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4 PUBLICIDADE E CULTURA

4.6 A MANIFESTAÇÃO CULTURAL COMO FATOR DIFERENCIAL

No desempenho de seu papel de tornar pública a imagem da marca, a publicidade tem a capacidade de fazê-lo combinando os fatores racionais com os emocionais, a fim de agregar

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Isleide Arruda Fontenelle (2002) apresenta dois motes de campanhas que demonstram como estas marcas dispensam apresentações, tamanha sua consistência: “Coca-Cola é isso aí!” e “Alguém aí falou Mc Donald‟s?” (“Did somebody say Mc Donald’s?”).

17 Apud. BUTTERFIELD, 1995, p. 184.

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John Bartle, na obra O valor da propaganda (2005, p. 183) diz que “a chave para o sucesso de uma marca é o diferencial motivador. O diferencial que cria o que Stephen King descreveu como „um pequeno monopólio na mente do consumidor”.

valores que possam atingir seu público não somente através de um diferencial do produto ou serviço, mas também de maneira diferenciada na forma de comunicar os mesmos. A publicidade tem, assim, o potencial de dirigir-se aos sentidos do indivíduo-consumidor e afetar suas emoções de maneira sutil e ao mesmo tempo eficiente.

Apesar de gozar de múltiplas facetas, técnicas e possibilidades, a busca por um diferencial é reconhecidamente uma tarefa desafiadora para os publicitários. Segundo Piratininga,

o desafio de estabelecer um diferencial só pode ser vencido através da criatividade artística: como a resposta não costuma estar em terreno totalmente racional (...), somente a sensibilização emocional, exacerbada pelo conteúdo estético presente em cada manifestação da arte publicitária, permite cumprir a contento a superação dialética do desafio. (PIRATININGA, 1994, p. 87)

Desta maneira, para superar este desafio e a fim de provocar o apelo ao lado emocional do público e de despertar a sua formulação de associações, a publicidade, de acordo com o produto ou serviço anunciado, pode se utilizar de manifestações culturais em suas peças e campanhas.

As expressões culturais trazem consigo todo o seu processo histórico de criação, recriação e transmissão, e assim, por si só, já se configuram como singulares. Cada expressão da cultura possui aspectos de grande relevância para a construção do patrimônio - não somente material como também imaterial – das comunidades e da sociedade. A utilização deste tipo de manifestação em peças publicitárias pode, além de ser instrumento de divulgação das mesmas, ser o grande fator de diferenciação da marca.

A utilização de uma manifestação cultural em uma peça ou campanha publicitária é uma maneira de fazer o público produzir sentidos diferentes daqueles convencionais. Este modo de divulgar foge da simples apresentação do produto ou serviço e, ainda mais, do esquema corriqueiro do “corra, já está acabando”, “compre já”, “leve agora”, e tantas outras frases imperativas comumente utilizadas nas campanhas de varejo. Este tipo de comunicação, bastante verificado nos anúncios da atualidade, funciona em casos específicos e logicamente tem sua relevância. Porém ele configura-se como um esquema bastante linear e restrito. Nestes anúncios direcionados simplesmente à venda, percebe-se que a informação é fornecida sem que haja qualquer tipo de convite à reflexão do consumidor, expõe-se o produto ou serviço, talvez seu preço ou suas vantagens, mas não há uma interação entre a audiência e a mensagem, na direção de produzir novos sentidos. A informação é clara e objetiva, porém, é também comum, habitual.

Um anúncio que tenha em sua formulação a utilização de uma manifestação cultural pode provocar um processo de construções de sentidos bem mais complexos, envolvendo o oferecimento de uma gama maior de possibilidades ao consumidor. Tanto possibilidades de contato com determinada expressão cultural antes não conhecida – oferecendo a este público a possibilidade de valorar aquela expressão –, quanto de familiaridade com aquela expressão quando a mesma for de antemão conhecida por aquele indivíduo. Além disso, ainda há a possibilidade do despertar um novo olhar sobre aquela manifestação que já era familiar, possibilidade esta que também é interessante, pois o indivíduo pode atualizar a mensagem e despertar os seus sentidos em relação a ela, de forma que também participa ativamente no processo de recepção da mensagem.

Nelly de Carvalho discorre sobre este processo, segundo a autora,

o receptor ao ativar seus esquemas mentais, descobre algo familiar e o traduz, de acordo com uma leitura particular, por meio de projeções, que, por sua vez, são resultado de um legado comunitário. O processo se dá a partir da memória particular de cada um, mas constitui o fio condutor que leva ao âmago da própria cultura. (CARVALHO. 2002, p. 85)

A partir do despertar da familiaridade com a manifestação cultural representada, o público poderá estabelecer algum tipo de identificação com aquela marca – sendo que identificação, segundo Kathyn Woodward (2000, p. 18), é um “processo pelo qual nos identificamos com os outros, seja pela ausência de uma consciência da diferença ou da separação, seja como resultado de supostas similaridades”. Pois sabe-se que o sentimento de “pertencer” é de grande valor para o ser humano, e a representação de uma expressão que lhe é familiar pode provocar este processo de identificação, aproximando-o do que é apresentado.

Ainda segundo a autora (idem, p. 8), as “identidades adquirem sentido por meio da linguagem e dos sistemas simbólicos pelos quais são representadas”. Desta maneira, uma peça publicitária que se utilize de uma manifestação cultural oferece a possibilidade de representação da mesma não somente para o público que já tiver uma familiaridade prévia com ela, mas também para toda a gama de indivíduos que tiverem à frente uma nova oportunidade de produzir sentido sobre aquela manifestação.

Sabe-se que a publicidade, independente de sua forma ou linguagem – se mais institucional ou mais varejista, se mais polissêmica ou mais imperativa –, sempre busca uma

troca de atributos entre o produto ou serviço e o receptor19. E na medida em que é oferecido a este receptor mais do que atributos tangíveis, mas também atributos simbólicos e valorativos, esta troca poderá ser ainda mais positiva.

Desta forma, torna-se clara a simbiose entre a publicidade e a manifestação cultural: tanto poderá haver a ampliação da representação e, portanto, do acesso à manifestação cultural utilizada, quanto o surgimento de novas possibilidades de produção de sentido, de identificação, de familiaridade e de simpatia em relação à marca a qual a mesma está sendo associada. Além do que, fugir da comunicação convencional de produtos ou serviços através de imagens estereotipadas ou linguagem imperativa faz com que o indivíduo que não tem o hábito de dialogar com a propaganda – em nível consciente pelo menos –, sinta-se emocionalmente tocado e desperte para a construção de interpretações, valores e sentidos.

A partir da compreensão de como publicidade e cultura se relacionam e se articulam, este trabalho busca também compreender de que maneira e com quais estratégias a publicidade utiliza-se de manifestações culturais em suas peças e campanhas. Como este trabalho não se trata de uma pesquisa de recepção, será feito a seguir um mapeamento de anúncios publicitários veiculados em uma revista nacional de grande circulação. Esse mapeamento significa uma busca por compreender de que maneira a publicidade brasileira tem utilizado em suas peças elementos como poesia, dança, literatura, artes plásticas, cinema, folclore, entre outras expressões da cultura.

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Sabe-se que o esquema que fixa emissor, mensagem e receptor tornou-se obsoleto, pois a comunicação é mais um processo do que um modelo. Deste modo, estes termos são usados com a finalidade apenas de identificar o anunciante e a audiência.