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CAPÍTULO 2 – A HISTÓRIA DA FRAGATA (1845-2013), «AS MARINHAS»

2.2 A Marinha de Guerra (1945-1975)

Com a II Guerra Mundial, a Marinha, que atravessava um período de remodelação inserido no programa de revitalização das Forças Armadas, o programa

Magalhães Correia, vê-se obrigada a refrear aquilo que corresponde à chamada 2ª fase

deste mesmo programa. Ainda assim, são concretizados alguns projetos. Segundo João Brandão Ferreira110 são acrescentados à Armada vinte navios (alguns construídos de raiz e outros adquiridos em segunda mão), três destas unidades navais são submarinos e duas são fragatas. Conforme nos refere o mesmo autor, a aviação naval é pequena mas mostra-se eficiente e é constituída por hidroaviões, bimotores de treino e ligação e por uma esquadra de combate com quinze bimotores torpedeiros.

109 GIL, Adriano Beça, “Fragata D. Fernando II e Glória”, Anais do Clube Militar Naval, vol. CXXXIV,

Lisboa, Abril-Junho 2004, p. 333.

110 FERREIRA, João José Brandão, As Reformas das Forças Armadas Portuguesas da Época Contemporânea até ao Fim das Campanhas de África do Século XX, in MOREIRA, Adriano e

RAMALHO, Pinto (Coords.) – revista Estratégia, Lisboa, Instituto Português da Conjuntura Estratégica, 2007, pp. 273 e 274.

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Em 1949, segundo alguns politólogos, mercê de uma manobra de realpolitik que teria tido a ver com a posição geoestratégica privilegiada dos Açores, e segundo outros do próprio território continental, Portugal é convidado a fazer parte da North Atlantic

Threaty Organization (NATO) que então se fundava. O Presidente do Conselho,

Professor Oliveira Salazar aceitou e a partir daqui, durante praticamente todos os anos 50, verifica-se uma remodelação quer nos navios, quer nas infraestruturas em terra, quer ainda naquilo que são os novos procedimentos e a nova doutrina organizacional a que a NATO obrigava.

Ainda segundo Brandão Ferreira111 chega a Portugal, no âmbito de um acordo bilateral com os Estados Unidos da América (EUA) diverso material militar de guerra através do Military Assistence Advisory Group (MAAG). São aumentados ao efetivo naval, catorze Patrulhas, dezasseis Draga-Minas, três Fragatas e vinte e quatro aviões anti-navio. A isto juntou-se no campo infraestrutural a mudança do Arsenal para a margem sul (Alfeite) e a construção da Estação Naval do Alfeite e da Base Aérea do Montijo.

Apesar desta evolução, em 1952, perde-se a componente aérea que se juntou à Aeronáutica Militar e que forma a Força Aérea. No entanto, o desenvolvimento e o empreendedorismo naval prosseguem, até porque a partir de 1961 surge um novo desafio, a guerra do Ultramar.

As missões no cenário ultramarino são completamente distintas das missões na metrópole, sobretudo as missões no âmbito da NATO.Segundo o autor, a característica geral dos meios navais, anfíbios e terrestres da Marinha no Ultramar pautava-se por aquilo a que o autor chama o “forte e feio”112

onde a pouca complexidade de equipamentos, a grande autonomia logística em mantimentos, combustível, munições e sobressalentes permitiam ao pessoal “safar-se” em quase todas as situações. Por outro lado no âmbito da NATO e das missões na Metrópole as necessidades operacionais prendiam-se mais com a luta de superfície e antissubmarina, com a melhoria de sensores e com o gradual empenhamento do pessoal em treino e operação em lugar da aposta na manutenção.

Durante a década de 60 surgem os mergulhadores-sapadores, foi reativado o Corpo de Fuzileiros, começaram a construir-se em França as quatro fragatas da classe

João Belo e os quatro submarinos da classe Albacora e entraram ao serviço as três

111 Idem, ibidem, p. 274. 112 Idem, ibidem, p. 275.

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fragatas da classe Almirante Pereira da Silva. Estas últimas destinavam-se à utilização restrita no âmbito do quadro da NATO, não devendo operar no Ultramar. Para o contexto de guerra foram utilizadas as referidas fragatas da classe João Belo. A partir de 1966/67 são aumentados ao efetivo essas mesmas fragatas bem como os novos submarinos, e nos anos seguintes chegam, aos poucos, as corvetas João Coutinho e

Jacinto Cândido (de construção alemã) e a General Pereira D’ Eça e Augusto Castilho

(de construção alemã e espanhola respetivamente). Mais tarde, hão-de chegar as unidades da classe Baptista de Andrade, mais sofisticada em termos tecnológicos.

No que se refere ao número de efetivos, devido à guerra e ao visível aumento de unidades navais, também este obteve um crescimento, passando os militares da Marinha, segundo Brandão Ferreira113, de 7235, em 1958, para 12479 militares, em 1964.

No que respeita à NATO, e embora sensivelmente até 1966 a Marinha tivesse sofrido um certo afastamento das atividades normais da aliança, devido à guerra em África e de alguma falta de meios, a partir desta data, com a chegada dos referidos submarinos, das fragatas e das corvetas, Portugal passa a fazer-se representar nos exercícios da aliança (entre 1966 e 1974) fazendo uso destes meios.

Deste novo período de participação em exercícios devem referir-se dois momentos representativos do novo padrão de cooperação criado a partir de meados dos anos sessenta114. O primeiro é o destacamento da Pereira da Silva, como primeira fragata portuguesa a integrar a STANAVFORLANT, a esquadra permanente da NATO no Oceano Atlântico. Passa então a ser atribuído um navio português para essa força durante quatro a cinco meses por ano. Outro momento é o facto de Portugal ter garantido um oficial de comunicações e guerra eletrónica em 1971 e um CEM (Chefe de Estado Maior) de Julho de 1973 a Julho de 1974, nas funções de comando rotativo da

mesma STANAVFORLANT115.

Ainda no âmbito da NATO, Portugal passa a assegurar, a partir de 1971, uma vigilância reforçada aos movimentos dos navios soviéticos que passam ao longo da costa continental portuguesa, intersetando-os e acompanhando-os. Em resumo, no que respeita a missões e tarefas no seio da aliança, podemos dizer que, embora nos anos sessenta e setenta a Armada portuguesa estivesse muito virada para o problema de

113 Idem, ibidem, p. 279. 114

TELO, António José (coord.), Homens, Doutrinas e Organização 1824 – 1974, Tomo I, Academia de Marinha, Lisboa, 1999, p. 626.

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África, nomeadamente preocupando-se em projetar para essa zona, fragatas e corvetas (em menor número) e lanchas e unidades de fuzileiros (em maior número), foi criado (à parte deste conjunto dedicado à guerra, um núcleo de uma Marinha NATO) núcleo esse, que embora pequeno, era moderno e atualizado e conseguia manter os compromissos do país para com a aliança. Estas «duas marinhas» coexistiram até Abril de 1974.

Além dos compromissos com a aliança, e embora a um nível mais discreto, Portugal continuou a desenvolver com Espanha uma cooperação naval que é, no entanto, digna de registo, durante toda a década de sessenta.

Segundo Telo116 foram desenvolvidas entre as nações ibéricas um conjunto de ações cooperativas com vista à proteção da navegação peninsular e da luta antissubmarina. Por exemplo, em pleno episódio de sequestro do paquete Santa Maria a Espanha destaca o cruzador Canárias para participar nas operações de busca. Além disso, e segundo o mesmo autor, são criados e desenvolvidos circuitos de comunicações com cifras diferentes das da NATO, abertos a troca de informações entre os dois países. Efetuaram-se embarques e movimentos de navios e aviões em solo espanhol e português por parte de forças militares de ambos os países, autorizadas pelos respetivos governos. Foram desenvolvidas táticas conjuntas anti subversivas. Desenvolveram-se exercícios navais conjuntos, ainda que reduzidos ao emprego dos draga-minas, por parte das forças navais portuguesas, devido ao empenho de todos os outros meios em África e exercícios da NATO. Também são implementados planos de proteção da navegação da Península em caso de guerra.

Por outro lado, no que respeita às infraestruturas e como já anteriormente referimos, igualmente neste campo os anos sessenta e setenta foram palco para uma série de mudanças que já tardavam e que vieram melhorar consideravelmente o panorama naval português. Assim, de meados do decénio de sessenta em diante, modernizaram-se o Arsenal do Alfeite (AA) e a Base Naval de Lisboa (BNL), esta última sucessora da Estação Naval do Alfeite que sofreu remodelações que permitiram ultrapassar a antiquada técnica, até então em uso, da amarração dos navios à boia.

Até à adesão à NATO, a Marinha possuía a maioria das suas infraestruturas especialmente concentradas no Alfeite, algumas na margem norte do Tejo, em Lisboa e um polo de escolas em Vila Franca de Xira. Após a adesão e segundo o parecer de

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Brandão Ferreira117, foi criado o Comando de Defesa Marítima dos Açores (CDMA) que acabou por ser o percursor dos vários comandos territoriais que surgiram depois em África. Além disso, também em território nacional são construídas infraestruturas de raiz para dar solução a problemas recentes, como o caso da construção da Estação de Medições Magnéticas de Troia, fruto de uma necessidade de calibrações magnéticas dos draga-minas da classe Ponta Delgada chegados em 1953 e que para o efeito tinham de se deslocar a França (Brest e Toulon) para a calibração magnética em carreira de alta sensibilidade.

No que respeita a infraestruturas, são de referir a construção, em 1958 das futuras estações LORAN de ajuda à navegação118e em 1963/64 os Depósitos de Munições e Combustíveis (POL) OTAN em Lisboa e (POL) OTAN de Ponta Delgada, onde passam a poder abastecer-se os navios das marinhas aliadas.

Ainda no âmbito da NATO, foram criados alguns comandos que vêm beneficiar a Armada, sobretudo ao nível da projeção para com o exterior e ao nível da proximidade das relações com as potências privilegiadas da NATO. Em 1966 é criada a IBERLANT como centro regional do SACLANT e ainda nesse mesmo ano, em Dezembro é criado o COMIBERLANT, que fica situado a partir de 1967 provisoriamente numa vivenda em Mem Martins. Em 1971 é transferido para a sua sede definitiva em Oeiras.

Segundo Brandão Ferreira, “o desenvolvimento da tecnologia e gestão militares veio ainda induzir a reestruturação orgânica dos órgãos centrais de administração e direção.”119

A antiga Superintendência dos Serviços da Armada (SSA) é desdobrada em três: a Superintendência dos Serviços do Pessoal (SSP), Superintendência dos Serviços do Material (SSM) e a Intendência dos Serviços de Administração Financeira da Marinha (ISAFM), mais tarde Superintendência dos Serviços Financeiros (SSF).

Em suma e retrospetivando as linhas anteriores, com base em Brandão Ferreira120, em 1974/75 a Armada (que contava com um número de efetivos da ordem dos 12500 homens desde sensivelmente 1964), embora esgotada por treze anos de guerra e sem nunca ter descurado os seus compromissos para com a NATO, somava um conjunto de dispositivos relativamente modernos, embora convencionais, sem

117 FERREIRA, Brandão, op. cit., p. 280.

118 Estas estações estarão a operar em 1963 em Sagres, Porto Santo, Santa Maria e Flores. Cf. PINTO,

José Luis Leiria – As Comunicações na Marinha – dos primórdios a 1975, comunicação apresentada na Academia de Marinha em 1 de Junho de 2010.

119 FERREIRA, Brandão, op. cit., p. 279. 120 Idem, ibidem, pp. 280 e 281.

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capacidade de rocega de minas e sem estar equipada com misseis. Ainda assim, esta força armada, conseguia representar o país de uma forma bastante razoável quer no contexto das necessidades nacionais, quer no contexto dos compromissos internacionais.