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CAPÍTULO 2 – A HISTÓRIA DA FRAGATA (1845-2013), «AS MARINHAS»

2.5 A Obra Social da Fragata D Fernando II e Glória (1945-1975)

2.5.4 A Obra Social em Setúbal

Após o incêndio do dia 3 de Abril de 1963, que destruiu a fragata mas que não provocou vítimas mortais163 a Obra Social ficou sem local onde colocar os alunos de modo permanente. Logo após o incêndio os alunos foram provisoriamente alojados na Escola Profissional de Pescas de Pedrouços e cerca de dois meses depois, alguns deles, justamente os que não estudavam nessa escola, foram habitar umas instalações propriedade da Capitania do Porto de Setúbal, sitas nesta cidade junto à mesma Capitania. Conseguimos apurar junto de alguns ex-alunos que, para além dos alunos da Escola Profissional de Pescas que haviam sido alunos da Obra Social que na altura do incêndio já eram internos da escola, houve outros, que continuando a pertencer à Obra nunca foram para Setúbal devido às funções e aprendizagens que assumiam ou estavam a desenvolver na área de Lisboa e margem sul do Tejo, sobretudo aqueles que aprendiam um ofício na Sociedade de Reparações de Navios (SRN)164, os que estudavam em liceus ou escolas industriais e comerciais em Lisboa ou Almada e os que

163 Apenas sete alunos, do grupo dos que se encontravam a bordo no dia do incidente tiveram que receber

tratamento médico. Ver Anexo C.

164 A Sociedade de Reparações de Navios (SRN ou Sorena) foi criada em 1942 para acudir às inúmeras

reparações navais que os navios de pesca necessitavam. A SRN estava ligada à SNAB (Sociedade Nacional dos Armadores do Bacalhau) e à SNAPA (Sociedade Nacional da Pesca de Arrasto), por sua vez todas estas instituições eram supervisionadas pelo delegado do governo para os Grémios da Pesca, Henrique Tenreiro. As reparações eram de vária ordem e os aprendizes (onde estavam incluídos alunos da Obra Social) podiam aprender mecânica, serralharia, eletricidade, carpintaria, e outros ofícios.

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trabalhavam no Movimento Nacional Feminino ou noutras instituições distantes de Setúbal.

Fotografia nº 13 – Alunos num passeio à Serra da Estrela (23 de Maio de 1965). Fonte: ibidem

Os que seguiram para Setúbal foram alojados a título provisório, numas instalações que permitiram continuar com a Obra enquanto se tentava encontrar um local mais adequado preferencialmente perto da capital. Aqueles que ficaram a estudar, como internos, na Escola Profissional de Pescas nunca mais voltaram a pertencer verdadeiramente à Obra Social pois da Escola sairam para o mar. Numa entrevista com Augusto Gomes, ex-aluno da Obra Social e também da Escola Profissional de Pescas ficámos a saber que já antes do incêndio os alunos que transitavam da fragata para a Escola de Pedrouços ficavam por assim dizer desligados da mesma, no sentido em que não voltavam à fragata. Quem ia para a Escola Profissional de Pescas tornava-se aluno interno da instituição e saía de lá já com navio atribuído para ingressar na Marinha Mercante ou na Marinha de Pesca. Quando este ex-aluno se tornou aluno da referida escola (em 1966) os cursos tinham a duração de dez meses. Havia dois cursos distintos, o de pescador e o de ajudante de máquinas (ou ajudante de motorista). O curso de

pescador165, não era por esta altura habitualmente frequentado por alunos provenientes da Obra Social, preferindo estes o curso de ajudante de máquinas.

No que respeita ao curso de pescador os alunos que acabavam este curso, que era apenas teórico, embarcavam como verdes nos navios de pesca, mais tarde com o

165 Presumimos que o curso de pescador seria menos desejado pelos alunos da fragata, que aconselhados

por colegas ou mesmo pelos seus assistentes (professores, militares etc.) optassem pelo curso de ajudante

de máquinas. No entanto, nos primeiros anos da Obra é possível que tivesse havido alunos que tenham

frequentado este curso pois encontramos ex-alunos que referiram ter sido salgadores a bordo de navios bacalhoeiros.

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conhecimento prático passavam a maduros, depois poderiam chegar ou não a

escaladores, salgadores, redeiros, mestres de salga, mestres de redes, contramestres e mestres.

Por sua vez o curso de ajudante de máquinas proporcionava aos alunos conhecimentos gerais na área da eletricidade e das máquinas e motores. Estes embarcavam também em navios de pesca ou mercantes e podiam depois ir subindo dentro da sua categoria profissional166, começando justamente em ajudante de

máquinas, passando por terceiro maquinista, segundo maquinista e podendo chegar a primeiro maquinista.

De volta à questão do alojamento dos alunos, a seguir à passagem para as instalações de Setúbal a questão não ficou encerrada pois tinha de se encontrar uma solução para a acomodação definitiva de todos. Tal nunca chegou a acontecer, embora tivessem sido efetuados esforços por parte de algumas entidades para que esse problema tivesse solução. Numa consulta a alguns documentos referentes à Obra Social167 que empreendemos na BCM-AH encontrámos alguns documentos, entre os quais correspondência vária que durante cerca de oito anos foi trocada para tentar resolver o problema da aquisição ou construção de um local para acomodação permanente dos alunos. Resolvemos numerar (de um a oito), para efeitos de apresentação, as cartas a que fomos acedendo e que foram sendo trocadas entre o então Contra-almirante Henrique Tenreiro, a Fundação Calouste Gulbenkian, a Brigada Naval e o Ministério da Marinha.

No que diz respeito às várias tentativas empreendidas para tentar solucionar o problema estas foram como veremos, diversas e muito diferentes. Logo a seguir ao incêndio, começou por tentar-se encontrar um lugar para a construção de um alojamento algures no concelho de Almada, entre o Porto Brandão e a Trafaria, num terreno de servidão militar. Mais tarde pensou-se acomodar os rapazes a bordo da velha Sagres que dera lugar em 1962 ao novo navio com o mesmo nome (atual navio-escola Sagres) e que se encontrava em fase de desativação. Esta opção não vingou devido à preocupação revelada e tornada pública por parte de algumas entidades sanitárias, nomeadamente o

166 Esta progressão na carreira profissional, segundo Augusto Gomes (que chegou a primeiro maquinista

do arrastão David Melgueiro) era feita através da permanência por determinado número de anos nas diferentes categorias, e através da preparação teórica para exames orais que eram realizados nas Capitanias dos Portos.

167 Núcleo 423, Caixa 158 “Comissão de Extinção das Instalações do Alm. Henrique Tenreiro”, [BCM-

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Ministro da Saúde e Assistência, baseado em informações recebidas através dos serviços técnicos da Direção Geral de Assistência. No parecer desta entidade ficava claro que a opção de voltar a realojar os rapazes a bordo de um navio, segregando-os e modificando-lhes as rotinas a que já estariam habituados em terra não era salutar. Além disso, os militares incumbidos da formação não teriam as valências necessárias para cuidar de crianças e jovens.

Para melhor se perceber todo o conjunto de esforços, de onde constaram avanços e retrocessos para a solução do problema, apresentamos o conjunto de cartas cronologicamente ordenadas e resumidas.

Carta 1 – 1 de julho de 1965 – Esta missiva foi remetida pelo administrador da Fundação Calouste Gulbenkian, para a Obra Social. Nela consta a intenção por parte da instituição de doar 1500 contos para ajuda na construção das novas instalações da Obra. A verba seria disponibilizada após a apresentação dos orçamentos e planos da obra.

Carta 2 – 23 de julho de 1966 – Esta carta foi enviada pelo Contra-almirante Henrique Tenreiro à Fundação Calouste Gulbenkian contendo um anteprojeto para a construção das futuras instalações da Obra Social, a construir na Quinta do Portinho, no concelho de Almada. Este documento resultava da elaboração de uma memória descritiva datada de 9 de maio de 1966, que justificava a necessidade da construção das novas instalações. Algumas das justificações apresentadas eram: a necessidade de um estabelecimento com instalações condignas; a incapacidade de resposta e atendimento a todos os que à Obra recorriam; e a não correspondência à função, que das instalações em Setúbal se pretendia tirar, isto é, as instalações em Setúbal eram apenas de caráter provisório.

O arquiteto que assina o anteprojeto disponibiliza já várias plantas e um programa descritivo das instalações futuras. No conjunto de documentos (memória descritiva e justificativa, anteprojeto e programa descritivo) podem resumir-se as seguintes considerações e justificações para a escolha do local e forma da obra:

1) As futuras instalações ficariam localizadas junto ao mar.

2) Através de um dos organismos orientados pelo Sr. Almirante Tenreiro, foi cedida uma parte do casal agrícola da Quinta do Portinho, na margem sul do Tejo, perto de um cais de construção recente à data de 1966 e com acesso rápido à ligação Almada – Caparica, com praia privativa, terreno de cultivo e instalações agrícolas anexas.

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3) Vista panorâmica para os terrenos da própria quinta, praia do Portinho ou do Arame, para o Tejo e para a margem norte.

A obra seria composta de três camaratas para duzentos rapazes, alojamentos para praças, alojamentos para sargentos e alojamentos para oficiais e dirigentes civis, quarto para o 1º comandante, quarto para o 2º comandante, sanitários para rapazes, sanitários para praças, sanitários para sargentos, refeitório para duzentos alunos, casa de comer e estar para praças, casa de comer e estar para sargentos, câmara para oficiais e dirigentes civis, enfermaria, botica, alfaiataria, barbearia, carpintaria, sapateiro, lavandaria, cozinha, três secretarias, salote, gabinetes para 1º e 2º comandantes, biblioteca e sala de jogos, além de instalações e paióis para fardamento, instrumentos da fanfarra, géneros, tintas e máquinas.

Carta 3 – 22 de julho de 1969 – Esta carta foi exarada pelo Ministério da Saúde e Assistência (Gabinete do Ministro). No documento enviado à Brigada Naval (Almirante Henrique Tenreiro), pode ler-se que o referido Ministério não concorda com o facto de a obra poder voltar a funcionar a bordo de um navio. Isto significa que segundo estas entidades de Saúde e Assistência o projeto, porventura também em estudo, sobre a colocação dos alunos a bordo da velha Sagres não é bem aceite.

Carta 4 – (Sem data) – Esta carta é remetida pela Brigada Naval em resposta à anterior. Nela consta que a função primeira da Obra Social é justamente receber e preparar homens para a vida no mar e essa instrução deverá ser ministrada por pessoal da Marinha. Afirma-se ainda no documento, que existe um plano para aumentar o limite mínimo de idade para a entrada a bordo.

Carta 5 – 11 de janeiro de 1971 – Através desta correspondência consegue perceber-se que a verba de 1500 contos anteriormente disponibilizada pela Fundação Calouste Gulbenkian se encontrava a esta data cancelada. Possivelmente a suspensão da atribuição da verba pode ter tido a ver com o impasse na decisão do local de implantação da Obra. Henrique Tenreiro contata nesta data e por escrito a Fundação, pedindo novamente a quantia referida e adiantando que as obras de restauro da Sagres deverão rondar os 2000 contos.

Carta 6 – 20 de setembro de 1972 – Este documento trata-se de nova informação dada pelo Almirante Henrique Tenreiro sobre a cedência da Sagres, para servir de futuras instalações da Obra168.

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Carta 7 – 17 de novembro de 1972 – O Almirante Henrique Tenreiro pede a prorrogação do prazo para a utilização dos 1500 contos para reconversão da antiga

Sagres que entretanto havia mudado de nome para navio Santo André.

Carta 8 – 15 de maio de 1973 – A Fundação Calouste Gulbenkian informa que foi libertado o embargo dos 1500 contos e informa que foi remetido um cheque de 750 contos.

E com esta carta, cronologicamente a última encontrada na caixa a que tivemos acesso na BCM-AH, termina o acesso documental por nós conseguido, sobre a tentativa de arranjar um local permanente, em instalações em terra ou a bordo de um navio, adequado aos jovens rapazes. Cerca de um ano depois da redação desta carta deu-se a Revolução de 25 de abril. Com a mudança sociopolítica levada a cabo, a tentativa de resolução do problema terá sido posta de lado.