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Como já foi referido, era precisamente o contexto de censura que motivava a maioria dos dramaturgos a aderir a um teatro mais metafórico, abdicando da linha do teatro épico. Através de uma linguagem codificada, própria do universo onírico- absurdista, os dramaturgos portugueses encontraram uma outra forma de se exprimirem e de contestarem, de denunciarem a realidade, recriando situações irreais. No entanto, esta estratégia não protegia totalmente as suas obras. Apesar de a maioria dos textos serem publicados, as representações viam-se recorrentemente censuradas. Nesse sentido, a dramaturgia de linha absurdista em Portugal sofre desde as suas origens o estigma de viver como uma escrita muda. Parece-nos então pertinente esboçar um panorama do contexto teatral durante a ditadura e os condicionalismos que sofreu perante a censura.

1– O teatro português no contexto ditatorial

Durante a ditadura do Estado Novo desconfiava-se do teatro em primeiro lugar, entre as diferentes artes, como meio de subversão. Como descreve Luís Francisco Rebello, o teatro era considerado uma ameaça pelo facto de significar uma res publica, «a transposição de uma vivência ou de uma mitologia colectivas; e o palco, o lugar onde ressoam, serenas ou agitadas, as pulsações do coração da cidade. Arte colectiva por sua própria natureza, fenómeno essencialmente comunitário»230. Graça dos Santos vai ao encontro desta ideia ao afirmar que «Salazar não podia gostar de teatro: ele que detestava a multidão, desconfiava particularmente desta arte potencialmente capaz de juntar gente»231. Na mesma linha de pensamento se encontram as seguintes considerações de E. Melo e Castro:

«O teatro é, desde as suas mais antigas manifestações, uma comunicação pública e convoca um sentir e um entender colectivos, livremente expressos. É, por isso, como que a imagem inversa de um poder estatal totalitário e mesmo até de muitos desvios do poder democrático. Ele denuncia e põe em causa a própria natureza do poder. E para Salazar o pior que podia acontecer era „o poder cair na rua‟. O teatro era e é, de certo modo, a rua… mesmo que

230 Rebello, Luiz Francisco, Combate por um Teatro de Combate, Lisboa, Seara Nova, 1977, pp.19-20. 231 Santos, Graça dos, O Espectáculo Desvirtuado. O teatro português sob o reino de Salazar (1933-1968),

92 seja intimista, intelectual, de vanguarda e elitista, esse é o seu paradoxo e a

sua força: o teatro é a rua»232.

José Oliveira Barata traça um retrato do teatro português, como um teatro traumatizado pelo seu passado censório, não podendo até hoje «apresentar-se como uma dramaturgia pujante, comparável à da vizinha Espanha no seu Século de Ouro, ou às demais que, em períodos diversos, floresceram na Europa»233. Nesse sentido, o teatrólogo denuncia a situação do teatro em Portugal durante a censura, insistindo no facto de ter sido a arte mais vigiada em tempo de ditadura:

«Talvez nenhuma manifestação artística nacional tenha sentido os rigores da censura salazarista e caetanista como o teatro. Para além das perseguições a autores dramáticos que, enquanto cidadãos, foram presos, julgados e proibidos de exercerem as suas profissões, não se ficou por aqui a cuidada vigilância exercida pelos solìcitos polìcias do espìrito. […] É por demais evidente que assim se asfixiou lentamente, numa agonia que os dados estatìsticos comprovam, o teatro português contemporâneo. […] Não só foram escasseando os originais portugueses que viram as luzes dos projectores, como também cada vez foram mais raras as representações de autores estrangeiros que, influenciando decisivamente o teatro europeu, até nós não chegavam para […] estimular a nossa produção dramática»234.

As considerações de Luiz Francisco Rebello reforçam esta denúncia, lembrando que a actividade teatral é sempre dependente das estruturas económico-sociais de cada época e país e que Portugal viveu sempre uma existência precária:

«Somos o país em que a percentagem de peças nacionais estreadas em cada temporada é a mais baixa do mundo. Isto, que já seria grave, ainda mais grave se torna pelo facto de todos os anos se publicarem, não obstante, peças de alto nível artístico, às quais é todavia sistematicamente recusado o acesso ao palco. E já não falo sequer nas peças que os autores portugueses, privados do estìmulo da representação desistem de escrever…»235.

No mesmo artigo, o autor distingue três formas de censura: ideológica, económica e geográfica. A censura ideológica é caracterizada como uma barreira entre os trabalhadores teatrais e o público, «impedindo-lhe o acesso àqueles que considerava „subversivos‟, „perigosos‟»236

. Quanto à censura financeira, é descrita como «uma nítida

232 Melo e Castro, E.M. de, Teatro de um Homem (L)ido. Metaficção Crítica e Teatral (1954-2005).,

Sociedade Portuguesa de Autores, Lisboa, Dom Quixote, 2006, p.121.

233

Barata, José de Oliveira, História do Teatro Português, Lisboa, Universidade Aberta, 1991, p.51.

234 Id.Ib., pp.352-354.

235 Rebello, Luiz Francisco, Combate por um Teatro de Combate, Lisboa, Seara Nova, 1977, p.21. 236 Id.Ib.,p.25.

93 opção ideológica» evidente na acção dos empresários teatrais que «seleccionavam os espectáculos que produziam em função da sua previsível rentabilidade, condicionando-os assim aos gostos e preferências do público burguês a cujo consumo se destinavam»237; por último, a censura geográfica é devida à «concentração quase exclusiva da actividade teatral na capital do país [o que] limitava a cerca de nove décimos da população a possibilidade de assistir a espectáculos teatrais»238.

Por sua vez, Cândido de Azevedo descreve a censura «na sua tripla realidade, função e propósito»: «como mesa censória, logo como instrumento de repressão cultural e de condicionamento intelectual; como veículo de coacção administrativa e portanto de intimidação intelectual; e como componente do aparelho político-ideológico do regime»239.

O facto de a representação dos textos, mais do que a sua publicação, surgir como ameaça ao regime, explica-se também por o teatro constituir na altura um dos poucos meios acessíveis para o despertar de mentalidades, se tivermos em conta o escandaloso índice da população iletrada e a fragilidade do sistema educativo e cultural. Fernando Rosas e José Brandão de Brito descrevem o contexto crítico do país durante a ditadura, sublinhando o facto de o analfabetismo e a submissão da população terem contribuído em grande medida para a estabilização e conservação da „ordem estabelecida‟:

«essa imensa massa rural despolitizada, analfabeta […] submissa, funcionará historicamente como um pesado lastro de estabilização e conservação da „ordem estabelecida‟ sob a tutela dos grandes interesses da terra. […] esse vasto pântano económico e social funcionará historicamente sempre que neutralizado pelo regime, seja a nível político e económico, seja a nível cultural ou das mentalidades, como importante factor esvaziador da conflitualidade social, da radicalidade em geral, da rotura, até da mudança, terreno típico das soluções conservadoras, ordeiras, do viver habitual, paradigma da Pax salazarista»240.

Por sua vez, João Luís Lisboa traça um retrato de Portugal em 1974, como um país afastado dos parâmetros do resto da Europa, onde além do carácter conservador e nacionalista do ensino, se dá conta do bloqueio que a censura provocou ao nível da

237 Id.Ib.,pp.25-26. 238

Id.Ib.,p.26.

239

Azevedo, Cândido de, A censura de Salazar e Marcelo Caetano – Imprensa, Teatro, Cinema, Televisão,

Livro, Lisboa, Caminho, 1999, p.65.

240 Rosas, Fernando e Brito, José Brandão de, Salazar e o Salazarismo, Lisboa, Dom Quixote, 1989, pp.20-

94 produção literária e artística. Para além disso, constata o escandaloso índice de iliteracia que Portugal revelava na década de 70:

«des pourcentages très élevés d‟illettrés, plus d‟un tiers de la population en 1970, selon les chiffres du DEPGEF du Ministère de l‟Éducation ou plus d‟un quart, si on ne considère que les enfants de 10 ans, selon les chiffres de l‟Institut portugais de statistique (INE); ensuite, il faut tenir compte du fait, qu‟à l‟époque, la plupart des jeunes sortaient du système avant l‟âge de 10 ans»241.

A propósito deste contexto de submissão do pensamento individual em prol da doutrina, Fernando Rosas descreve do seguinte modo o Estado Novo: «tal regime, vindo das brumas como uma estranha maldição […] mantinha-se contra tudo e contra todos por obra do obscurantismo religioso oficialmente alimentado da mentira e da propaganda oficial apoiada na censura, da repressão policial»242.

Portugal, com o seu passado censório que se manifestou desde a Inquisição, passando pelo Governo pombalino como um dos mais longos e rigorosos exemplos de repressão intelectual, era um terreno propício a esse domesticar das almas e das vontades, terreno fértil para acolher um regime autoritário. Até aos anos vinte, a Lei da Censura Teatral de 7 de Agosto de 1890, nunca foi aplicada, uma vez que a interrupção dos espectáculos era deixada ao critério do representante da autoridade na sala. É com a política sidonista que o cerco da censura literária se torna mais rígido.

Sidónio Pais restabelece a censura prévia, através de um decreto de 13 de Abril de 1918, regulamentado pelos decretos de 17 de Junho e 12 de Julho, em que são repostas em vigor as leis de 9 de Julho de 1912 e de 28 de Março de 1916: «É determinado que as comissões de censura marcarão a tinta vermelha os cortes que fizerem»243. A 9 e 12 de Julho de 1912, são decretados os motivos pelos quais as publicações podem ser apreendidas: ultraje às instituições republicanas, pornografia, atentados contra a segurança do estado, a ordem e tranquilidade pública. Além disso, «é reprimida a propaganda tendenciosa ou subversiva, verbal ou escrita, pública ou clandestina que

241 Lisboa, João Luìs, «Les transformations dans l‟enseignement au Portugal après le 25 avril 1974» in

Araújo Carreira, Maria Helena (dir.), De la révolution des œillets au 3ème millénaire. Portugal et Afrique lusophone: 25 ans d’évolution(s), Paris, Université Paris 8-Vincennes-Saint-Denis, 2000, pp.109-110.

242

Rosas, Fernando, O Estado Novo nos anos trinta 1928-1938, Lisboa, Editorial Estampa, 1986, p.26.

243 Marcos, Luís Humberto & Ferreira, Rui Assis, Imprensa, Censura e Liberdade: 5 Séculos de História:

Catálogo da Exposição e Cronologia da História da Censura em Portugal, Porto, Instituto da

95 apele ao não cumprimento de deveres militares, ou ao cometimento de actos atentatórios da integridade e independência da Pátria»244.

Com a Guerra 14-18 as leis de censura são reforçadas. O decreto de 30 de Novembro de 1914 proíbe a publicação de notícias sobre as forças armadas portuguesas sem origem oficial. O governo de Bernardino Machado alarga os motivos de apreensão e institui a hipótese de suspensão de periódicos entre 3 e 30 dias. A censura prévia é instituída a 28 de Março de 1916, quando a declaração de guerra da Alemanha se estende a Portugal.

Em 1926, na sequência do golpe militar de 28 de Maio, «é instituído em 22 de Junho um regime de censura prévia tido como medida transitória em resultado da suspensão das garantias constitucionais»245. Este regime mantém-se até ao fim da ditadura militar, com a Constituição de 1933. Em 1932 «são publicadas […] as „Instruções Gerais‟ da Direcção Geral dos Serviços de Censura. No 1º parágrafo […] lê- se que „a censura foi instituìda […] com o fim de evitar que seja utilizada a imprensa como arma política, contra a realização do seu programa de reconstrução nacional»246.

Relativamente à legislação que dizia respeito de um modo directo à actividade teatral, a partir de 1927 competia à Inspecção Geral dos Teatros fiscalizar as peças, antes da sua subida à cena. Inicialmente pela análise dos textos (mesmo quando estes não eram publicados), através da acção do Gabinete de Leitura247. Em breve, o espectáculo seria vigiado, não apenas relativamente ao texto, mas pelo modo como era representado. Reconhecia-se assim o impacto da passagem do texto à cena. É então criado o «Ensaio de Censura», onde se verificava o valor dramático e moral do espectáculo e eventuais alterações entre o texto e a representação.

O decreto n°13564, de 6-5-1927, atribuía ao inspector-geral dos Teatros a competência para «fiscalizar os espectáculos e promover a repressão de quaisquer factos ofensivos da lei, da moral e dos bons costumes e impor às empresas que se abstivessem de dar espectáculos ofensivos das instituições vigentes [...] ou que fossem perniciosos à educação do povo»248. A 25 de Setembro de 1930 foi promulgado o decreto n°18881, que retirava autonomia à Escola de Arte de Representar. Segundo Luiz Francisco Rebello,

244 Id.Ib., p.72. 245 Id.Ib., p.78. 246 Id.Ib., p.78.

247 Cf. Azevedo, Cândido, 1999, op.cit., p.179.

96 estes dois decretos «estão na origem da progressiva decadência do espectáculo teatral que entre nós se verificou desde então. Note-se ainda que desde os anos 30 que os ensaios se tornaram rigidamente regulamentados249. O decreto de 1927 foi revogado em 20-11-1959 pelo decreto-lei n°42660, mas os seus efeitos nocivos […] permanecem intactos, e até ampliados»250.

Em 1933 cria-se a Constituição do novo regime autoritário. Dá-se uma reaproximação do Estado e da Igreja, sendo reconhecida a personalidade jurídica das corporações encarregadas de culto, é autorizado o ensino religioso nas escolas particulares, o Estatuto das Missões Católicas é aprovado e são celebrados acordos com a Santa Sé, relativamente ao padroado do Oriente. Institui-se legalmente a Censura Prévia (Decreto-Lei nº22469, de 11 de Abril). As comissões de Censura são transferidas do Ministério da Guerra para o Ministério do Interior. Esta lei afirmava dentro das suas intenções principais «impedir preventiva ou repressivamente a perversão da opinião pública na sua função de força social, e salvaguardar a integridade moral dos cidadãos»251. A 29 de Junho do mesmo ano, é criada a Direcção Geral dos Serviços de Censura, na inteira dependência do Ministério do Interior (Dec. Lei nº22756). São proibidos os sindicatos e os partidos políticos e cria-se o Secretariado de Propaganda Nacional (SPN).

António Ferro estava à frente do SPN e era responsável pela instauração de uma política nacionalista de propaganda ao salazarismo, instituindo uma severa censura não só no que respeita à Imprensa, mas também uma censura implacável no que concerne os domínios literário e artístico. O nome de António Ferro é primeiramente ligado ao Modernismo. Foi fundador da revista Orpheu e seguidor das vanguardas que surgiram no início do século. É curioso notar que o próprio António Ferro foi censurado, quer na publicação, quer na representação da peça Mar Alto, em 1923, reunindo protestos de vários autores que veriam mais tarde as suas obras censuradas pelo SPN, tais como Raúl Brandão, Norberto de Araújo, Robles Monteiro, Aquilino Ribeiro, entre outros.

António Ferro foi fundamental na apologia da figura e política de Salazar. Com a acção do SPN criou-se o mito da portugalidade, na tentativa de construir uma identidade nacional que fosse ao encontro dos desígnios e princípios do regime. É forçoso dizer que o SPN se serviu também do teatro, como meio de propaganda. Note-se os exemplos do

249 Cf. Azevedo, Cândido, 1999, op.cit., p.183. 250 Id. Ib., p.429.

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Teatro do Povo e do Teatro Novo, ambos criados por António Ferro, e que foram

verdadeiras estruturas ilustrativas da «Política do Espírito».

Um dos principais objectivos da censura consistia na manipulação das mentalidades com o intuito de preservar o regime. O aparelho censório procurava ocultar a realidade nacional a nível político, social e económico e construir uma imagem ficcional do verdadeiro país em que se vivia. Cândido de Azevedo reforça esta questão, caracterizando a censura, enquanto máquina de deturpação e ocultação, aliada ao SPN:

«A censura constituía um instrumento para condicionar consciências e manipular ideias e comportamentos – no quadro da política do Espírito desenvolvida pelo Secretariado de Propaganda Nacional (SPN) – ou seja, de um meio de a ditadura obter mentalidades acomodadas ao regime. […] [A censura constituía] uma máquina poderosa, terrível na sua eficácia de compressão, de condicionamento, de deturpação e de silenciamento da informação e do pensamento livres, e de manipulação das mentalidades. […] Uma máquina tão eficaz que acabou por ofuscar, por sobrepujar e, até, por ocultar a realidade, a ponto de nos impor a todos uma imagem oficial do país e dos portugueses bem diferente da verdadeira252.

Indo ao encontro desta ideia, Graça dos Santos observa o fenómeno da criação de serviços de propaganda (ministérios ou secretarias), como estratégia de doutrinação em estados totalitários: «A arte pode assim ser açambarcada pelo Estado e perder toda a autonomia indispensável à criatividade, para se transformar num instrumento de propaganda encarregado de glorificar os valores promovidos pelo Estado, e ainda inculcá-los ao conjunto da sociedade através da sua população forçada»253. De notar o papel da Igreja Católica como alicerce do programa de propaganda do regime. Como indica Fernando Rosas: «a Igreja Católica assumir-se-á como o principal instrumento de difusão ideológica dos valores do regime e de legitimação espiritual do poder estabelecido. Designadamente no tocante à política colonial e no apoio espiritual à guerra colonial, após 1961»254.

A acção do SPN/SNI associada à censura pautou-se por termos legais que ao longo do tempo foram reformulados para preservar essa ligação. Em 1944, o Decreto-Lei

252

Azevedo, Cândido, 1999, op.cit., pp.23-25. Com ironia, Cândido de Azevedo caracteriza esse Portugal virtual: «Obviamente, nesse Portugal virtual não havia fome, nem situações de extrema miséria, nem falta de assistência médica e hospitalar, nem pessoas a viver em barracas, nem mortalidade infantil, nem analfabetos, nem desemprego, nem exploração, nem sequer suicìdios… porque os censores estavam lá para cortar ou proibir tudo isso» (Id.Ib., p.27).

253 Santos, Graça dos, 2004, op.cit., pp.64-65.

254 Rosas, Fernando, Pensamento e Acção Política. Portugal Século XX (1890-1976), Lisboa, Editorial

98 nº33545, de 23 de Fevereiro, faz transitar os Serviços da Censura do Ministério do Interior para a dependência directa de Salazar. O SPN passa a designar-se SNI (Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo) e através do Decreto- Lei 34133, de 24 de Novembro, incorpora os Serviços de Censura e os Serviços de Inspecção dos Espectáculos. De acordo com esse decreto a Inspecção dos Espectáculos «funcionava, simultaneamente, como serviço de censura; como serviço de fiscalização administrativa […] e como serviço de vigilância»255

. No artigo 4º é designada a superintendência do Inspector-Geral dos Teatros em todas as casas e recintos de espectáculos ou divertimentos públicos, competindo-lhe a concessão de subsídios «tendentes a proteger e a divulgar a arte nacional e acautelar os interesses do público, da moral social e o prestígio das instituições»256, a concessão de licenças a empresas que pretendessem explorar espectáculos públicos, de licenças profissionais a artistas. Competia-lhe fiscalizar a organização de companhias nacionais fixas e eventuais tournées, fiscalizar a conduta de empresas e artistas, ensaiadores, pontos e contra-regras, assim como artistas estrangeiros que actuassem no país, zelar pelo cumprimento dos direitos de autor, determinar a aplicação de multas e penas disciplinares, autorizar e visar espectáculos públicos, «fiscalizar os espectáculos e promover a repressão de quaisquer factos ofensivos da lei, da moral e dos bons costumes; dirigir a organização da estatística dos espectáculos públicos e do cadastro geral dos artistas»257. De salientar o facto de que a integração dos Serviços de Inspecção dos Espectáculos no SNI veio reforçar a inspecção da actividade teatral, assim como do cinema e da rádio.

Em 1945, o Dec. Lei nº34590 de 11 de Maio determina a exigência de aprovação do conselho técnico da Inspecção dos Espectáculos para toda a «construção, modificação das casas e recintos de espectáculos e diversões de qualquer natureza»258. Além disso, era necessária uma licença semestral para o funcionamento de qualquer recinto de espectáculos. Os cartazes e programas, assim como os anúncios na imprensa eram igualmente visados pela Inspecção dos Espectáculos. Em 1949, António Ferro abandona

255 Azevedo, Cândido, 1999, op.cit., p.173.

256 Lírio, Joaquim de Oliveira, Espectáculos Públicos, Leiria, Oficinas Gráficas de Leiria, 1955, p.8. Obra

concebida por J.O. Lírio, Secretário do Governo Civil de Leiria e Delegado da Inspecção dos Espectáculos que reúne as disposições legais desde 1927 até 1955, num só documento, com as devidas actualizações e anotações.

257 Id.Ib., pp.8-9.

99 o SNI e é substituído por António Eça de Queiroz até 1951, quando José Manuel da Costa lhe sucede.

Como aponta Cândido de Azevedo é forçoso mencionar, além do SPN/SNI, a importância do Fundo do Teatro, como aliado da censura, «no quadro de um leque de pressões que eram regularmente exercidas sobre empresários, autores e editores, como meio de ocultar um peça, silenciar um livro ou lançar no esquecimento o seu autor»259. Considere-se o exemplo da alínea 13 do artigo 98º respeitante ao Decreto-Lei nº 39684