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CAPÍTULO 2 – A HISTÓRIA DA FRAGATA (1845-2013), «AS MARINHAS»

2.6 O Fim da Obra

O fim da obra apresentou-se para nós um desafio muito maior do que a sua constituição e do que alguns dos seus episódios mais marcantes já aqui retratados. Ainda que mais recente no tempo, as condições de encerramento da instituição permanecem para nós envoltas numa espécie de névoa que não nos deixou ver tudo nitidamente. A falta de fontes escritas constituiu o principal motivo para esta falta de clareza. Ainda assim conseguimos através de depoimentos orais e de um documento169 (único por nós conseguido) de intenções de fecho, circunscrever no tempo a altura em que a obra social terá sido encerrada.

Assim, tudo indica que a obra tenha terminado no final do ano letivo de 1974/75, havendo no entanto a possibilidade de alguns alunos terem continuado a permanecer nas instalações da instituição durante o Verão de 1975 ou parte dele. Certo é que o ano letivo referido chegou ao fim com a professora Maria Lucília Gonçalves170 a lecionar,

169 Este documento trata-se de uma declaração, exarada pelo diretor da instituição à data de 23 de abril de

1975, onde se exaltam as qualidades pedagógicas da professora primária em funções na obra e onde se prevê a extinção da obra social no final desse mesmo ano letivo. (Consultar anexo D)

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certo também é que a professora foi informada que a instituição iria encerrar no final do ano letivo e foi transferida de lugar171.

Um outro depoimento, na primeira pessoa, que confirma que o período de encerramento da obra deverá ter sido durante as férias escolares de Verão é o que nos foi apresentado pelo ex-aluno Sidónio Guerreiro que saiu da obra no mês de julho de 1975, para casar, com a instituição ainda a funcionar e que, recorda, pouco tempo depois (talvez um mês ou dois depois) esta já tinha encerrado portas.

Fotografia nº 14 – Grupo de alunos (Instalações em Setúbal). Fonte: ibidem

Por fim, um último depoimento que aponta para o mesmo período temporal. Segundo o já referido ex-aluno, Augusto Gomes, em janeiro ou fevereiro de 1976, encontrando-se embarcado no navio David Melgueiro172 e tendo este aportado a Setúbal para carregar sal, decidiu ir visitar a Obra, da qual tinha sido aluno entre 1963 e 1966. Estas visitas tinham sido, aliás, habituais por parte deste ex-aluno durante o ano de 1975 pois referiu que tinha trabalhado durante cerca de três semanas numa draga no rio Sado e que a Obra se encontrava nessa altura a funcionar. No entanto, no início de 1976, ao chegar ao local deparou-se com as portas fechadas. Dirigiu-se à Capitania do Porto de Setúbal, que funcionava num edifício contiguo às antigas instalações cedidas à obra173

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Estas informações foram-nos reveladas pela própria professora primária através de uma conversa telefónica.

172 Arrastão português construído nos Países-Baixos (nos estaleiros da empresa T. van Duijvedijk

Scheepwerf, de Lekkerkerk), pertencente à frota da SNAB-Sociedade Nacional dos Armadores de Bacalhau. Em 1950, quando se procedeu ao seu lançamento à água, foi considerado o maior arrastão do mundo, in http://alernavios.blogspot.pt/2012/05/david-melgueiro.html

173 Após visita às instalações da atual Capitania do Porto de Setúbal, na companhia do ex-aluno Sidónio

Guerreiro, tivemos oportunidade de ver e testemunhar com base no relato do mesmo, os locais físicos que outrora pertenceram à obra. Antigas salas de aula, cozinha, camaratas e páteo, encontram-se ligeiramente alteradas e com funções diferentes (à exceção da cozinha). Atualmente todo o edifício pertence à Capitania do Porto de Setúbal.

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onde encontrou a trabalhar um antigo Cabo Clarim que passara anos na instituição e que o informou que todos os alunos se tinham ido embora e que a Obra tinha acabado.

Com base nestes depoimentos e na consulta documental possível e ainda que desejando ter tido acesso a fontes escritas mais sólidas, sobretudo de índole jurídica, que aliás procuramos incessantemente durante bastante tempo, ainda assim, estamos cientes que a instituição, Obra Social da Fragata D. Fernando II e Glória, terá sido extinta entre os meses de julho e dezembro de 1975. A falta de documentação abundante sobre esta extinção, poderá dever-se, cremos, à própria circunstância social pós-revolucionária. Este período conhecido como o período do PREC (Processo Revolucionário em Curso) que englobou inúmeras ações por parte dos recém-reconhecidos partidos políticos, quadros militares e grupos de esquerda que, por entre efervescente agitação popular e alguma desordem procederam a muitas ações de índole revolucionária, foi fértil em extinções de instituições, sobretudo daquelas que diretamente tivessem tido alguma espécie de conotação com o regime deposto.

Fotografia nº 15 – Instalações da Obra Social entre 1963 e 1975, anexas à Capitania do Porto de Setúbal. No rés-do-chão funcionavam as aulas, no primeiro andar situavam-se as camaratas.

Fonte: Arquivo pessoal do ex-aluno Sidónio Guerreiro.

Sem dúvida a Obra Social tinha ligações ao regime político de 1933-1974. A ligação à Brigada Naval, por via do seu Comandante, o Almirante Henrique Tenreiro, evidenciava demasiado esse facto e ainda que tratando-se de uma obra de cariz social, de assistência e de educação, a ligação parece-nos ter sido bastante forte e impossível de dissimular, muito mais ainda durante o referido período. Além disso como conseguimos apurar na consulta documental levada a cabo na BCM-AH e através do livro Registo

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Geral dos Alunos174, desde 1973 que se previa o “encerramento da obra a curto prazo”175

, pelo que mesmo antes da deposição do regime a obra apresentava já uma direção que restringia cada vez mais o número de admissões e tentava desesperadamente libertar os alunos ainda residentes para junto das famílias. A revolução de 25 de abril de 1974 parece apenas ter vindo acelerar o processo.

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Registo Geral dos Alunos.

175 É esta a frase que consta nas fichas individuais e no livro Registo Geral dos Alunos, referente á saída

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