes dos autores mencionados, acrescentando Artur Portela Filho, José Sasportes, Teresa Rita Lopes e Norberto Ávila e referindo com algum destaque o nome de Augusto Sobral:

«Mas talvez, o mais seguro e certo autor das novíssimas gerações reveladas, seja Augusto Sobral. A sua obra conhecida, breve mas válida, permite-nos descortinar a necessidade da forma actualíssima, face à problemática que constrói e transmite. A comunicabilidade, o encontro e desencontro do homem, o destino irresistível da solidão, surgem nas cenas de O Borrão (1961), O Consultório (1961) e Os Degraus (1964), através de uma técnica de decomposição da linguagem, da expressividade pelo „non-sense‟, que, por conseguida, não é comum entre nós»211.

Urbano Tavares Rodrigues começa por definir o termo «teatro do absurdo», manifestando grandes reservas quanto ao agrupamento de autores tão diversos como Jarry, Artaud, Ionesco, Adamov, Beckett, Schéadé e Pinter. Segundo a sua opinião, trata- se de um termo que proporciona a confusão entre “o mundo larvar” e “o Guignol trágico”, “as silhuetas do sonho” e “as figuras da raiva”. A definição de absurdo que então propõe caracteriza-se pelas seguintes ligações:

«a destruição da linguagem, a metódica „loufoquerie‟ que Ionesco pratica e a deslocação do universo de Beckett (com os seus vagabundos filósofos ou os velhos e moribundos que escapam às relações do trabalho organizado), entre o fervor de acusação das „antipeças‟ de H. Pinter, que denunciam os erros de

86 uma sociedade agónica, e o antiacademismo dos fantoches líricos de G.

Schéadé, frente ao teatro burguês de pretensa análise psicológica»212.

A partir desta definição, Urbano Tavares Rodrigues agrupa como autores representantes do absurdo português os nomes de Jaime Salazar Sampaio, J. E. Sasportes, Fiama Hasse Pais Brandão, Hélder Prista Monteiro, Augusto Sobral e de um modo marginal Miguel Barbosa e Lauro António213:

«poderemos reunir, num rápido exame do que entre nós possa merecer tal rótulo, as aventuras surrealizantes de J. Salazar Sampaio e de J. E. Sasportes, a valoração da palavra como objecto que se nos depara nas obras, não obstante intervenientes (e até ligadas, pelas significações, ao realismo dialéctico) de Fiama H. P. Brandão, com o teatro mais pronunciadamente vinculado à lição de Ionesco, que é o de Prista Monteiro, ou à de Artaud e de Schéadé, que é o de Manuel Granjeio Crespo»214.

O autor evoca também a propósito da incursão em Portugal de uma dramaturgia de vanguarda, a peça O Mundo Começou às 5 e 47 de Luiz Francisco Rebello, não obstante a evidente adesão do dramaturgo a outras linhas estéticas bastante afastadas do absurdo: «Foi com O Mundo Começou às 5 e 47 (1947) de L. F. Rebello, que se desfraldou no palco português a bandeira da vanguarda ou o ataque aos dogmas naturalistas, com um sabor de ambiguidade que logo colocou este dramaturgo na linha que viria a ser a de Dürrenmatt e de Max Frisch, mau grado a enérgica inscrição com que a peça abre»215.

Em História do Teatro Português, Luiz Francisco Rebello reúne no repertório absurdista português os seguintes autores: Manuel Granjeio Crespo, Hélder Prista Monteiro, Jaime Salazar Sampaio, Miguel Barbosa, Teresa Rita Lopes, José Sasportes e Vicente Sanches. Finda esta lista, acrescenta com algumas reticências os nomes de Natália Correia, Augusto Sobral e Fiama Pais Brandão216.

Em História do Teatro, obra publicada em 1991, Luís Francisco Rebello caracteriza a dramaturgia dos representantes do absurdo português destacando as

212 Rodrigues, Urbano Tavares, « Teatro do Absurdo » in Rebello, Luís Francisco (org.), Dicionário do

Teatro Português, Lisboa, Edições Prelo, s/d, p.18.

213

Cf. Id. Ib., p.19: «Só marginalmente poderíamos relacionar com o absurdo a alegoria Os Carnívoros, de Miguel Barbosa (1965) ou o teatro de Lauro António, mais perto do „happening‟ e do psicodrama».

214 Id. Ib., p.18. 215

Id. Ib., p.18.

216

Rebello, Luiz Francisco, História do Teatro Português, Mem Martins, Publicações Europa-América, 1989, p.144: «Concedam-se lugares à parte a três autores que só por razões de afinidade formal se incluem neste sector – e tal como a maioria dos outros, o fascismo condenou a não verem representadas as suas peças: Natália Correia, Augusto Sobral e Fiama Pais Brandão».

87 «reminiscências» e a revisitação dos autores absurdistas estrangeiros: «Reminiscências do antidiscurso de Beckett, do humor ilógico de Ionesco, do diálogo elíptico de Pinter, do ritualismo de Genet cruzam-se e descruzam-se na obra de autores [nacionais]»217. Nesta obra, o repertório do absurdo sofre algumas alterações relativamente à História do Teatro

Português de 1989, integrando os nomes de Jaime Salazar Sampaio, Miguel Barbosa,

Hélder Prista Monteiro, Manuel Granjeio Crespo e Fiama Hasse Pais Brandão e acrescentando Augusto Sobral e Natália Correia por reconhecer nas peças Os Degraus e

A Pécora alguns traços de proximidade com o teatro de linha absurdista218. Se por um lado encontramos menos nomes associados à linha absurdista, por outro, o nome de Fiama Hasse Pais Brandão surge incluído no repertório principal e não associado como os casos de Augusto Sobral e Natália Correia. Jaime Salazar Sampaio, Hélder Prista Monteiro e Miguel Barbosa integram-se, segundo Rebello, como principais representantes da linha absurdista por operarem «cada um à sua maneira, uma subtil desmontagem dos lugares-comuns, dos comportamentos estereotipados, dos valores oficiais da ordem estabelecida»219.

Em O Teatro do Absurdo em Portugal, Sebastiana Fadda considera Miguel Barbosa, Hélder Prista Monteiro, Jaime Salazar Sampaio, Augusto Sobral, Fiama Hasse Pais Brandão, Manuel Grangeio Crespo e Vicente Sanches, «entre os representantes mais ilustres do género em causa»220. No entanto, num recente artigo «Dramaturgia portuguesa atual: uma firme vontade de existir», a teatróloga traça um panorama do teatro português, indicando como «representantes da linha beckettiana» Miguel Barbosa, Hélder Prista Monteiro, Jaime Salazar Sampaio e Augusto Sobral221. No nosso entender, a escolha deste nomes como repertório de linha absurdista é a que surge como mais pertinente e que iremos adoptar na presente tese. Por um lado concilia os nomes que surgem de um modo mais regular e consensual nos diferentes repertórios citados. Por outro, é nossa convicção que destaca os autores que de um modo coerente se inspiraram

217 Rebello, Luíz Francisco, História do Teatro, Lisboa, INCM, 1991, p.96.

218 Cf. Id. Ib.: «Numa zona próxima Augusto Sobral escreveu uma notável paráfrase moderna do mito de

Prometeu, Os Degraus (1964) enquanto Natália Correia conseguiu, num drama de alta voltagem poética e paroxística violência (A Pécora, inédito até 1983 e só levado à cena em 1989) o que o crítico Carlos Porto disse ser aparentemente impossível: conciliar Genet e Brecht».

219 Id.Ib.

220 Fadda, Sebastiana, 1998, op.cit., p.232. 221

Fadda, Sebastiana, «Dramaturgia portuguesa atual: uma firme vontade de existir» in Werneck, Helena e Brilhante, Maria João (org.), Texto e Imagem: estudos de teatro, Rio de Janeiro, 7Letras, 2009, pp.148- 149.

88 nesta linha dramatúrgica. A adesão ao teatro de inspiração absurdista por estes autores não surge de um modo esporádico e pontual. Mesmo nos casos em que reconhecemos posteriormente um desvio para o épico ou para outros géneros, a ligação destes dramaturgos ao absurdo corresponde a blocos de tempo relevantes, em que a produção dramática manifestou um percurso e uma evolução dentro desta linha dramatúrgica.

No entanto, Sebastiana Fadda não deixa de apontar uma série de autores que considera como precursores do absurdo (muitos deles ligados ao movimento surrealista) e ainda uma extensa lista de autores que com uma ou mais peças aderiram irregularmente à linha absurdo-surrealista. Parece-nos pois pertinente mencionar esses exemplos que podem ser tomados como ecos e extensões do teatro do absurdo português.

Assim, entre os vários precursores do absurdo são apontados a título de exemplo: Francisco Gomes de Amorim com a obra Fígados de Tigre, onde se encontram afinidades com a obra de Jarry; Fialho de Almeida com os textos Trinca-Fortes na

Parvónia e Suicide House, nos quais M.J. Gomes estabeleceu pontes com as temáticas

absurdistas; os textos O Doido e a Morte e O Gebo e a Sombra de Raúl Brandão, onde se podem encontrar ecos de autores tão diversos como Genet, Beckett, Camus e Ionesco; o proclamar do Modernismo de Almada Negreiros com a sua obra Deseja-se Mulher; a confluência dos movimentos surrealista e expressionista de Alfredo Cortez com a obra

Os Gladiadores; o desdobramento do „eu‟ usado por Branquinho da Fonseca em A Grande Estrela; a renovação e o experimentalismo de Luiz Francisco Rebello em O Mundo Começou às 5,47; as tendências surrealistas de Jorge de Sena em Amparo de Mãe

e Ulisseia Adúltera, entre outros exemplos.

Note-se ainda a lista de autores que segundo Sebastiana Fadda «enriqueceram a linha „absurda‟ do teatro português»: Norberto Ávila (A Descida aos Infernos de 1959, O

Servidor da Humanidade de 1962 e Viagem ao Labirinto de 1964), José Sasportes

(Funerais de 1961): Teresa Rita Lopes (Três Fósforos de 1962), Armando Pina Mendes (Os Filhos e A Viagem de 1963 e as peças inéditas A Piedade e Dia do Azar), António Gedeão (RTX-78/24 de 1963), Manuel de Lima (O Clube dos Antropófagos de 1965), Mendes de Carvalho (A 10ª Turista de 1972), Carlos Coutinho (O Herbicida de 1972 e

Uma Semana Antes da Festa de 1974), Carlos Montanha (A Fábula do Ovo de 1947),

Natália Correia (Comunicação de 1959, O Homúnculo de 1964 e A Pécora de 1966), Mário Cesariny (Um Auto para Jerusalém de 1964, extraído do texto de Luiz Pacheco

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História Antiga e Conhecida de 1946), Virgílio Martinho (Filopópulos de 1970 e O Grande Cidadão de 1976).

O teatro do absurdo em Portugal surge ainda associado a um teatro novo, à publicação da antologia Novíssimo Teatro Português222 e ao ciclo de representações «Teatro de Novos para Novos» que teve lugar no Teatro Nacional D. Maria II223. É também com estes vocábulos que a linha absurdista é descrita por Antonio Tabucchi, em

Il Teatro Portoghese del Dopoguerra (Trent’Anni di Censura): «Un folto stuolo di

giovani e giovanissimi ha compiuto le prime esperienze teatrali su una lìnea dell‟Assurdo che va da Ionesco a Beckett, a Adamov»224.

Fernando Mendonça refere-se igualmente a essa geração de dramaturgos considerando que «esses jovens autores […], esse teatro irrequieto vem para a literatura, para as livrarias (já que não pode subir ao tablado) com entrevista marcada com o seu tempo, e por isso o seu inconformismo, quase sempre metamorfoseado em angustiado absurdismo, denuncia uma lúcida compreensão do mundo em que deseja intervir»225. Em seguida refere a antologia Novíssimo Teatro Português como exemplo dessa geração de jovens autores, acrescentando o exemplo de Luís de Sttau Monteiro a propósito da peça

Todos os anos, pela Primavera (1963), onde Fernando Mendonça reconhece traços de

absurdismo que sublinham a violência realista226.

O teatrólogo conclui que estes dramaturgos se aproximam graças a um denominador comum por utilizarem: «uma sintaxe teatral que não hesita em dinamizar todos os instrumentos eficazes no ataque directo ao público, e principalmente à sua capacidade de consciencializar problemas»227. Por outro lado, observa no teatro desta geração um movimento de denúncia «do egoísmo, da ausência de solidariedade, da mesquinhez e do cabotinismo de uma sociedade que os autores acreditam irremediavelmente etiquetada de padrões obsoletos»228. É então traçado o retrato de uma

222 Ribeiro, Ilídio (org.), Novíssimo Teatro Português, [O General de Artur Portela Filho, O Borrão de

Augusto Sobral, O Museu de Fiama Hasse Pais Brandão, Funerais de José Sasportes e O Delator de Maria Teresa Horta], Lisboa, Editorial Ao Sol, 1962.

223 O ciclo «Teatro de Novos para Novos» encenado por Artur Ramos na Companhia Rey Colaço-Robles

Monteiro contou com a apresentação das peças O Pescador à Linha de Jaime Salazar Sampaio e O

Consultório de Augusto Sobral em Junho de 1961.

224 Tabucchi, António, Il Teatro Portoghese del Dopoguerra (Trent’Anni di Censura), Roma, Editioni

dell‟Abete, 1976, p.100.

225

Mendonça, Fernando, Para o Estudo do Teatro em Portugal, São Paulo, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis, 1971, p.117.

226 Cf. Mendonça, Fernando, op. cit., p.133. 227 Id.Ib.

90 dramaturgia que se pauta pela irreverência e pela inversão dos valores estabelecidos. Trata-se de um teatro de renovação artística e de contestação social, onde a linguagem e os códigos de estrutura dramatúrgica são reformulados, à semelhança do absurdo francês e em confluência com o movimento surrealista. Por fim, as considerações de Fernando Mendonça acerca das personagens tipo criadas por esta geração de dramaturgos aproximam-se das características dos anti-heróis que encontramos no absurdo francês:

«eles são os heróis ocasionais que a vida faz, ou antes, os anti-heróis do nosso tempo; aqueles com quem nos cruzamos diariamente nas ruas, aqueles perante quem nos quedamos indiferentes, aqueles a quem recusamos a glória de serem distinguidos. Mas atravessam o palco, atuantes, paradigmáticos dos alarmes que nos assustam, réus e juízes simultaneamente da vida. É neste inquietante dualismo, no claro-escuro da verdade e da inverdade, sobre a qual nós, espectadores, somos forçados a decidir, que repousa o apelo, o fascínio do mais moderno teatro português»229.

Segundo os estudos e Histórias do teatro que referimos, damos conta que os autores do absurdo em Portugal se integram numa geração jovem, de carácter vanguardista que procurou romper com o contexto ditatorial e com o modo como o teatro era bloqueado. Parece-nos significativo o facto de os autores portugueses evocarem nos seus textos marcas de Ionesco e Beckett. As peças do absurdo francês reflectiam um contexto social antagónico, onde o teatro respirava um clima de liberdade e de renovação. Ao revisitarem os dramaturgos francófonos, os autores portugueses prosseguiram a intenção de romper com o teatro tradicional e criar uma dramaturgia pensada para a concretização cénica. É importante interrogar os motivos que levaram a censura a bloquear o projecto artístico destes autores que viram a maioria das suas peças afastadas da cena.

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Capítulo II