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CAPÍTULO 2 – A HISTÓRIA DA FRAGATA (1845-2013), «AS MARINHAS»

2.3 A Marinha Mercante (1945-1975)

A par da Marinha de Guerra essencial para assegurar a defesa do descontinuado território nacional (inicialmente contando com a ajuda do Exército e depois também da Força Aérea), a Marinha Mercante constituiu uma importante atividade desenvolvida pelo Estado Novo no sentido de assegurar a deslocação rápida e funcional de bens, serviços e pessoas.

Este desenvolvimento deu-se sobretudo a partir do final da década de quarenta, pois, de uma forma geral a Marinha mercante portuguesa no início do século XX era quase inexistente. Conforme veremos, o período de sensivelmente vinte cinco anos que vai desde finais dos anos quarenta até 1974, constitui o período em que a frota obteve um razoável desenvolvimento.

Devido à dispersão geográfica territorial, tornou-se absolutamente necessário a criação e implementação de uma frota mercante que desse resposta às necessidades do país, sobretudo após o final da Segunda Grande Guerra Mundial.

No entender de Paulo Brázia121, podemos dividir em dois períodos distintos a história da Marinha Mercante no século XX. Na primeira metade do século é observável uma carência de meios a vários níveis, dos quais se salientam a frota envelhecida e a falta de condições portuárias. Na segunda metade do século, assiste-se a uma melhoria substancial dessas mesmas condições. São construídos ou melhorados os portos, os estaleiros navais e a própria frota que vão dar ânimo ao comércio e à indústria. As navegações transatlânticas sofrem um incremento, fruto também, estamos em crer, da paz na terra e nos mares.

No entanto, apesar de todo esse desenvolvimento que foi efetivamente observável, segundo o mesmo autor,122 ainda que existindo um monopólio dos navios

121

BRÁZIA, Paulo, A Marinha Mercante entre 1945-1985, Colóquio para Estudantes – Jornadas do Mar 2010, Escola Naval, Alfeite, 2010, p. 1.

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mercantes nacionais nas rotas internas (Ultramar – Metrópole), a Marinha Mercante apresentava-se incapaz de se reconverter face à concorrência mundial. Essa incapacidade estava ligada à realidade das referidas rotas internas nunca terem sido um mercado suficientemente amplo para absorver os bens ultramarinos nem de disponibilizar tudo quanto estas regiões necessitavam.

A questão parece ter sido a seguinte; logo após a Segunda Guerra Mundial, justamente quando a Marinha Mercante nacional sofreu uma remodelação empreendida pelo governo e gizado pelo então Ministro da Marinha, Américo Tomás, as relações económicas tornaram-se internacionais, enquanto Portugal parece ter ficado agarrado às províncias. Ainda assim, talvez não antevendo essa internacionalização crescente da economia, o ministro lançou em Agosto de 1945 um despacho que segundo Gonçalves Viana123 “lançou as bases da renovação da frota mercante nacional, deixando para trás uma série bastante vasta de diplomas e medidas, de polémicas e questões que nada resolveram em profundidade e que conduziram a Marinha Mercante portuguesa ao estado deplorável em que se encontrava”.

Esta renovação veio possibilitar a criação e desenvolvimento de um conjunto de organismos com responsabilidades na área, dos quais destacamos, a criação em 1946 do Grémio dos Armadores da Marinha Mercante, a fundação da SOPONATA, em 1947 (destinada a garantir o abastecimento de petróleo ao país) e em 1971 o desenvolvimento da reparação e construção naval, com a inauguração na LISNAVE da maior doca seca do mundo. Nos anos 50 aparecem os grandes navios de passageiros (Vera Cruz e Santa Maria) para servirem a CCN (Companhia Colonial de Navegação) e nos anos 60 o “Infante D. Henrique” e o “Príncipe Perfeito” para a CNN (Companhia Nacional de Navegação)

Ainda na linha de Brázia, mais algumas condutas terão influenciado o rumo que a Marinha Mercante foi tomando durante os cerca de trinta anos que vão desde 1945 até 1974. Estas prendem-se sobretudo com alguma incapacidade de reconversão da Marinha Mercante face à concorrência mundial. O autor apresenta como exemplo a falta de visão do Estado e das Armadoras na aposta da reconversão dos paquetes em ferries

123 VIANA, Gonçalves, A Marinha Mercante Portuguesa na transição do século XX para XXI,

sessão de trabalho realizada em 7 de novembro de 2000, na Academia de Marinha, in http://nossomar.blogs.sapo.pt/1282.html

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ou cruzeiros124. Talvez tomados pelo temor do franco crescimento da aviação, os paquetes acabaram por ser vendidos ou desmantelados em vez de reconvertidos.

Nos anos 60 e 70, passado o ímpeto de reconversão da frota e das estruturas de apoio observável no início dos anos 50, a atividade mercante começa a encontrar-se em dificuldade, “sobretudo nos anos de crise de fretes e em carreiras de concorrência livre”125

. A guerra colonial, por seu turno, vai mantendo uma relação com a Marinha Mercante que permite esta ultima continuar a ter serviço. Este panorama vai depois mudar, pois tal como acontecera já com as frotas mercantes francesa e holandesa no Oriente, após a perda da Indochina e da Indonésia “a Guerra Colonial e a aposta no apoio à logística militar foi o golpe decisivo para o fim da Frota após a Descolonização”126

. A questão era que mesmo antes do fim da guerra, a Metrópole não era capaz de absorver os produtos ultramarinos. Estes produtos seguiam já diretamente para os países consumidores, além de que as próprias províncias ultramarinas em desenvolvimento industrial nalguns sectores (como a cerâmica, cimentos, e têxteis) necessitavam, possuindo matérias-primas e mão-de-obra, cada vez menos do recurso às transportadoras nacionais.

Com o final da guerra e a descolonização, a frota idealizada para as carreiras entre a Metrópole e as Províncias Ultramarinas perdeu a sua força. As armadoras renunciaram a fusões e reconversões, instigadas talvez pelo medo e desorientação próprias do período revolucionário e pós-revolucionário. O novo poder político, sedento de democratização e de relações com o exterior continental, vira-se para a estrada e para o caminho-de-ferro que fazem a ligação com a europa livre e abandona o mar.

Esse abandono da Marinha Mercante nos anos 70 irá ter repercussões quer na própria frota, assistindo-se a um gradual desaparecimento da mesma, quer ao nível das indústrias a esta ligada, assistindo-se à decadência da Lisnave e da Siderurgia Nacional assim como de outras indústrias ligadas à construção e reparação naval. Com esta decadência decai ainda mais a capacidade de projeção naval mercante do país.

124

BRÁZIA, Paulo, op. cit., p.27.

125 Idem, ibidem, p.28. 126 Idem, ibidem, p.28.

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