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4 PUBLICIDADE E CULTURA

4.4 MANIFESTAÇÕES CULTURAIS POPULARES NA PUBLICIDADE

Sabe-se que a publicidade é um processo que passa a ter força e representatividade especialmente nas sociedades capitalistas. E, sendo um processo que tem como objetivo principal tornar público determinada marca, produto ou serviço, utiliza-se, naturalmente, dos

13 Disponível em http://www.overmundo.com.br/agenda/paixao-de-cristo-em-floriano . Acesso em 13 de julho

veículos de comunicação mais pertinentes às necessidades do seu anunciante. Em grande parte das vezes, as estratégias para atingir o público-alvo são aquelas que envolvem anúncios nos meios de comunicação massivos como o rádio, a televisão, revistas, jornais e internet. Os meios, portanto, pelos quais se faz também a difusão dos produtos da cultura de massa.

Cabe, neste momento, questionar se a utilização de uma manifestação cultural popular pela publicidade poderia dar a ela uma aparência ou status de produto da indústria cultural, visto que os anúncios publicitários poderiam ser veiculados em mídias de massa impressas e eletrônicas.

Para responder esta questão faz-se necessário compreender que nem tudo o que é veiculado nos meios massivos é cultura de massa. É certo que a maior parte das produções cinematográficas que são veiculadas na TV são hollywoodianas, muitas destas são ainda fruto de um romance cujo enredo foi escrito já tendo em vista uma futura filmagem – característica prezada pela indústria cultural, que visa o lucro, e por isso opta a investir em um best-seller, de previsível sucesso, a fazê-lo em uma produção marginalizada ou vanguardista. Nos programas de auditório as atrações são os músicos e bandas que estão entre os “top 10” nas paradas das rádios com músicas de refrão fácil ou os protagonistas dos melodramas novelísticos da mesma emissora.

Contudo, não se pode generalizar todas as produções de todos os canais, sintonias, títulos e sites. Existem, mesmo que não na mesma proporção, canais públicos de TV nos quais ainda se verifica claramente a preocupação com uma comunicação não manipuladora, com vistas a um desenvolvimento educacional e/ou cultural, que abre espaços para produções

outsiders14 e que tenham fins além dos meramente comerciais. E existem até mesmo produções de grandes canais abertos que contemplam a cultura popular de determinados grupos ou regiões, em minisséries, musicais, entre outros. Assim como publicações, e rádios privadas ou comunitárias que apresentam a seus públicos uma programação neste mesmo sentido, fugindo do entretenimento vulgar e alienatório.

Além disto, menos do que generalizar, não se pode ser conformista com o que é ofertado comumente nestes meios de comunicação. As possibilidades que se têm de apresentar produções que contemplem manifestações culturais populares devem ser aproveitadas, visando promover a acessibilidade das massas às produções de grupos ou indivíduos diferentes dos que estão frequentemente por trás das grades das programações.

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Termo utilizado por Norbert Elias (2000) na obra “Os estabelecidos e os outsiders”, em que o autor faz uma análise das relações de poder através de uma pesquisa de campo feita em uma pequena cidade do interior da Inglaterra no final dos anos 50.

Não é porque está em um meio de comunicação de massa, que uma manifestação cultural é “industrializada”. Não acontece uma transformação instantânea no momento em que uma ação cultural popular é veiculada e ofertada à apreciação da audiência do veículo massivo. O que ocorre neste caso é, pelo contrário, uma possibilidade de conferir novas perspectivas a este público acostumado a não precisar pensar e imaginar o que assiste, avezado com a inexistência de qualquer produção que exija maior alento intelectual. Pois, segundo Adorno e Horkheimer,

a atrofia da imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural de hoje não tem necessidade de ser explicada psicologicamente. Os próprios produtos, desde o mais típico, o filme sonoro, paralisam aquelas faculdades pela sua própria constituição objetiva. (ADORNO e HORKHEIMER15, 1978)

Deste modo, a inserção de manifestações culturais populares na publicidade a ser veiculada nos meios de comunicação de massa não somente não diminui o valor cultural das mesmas, como também pode contribuir com o oferecimento de novas possibilidades ao público destes meios. Possibilidades de construção de sentidos diferentes do que é ofertado rotineiramente, que muitas vezes não abre nem mesmo brechas para uma construção de sentido qualquer senão aqueles já prescritos pelo agente-comunicador.

Além disto, para responder esta questão, é interessante compreender como se articula a valoração da arte, tomada aqui como uma forma de manifestação cultural. Pois, na publicidade é claro o sentido de divulgar, e a reprodutibilidade das peças e campanhas é um fator preponderante neste tornar público. A base para este questionamento está no texto de Walter Benjamin, membro da Escola de Frankfurt assim como Adorno e Horkheimer, A obra

de arte na era de sua reprodutibilidade técnica.

Ao discorrer sobre a reprodutibilidade da arte, Benjamin (1994, p. 170) ressalta que o “aqui e agora da obra de arte”, sua autenticidade, sua unicidade e a distância e referência do observador em relação a ela, conferiam à mesma uma aura, que segundo ele é “uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante por mais perto que ela esteja”. Contudo, o aparecimento e desenvolvimento de formas de arte como a fotografia e o cinema, colocam esta aura em cheque, já que estas formas têm sua razão de existir exatamente no estágio da reprodução.

Apesar de haver autores, que como Adorno e Horkheimer, prezam por uma certa sacralização da arte, a perda da aura pela obra de arte, não significa um prejuízo à mesma.

Pelo contrário, esta reprodutibilidade, possibilita o oferecimento de manifestações culturais a novas apreciações e cria uma possibilidade de democratização do acesso às mesmas. Segundo Benjamin (1994, p. 171), “com a reprodutibilidade técnica, a obra de arte se emancipa, pela primeira vez na história, de sua existência parasitária, destacando-se do ritual”.

Desta forma, pode-se concluir que a reprodução de uma manifestação cultural em um meio de comunicação de massa, desde que seja feita de maneira a respeitar seus princípios e características originais, não diminui o valor da mesma. Além disto, a sua percepção, que anteriormente poderia ser mais restrita, pode ser ampliada pela massificação do acesso. Pois Benjamin (idem) também acreditava que o valor singular da obra de arte original tem o seu fundamento no ritual em que adquiriu o seu valor de uso primeiro. Este, independentemente da maneira como seja transmitido, mantém-se reconhecível. Por isto, a publicidade, ao utilizar-se da manifestação cultural popular, sempre deve ter em vista a preocupação com a maneira com que a mesma será abordada em suas peças ou campanhas, apresentando-a ao seu público de forma a respeitar este ritual primeiro em que a obra ganhou sentido. Este processo de interação entre publicidade e cultura não somente pode possibilitar a ampliação do acesso à manifestação utilizada, como também pode proporcionar à publicidade uma maneira diferenciada de construir sua argumentação e comunicar de forma singular suas marcas, produtos e serviços.