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CAPÍTULO 2 – A HISTÓRIA DA FRAGATA (1845-2013), «AS MARINHAS»

2.4 A Marinha de Pesca (1945-1975)

A Marinha de Pesca, denominação por que era conhecida a pesca para fins industriais durante o Estado Novo dividia-se em três tipos distintos: pesca litoral, pesca costeira e pesca do alto ou grande pesca.127

A pesca litoral desenvolvia-se perto da costa e dentro das águas territoriais. Os aparelhos utilizados eram as linhas, redes, arrastos, cercos, armações e outros, específicos para cada espécie piscícola e usadas em determinadas regiões também específicas. As embarcações podiam ser de propulsão mecânica, à vela, a remos ou com sistemas mistos.

No que respeita à pesca costeira, esta era habitualmente praticada com recurso a navios de maior porte, com autonomia suficiente para operar fora das águas territoriais a grandes distâncias do porto de registo. Tratavam-se habitualmente de unidades motorizadas tais como as traineiras e os arrastões. Estes barcos “excedem com frequência os 20 m de comp. e as 50 t de arqueação.”128

Quanto à pesca do alto, ou grande pesca, esta é realizada sempre a grandes distâncias dos portos, muitas vezes a milhares de milhas. Neste tipo de pesca utilizava- se como principal método de captura o arrasto. O caso da pesca do bacalhau, também denominada «Grande Faina» ou «Faina Maior» tinha lugar nas águas da Gronelândia, Terra Nova e Islândia. Neste caso as formas de captura e o tipo de navios utilizados foram mudando ao longo do período em análise. Voltaremos a este tema específico algumas linhas adiante.

No que diz respeito às pescas em geral, logo a seguir ao aparecimento do Estado Novo e imediatamente a seguir a esta forma de governo, vão ser promovidas as chamadas pescarias. Ainda Salazar era Ministro das Finanças, já parecia abordar o problema das pescas com bastante frontalidade colocando a questão em dois planos distintos: as pescas de exportação (sardinha e atum, após a sua transformação em conservas) e o peixe seco importado, ou seja o bacalhau.129

127 CRUZ, Frederico, «Marinha» in Enciclopédia Luso Brasileira da Cultura, 12º Volume, Editorial

Verbo, Lisboa, 1971 p.1611.

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Idem, ibidem, p.1611.

129 GARRIDO, Álvaro, «Pescas» in Dicionário de História de Portugal, coord. BARRETO, António;

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Fotografia nº 1 – Pescadores na Faina Maior.

Fonte: Fragata D. Fernando II e Glória – Fotos e documentos vários130

Salazar também entendia que estes tipos de pesca, a chamada pesca industrial, ao contrário da pesca artesanal, deveria sofrer uma intervenção e organização superior ditada pelo Estado. Desta forma, entre 1934 e 1939 foram criados os grémios de armadores das principais pescarias (do bacalhau, do arrasto e da sardinha), com vista a direcionar a atividade pesqueira industrial para o caminho que o governo desejava. Foram ainda criados por esta altura as Casas dos Pescadores e respetiva Junta Central e os organismos de coordenação económica, CRCB – Comissão Reguladora do Comércio do Bacalhau e IPCP – Instituto Português de Conservas de Peixe.

Estes organismos caraterizavam-se, sobretudo, por uma grande intervenção estatal e as iniciativas empresariais das pescas industriais não costeiras, sobretudo a do bacalhau e arrasto do alto, passaram a ser fortemente condicionadas “pela sujeição dos investimentos à aprovação oficial e à sua integração em Planos de Fomento”131 especialmente orientados para esse fim. Este novo tipo de organização das pescas veio a conhecer, após a II Guerra Mundial, duas fases distintas, em primeiro lugar uma fase de expansão, sensivelmente entre 1945 e 1965 e em segundo lugar uma fase de desaceleração seguida de estagnação e declínio. A fase de expansão sentiu-se sobretudo naquilo que se refere às capturas em águas distantes, sobretudo as pescas do arrasto nas costas da Mauritânia e a do bacalhau nas águas do Atlântico Nordeste. A fase de declínio, iniciada em meados da década de sessenta, irá perdurar (e continuar) até

130 Este álbum fotográfico em modelo digital (DVD) foi cedido pelo ex-aluno Carlos Vardasca e contém

inúmeras fotografias e recortes de imprensa relacionados com a Obra Social.

131 CRESPO, Vitor, «Pescarias» in Dicionário de História de Portugal, coord. BARRETO, António;

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depois do ano limite em estudo, ou seja 1975. Este declínio, caraterizou-se sobretudo por uma forte quebra nas capturas, a todos os níveis à exceção da sardinha. Na verdade, o ano do início da quebra nas pescas, 1965, foi justamente o ano em que o número de traineiras de captura de sardinha atingiu o seu máximo, 394. Assistiu-se assim a um aumento da captura deste pescado, no entanto, as espécies associadas, como a cavala e o carapau sofreram uma contração. As melhorias ao nível da frota, sobretudo a motorização das embarcações constituíram um marco fundamental para este fenómeno. Ainda assim a indústria conserveira entrou também em declínio e grande parte dos pescadores e trabalhadores ligados à pesca, mercê das duras condições de trabalho e da sua precaridade acabaram por abandonar a faina e a fábrica para emigrarem.

Numa palavra mais sobre a indústria conserveira, importa referir que esta atividade tinha-se desenvolvido e alargado devido ao facto de durante a II Guerra Mundial ter surgido um grande mercado, constituído pelos países beligerantes. Com o fim do conflito este mercado vai progressivamente perdendo força e outros países como Marrocos, Espanha, Japão e Rússia entram no mercado, tornando-se muito difícil para Portugal competir com eles.

A organização corporativa do sector das pescas, de que temos vindo a falar, apoiou-se, na opinião de Álvaro Garrido132 numa elite detentora do poder administrativo. A «família das pescas» ou a «família bacalhoeira», que por vezes aparecem como sinónimos, foi constituída por nomes relevantes como Sebastião Ramirez, titular das pastas do Comércio, Indústria e Agricultura, grande conserveiro algarvio e também membro da Junta Central da Legião Portuguesa; Pedro Teotónio Pereira, Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social; Henrique Tenreiro, escolhido pelo último para Delegado do Governo junto dos Grémios das Pescas, ligado aos sectores mais conservadores da Marinha, oficial de carreira desta força armada e ligado à Brigada Naval da Legião Portuguesa, Manuel Ortins de Bettencourt, Ministro da Marinha a seguir a 1936; Vasco d’Orey; Higino Queirós e o próprio Almirante Américo Tomás. Todos estes nomes vão estar ligados à organização das pescas, que a partir de 1935 passam a ser organizadas (à exceção da pesca artesanal) em grémios.

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Segundo Garrido,133 foram criados, o Grémio dos Armadores de Navios de Pesca do Bacalhau (1935), o Grémio dos Armadores da Pesca da Sardinha (1938), o Grémio dos Armadores da Pesca de Arrasto (1939) e o Grémio dos Armadores da Pesca da Baleia (1945). O mesmo autor refere ainda que “cada uma destas entidades patronais obrigatórias tinha por incumbência legal a regulamentação das artes de pesca respetivas, a consecução de fins assistenciais em colaboração financeira com os sindicatos nacionais e as Casas dos Pescadores, bem como, no caso do bacalhau e da sardinha, colaborar com os organismos de coordenação económica do respetivo subsector (Comissão Reguladora do Comércio do Bacalhau e Instituto Português de Conservas de Peixe) ”.134

Além destes organismos, a pesca local estava subordinada à Junta Central das Casas dos Pescadores presidida pelo referido Henrique Tenreiro. O trabalho neste tipo de pesca era organizado nas Casas dos Pescadores.

De entre estes, um caso especial, pela sua importância, tratou-se da pesca do bacalhau. Ainda que o que ficou dito sobre a organização corporativa do sector das pescas, de um ponto de vista geral se aplique também ao caso especifico da pesca do bacalhau, a reorganização e corporativização desta atividade nos anos trinta não teve paralelo em qualquer outro país e não pode engrupar-se no conjunto daquilo que foi a restruturação das pescas no sentido lato do termo. O fenómeno político que ficou conhecido como «a campanha do bacalhau» iniciada em 1934, que visou aumentar a produtividade nacional do bacalhau e diminuir ao máximo as importações, merece um tipo de análise mais profundo. Na opinião de Garrido, “a sistematicidade das medidas preconizadas para o sector só seria visível, verdadeiramente, a partir da criação da Comissão Reguladora do Comércio de Bacalhau, em 1934; em certa medida, por pressão da ruinosa situação das empresas (acelerada pelos efeitos do dumping islandês), e em grande parte pelo interesse do Estado em coordenar o sector, disciplinando e arbitrando as pouco pacíficas e tensas relações entre importadores (armazenistas) e produtores.”135 Na linha deste mesmo autor, os traços gerais da chamada «campanha do bacalhau», apoiada na CRCB, são o aumento da produção nacional (aproximando o mais possível a escala das necessidades à escala da produção), diminuir as importações e assim reter divisas, proteger as indústrias nacionais a montante e a jusante da atividade, ou seja a indústria e reparação naval e as secas.

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Idem, ibidem, p. 72.

134 Idem, ibidem, p. 72. 135 Idem, ibidem, p. 62.

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Efetivamente tendo como fórmula as soluções corporativistas, o Estado, vendo- se à mercê do condicionamento internacional no que respeita a importações, tenta fazer frente à instabilidade do fornecimento. Nesta tentativa são empreendidos esforços protecionistas que visam a defesa e obrigatoriedade de comercialização do bacalhau nacional à frente do bacalhau internacional. Conforme refere Álvaro Garrido136 com a criação da CRBC (Comissão Reguladora do Comércio do Bacalhau) e do Grémio dos Importadores, ficou marcado o começo de uma era apelidada de «Campanha do Bacalhau», onde além da reorganização e fomento desta atividade o Estado envolve a nação recorrendo à propaganda exaltando o «ressurgimento da grande pesca». Esta nova ordem, embora não agradando inicialmente, nem a armazenistas, nem a pequenos e médios comerciantes, nem mesmo aos próprios pescadores137 foi avante conforme ordem do governo. O avanço pode ter-se dado sem maiores constrangimentos devido a algumas medidas que podem ter amenizado o descontentamento generalizado inicial, sobretudo por parte dos pescadores. Assim os representantes do governo assumiram alguns compromissos no âmbito da assistência e da previdência aos bacalhoeiros, medidas que não eram extensíveis aos pescadores que se dedicavam à restante pesca. Além disso assumiram também o compromisso da criação das Casas dos Pescadores.

Entre 1934 e 1967 a «produção nacional» de bacalhau aumentou quase sempre (excetuando algumas oscilações no período da guerra). A frota foi também ela renovada. Segundo quadro do Relatório Grémio 1961/62138 abateram-se 52 navios de madeira de pesca à linha e 1 de aço. Construíram-se para a pesca à linha 22 navios de madeira e 22 de aço, para a pesca de arrasto construíram-se mais 22. O saldo apresentava então 66 navios construídos face a 53 abatidos ficando a frota com muitos navios novos e mais modernos.

No que respeita aos locais de eleição para armamento dos navios bacalhoeiros estes eram: Aveiro, Lisboa, Porto, Figueira da Foz e Viana do Castelo. A frota era constituída por navios de pesca à linha (veleiros com ou sem motor) e por arrastões (a partir de 1936). Em 1967, segundo Garrido, esta frota era constituída por 33 «navios de linha» e 34 arrastões.139 Os pescadores eram recrutados nos centros piscatórios mais

136 GARRIDO, Álvaro, O Estado Novo e a Campanha do Bacalhau, Temas e Debates – Círculo de

Leitores, 2010 [s.l], p. 423.

137 Idem, ibidem, p. 425. 138

MOUTINHO, Mário, História da Pesca do Bacalhau – por uma antropologia do “fiel amigo”, Lisboa, Imprensa Universitária – Editorial Estampa, 1985, p. 106.

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importantes do país. Além destes, a guarnição de um navio da pesca do bacalhau era constituída pelo capitão, imediato, piloto, maquinistas, radiotelegrafistas, cozinheiros e moços.

Quanto aos resultados da «campanha» estes foram sofrendo alterações ao longo do tempo. Se considerarmos que o período da «campanha do bacalhau» como o compreendido entre 1934 e 1966, observamos que, enquanto em 1934 a produção nacional era de cerca de 16% e as importações de 84%, no ano de 1966 a produção nacional chegou quase aos 82% enquanto as importações se cifraram em cerca de 18%. Nem sempre foi assim ao longo do período, no entanto não deixa de ser significativo este valor.

Mas ainda assim, com este «saldo positivo» observar-se-á, a partir de 1967 uma inversão deste fenómeno, motivada pela liberalização do comércio do produto. Assistiu-se então, a partir desta data, a um declínio nunca mais recuperável deste tipo de pesca.

Mais penoso ainda foi a observação que o declínio de que falamos não atingiu apenas a pesca do bacalhau, mas todas as pescas em geral. A conjuntura socioeconómica dos anos que se sucederam à II Guerra Mundial, influenciou de maneira determinante as pescas europeias e consequentemente as pescas nacionais. As nações saídas do conflito começam a reerguer-se e a desenvolver-se. O fim do conflito fez baixar imediatamente o consumo das conservas portuguesas, os mares voltaram a ser seguros para se cruzarem e para neles se pescar e a Europa em desenvolvimento, sobretudo os países outrora participantes no conflito, foram deixando de consumir do exterior para passar a produzir para o seu próprio consumo. Além disso, as conservas, de que já falámos, começam nos 50-60, a ser substituídas pelo peixe congelado, pequeno milagre da evolução da refrigeração.

Este período pós II Guerra Mundial embora afetando a indústria conserveira, acabou por desenvolver todo o restante conjunto das pescas em geral, ficando caraterizado pelo desenvolvimento da pesca mundial, e consequentemente também de alguns setores da pesca nacional. Devido ao reerguer das economias anteriormente afetadas pela guerra e devido a verbas disponibilizadas pelo Plano Marshall, aliado a um conjunto de legislação internacional sobre a gestão dos recursos marinhos, que Portugal subescreveu e ratificou, as pescas sofreram um impulso. Este impulso foi verificável sobretudo no que respeita à pesca do bacalhau. Pode-se dizer que se assistiu

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a um aumento na produção por pescador e por tonelagem de arqueação bruta nas principais artes da pesca no período a seguir à guerra. A frota de arrasto havia sido reconvertida, desde 1942 para a propulsão diesel, em substituição do vapor e o GANPB recebeu 583 mil dólares da «ajuda Marshall»140 para renovação da frota. A produção subiu e a importação de bacalhau decresceu.

Estas condições de crescimento vão manter-se sensivelmente até finais dos anos 50 altura em que, nas conferências de Genebra (1958 e 1960), Portugal sente que os “«direitos históricos» da pesca longínqua portuguesa”141

se encontram ameaçados. Defendendo o livre exercício da pesca pelos barcos portugueses, nos mares da Gronelândia, Terra Nova e costa ocidental africana, as autoridades portuguesas presentes não conseguem convencer os demais participantes. Sobretudo devido à adesão do país à EFTA e também devido a um conjunto de determinações dos organismos internacionais sobre a gestão dos recursos haliêuticos, o estado português não encontrou forças para levar os seus anseios em frente.

Assim, em síntese, desde o pós II Grande Guerra, assistiu-se até ao início dos anos sessenta a um declínio no tocante à indústria conserveira, uma ligeira melhoria na pesca em geral (incluindo o arrasto e a sardinha) e uma grande melhoria no sector do bacalhau. Contudo, ainda que tentando ajustar-se às novas determinações internacionais, em 1967 a campanha do bacalhau colapsou. Este colapso deu-se, por um lado, mercê da já referida, adesão de Portugal à EFTA e da consequente liberalização dos mercados; por outro, segundo Garrido142 e talvez mais importante, devido ao “desequilíbrio das finanças do Estado a campanha soçobrou mais depressa mercê das dificuldades de tesouraria do Fundo de Abastecimento”. Fechou-se assim um ciclo para as pescas em geral e para a pesca do bacalhau em particular. Estas, ainda que continuando a existir, foram diminuindo e perdendo progressivamente a pujança que conseguiram desenvolver, à custa de enormes esforços é certo, durante o período das pescas corporativas. O mesmo aconteceu ao sector bacalhoeiro. Em 1974, ano da revolução e da mudança politica, saíram para a «Faina Maior» apenas três navios, dois deles perderam-se por incêndio.

140 GARRIDO, Álvaro, «Pescas» in op. cit., p. 73 141 Idem, ibidem, p. 73.

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