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CAPÍTULO 2 – A HISTÓRIA DA FRAGATA (1845-2013), «AS MARINHAS»

2.5 A Obra Social da Fragata D Fernando II e Glória (1945-1975)

2.5.1 Objetivos, Entidades Competentes, Fundos e Regulamento Interno

De acordo com o primeiro artigo, do capítulo I, denominado “Fundação e Objetivo” constante no Regulamento Geral da Obra144, “é criada a Obra Social da Fragata «D. Fernando» que tem como objetivo a recolha, alimentação, educação e instrução, gratuitamente e em regime de internato, de rapazes com 12 a 16 anos de idade, desprotegidos, sem família, sem meios e sem trabalho, a livrá-los dos perigos morais a que a ociosidade e a libertinagem os podem conduzir e prepará-los para a vida no mar, a servirem nas frotas das Marinhas de Guerra, mercante ou de pesca.”

Além dos objetivos, podemos encontrar no documento, referências regulamentares com respeito às entidades competentes e aos órgãos diretivos, assim como um capítulo reservado à obtenção de fundos e financiamento. Ainda no capítulo I, e no âmbito das competências, podemos ler no segundo artigo que “compete à Brigada

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L.D.R.A (Janeiro de 1945), p. 13 [BCM-AH].

144 Obra Social da Fragata “D. Fernando” – Regulamento Geral, Núcleo 423, cx. 211 “Comissão de

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Naval da Legião Portuguesa em colaboração com o Governo Civil de Lisboa, o Diário de Noticias e o Presidente da Casa dos Rapazes da Cidade, tomarem a seu cargo a criação e o funcionamento da Obra Social da Fragata «D. Fernando».

Foi desta teia de relacionamentos entre várias entidades, militares, paramilitares e de responsabilidade social e assistencial que a Obra vingou. Inicialmente, é de salientar, a relação entre algumas figuras da Marinha e as suas ligações à Brigada Naval da Legião Portuguesa como é o caso da relação entre estas e um dos grandes entusiastas e impulsionadores da Casa dos Rapazes da Cidade145, o Almirante Nuno de Brion, que estará também ligado à fundação da Obra. Juntamente este encontra-se o Almirante Henrique Tenreiro, que é por sua vez o Comandante da Brigada Naval.

Prosseguindo com a análise ao Regulamento Geral da Obra, no que concerne às entidades administrativas, pode ler-se nos capítulos II e III o seguinte: “art.º 5º - A obra social da Fragata «D. Fernando» funcionará sob a superior orientação de um Conselho de Administração constituído por sete membros, a saber:

145 Surgida em 1948, tinha, por princípios orientadores os da Organização Nacional “Mocidade

Portuguesa”, no parágrafo único do primeiro artigo dos Estatutos de 1949, publicados no Diário do Governo de 27/07/1949 pode ler-se que “a actividade educativa na Instituição baseia-se nos preceitos da moral cristã e nos princípios orientadores da Organização Nacional ‘Mocidade Portuguesa’. A «Casa dos Rapazes da Cidade», tinha sede na rua de Pedrouços, nº99-A, Lisboa, e era, simultaneamente, abrigo de jovens estudantes/trabalhadores e escola-oficina. A instituição procurou, não só suprir a falta de um lar, como também organizar a vida social dos seus jovens. Assim, paralelamente à formação socioprofissional, facultava e promovia a filiação ou ligação a instituições educativas, culturais e católicas destinadas à juventude, in www.casadosrapazes.pt [consultada em fevereiro de 2012]

Fotografia nº 3 – Almirante Henrique Tenreiro Fonte: Fragata D. Fernando II e Glória – Fotos

e documentos vários.

Fotografia nº 2 – Almirante Nuno de Brion Fonte: http://comandonaval.marinha.pt

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a) Comandante da Brigada Naval da Legião Portuguesa. b) Governador Civil de Lisboa.

c) Comissário Nacional da Mocidade Portuguesa. d) Presidente da Casa dos Rapazes da Cidade.

e) Administrador-delegado do jornal “Diário de Noticias”.

f) Duas individualidades ligadas à Obra Social da Fragata D. Fernando

Único) Um dos membros do Conselho servirá de Presidente e outro de secretário.”

Finalmente no que respeita aos fundos e financiamentos, o oitavo artigo do capítulo III dita que “…os fundos podem ser de duas proveniências oficiais, concedidos por organismos do Estado e particulares, concedidos por organizações, entidades ou indivíduos particulares.”

Imediatamente a seguir ao Regulamento Geral da Obra deve, obviamente, ter surgido o seu Regulamento Interno146. O documento a que tivemos acesso, que visa

regular internamente a instituição, é chamado de provisório, no entanto acreditamos que tenha permanecido definitivamente durante todo o tempo de duração da obra, até porque de outro não tivemos conhecimento no desenrolar das nossas investigações. Importa deixar um excerto ilustrativo desse documento, sobretudo no que respeita à organização e funcionamento da obra; ao pessoal; à admissão de alunos; aos deveres e encargos dos mesmos; ao regime de disciplina; às classes de comportamento e ao regime de prémios e louvores.

“CAPITULO I

Organização e Funcionamento

Artº 1º - A Obra Social da Fragata D. Fernando funciona no referido navio, adaptado ao fim em vista, e destina-se a recolher educar e instruir rapazes sem família ou sem recurso, da idade dos 12 aos 16 anos, facilitando assim, o seu ingresso na Marinha de Guerra, Marinha Mercante e de Pesca, ou em outras profissões.

Artº 2º - Para o desempenho da sua missão, dispõe a Fragata D. Fernando II e Glória das seguintes instalações e meios:

a) Aulas e respectivo material … b) Secretaria e Biblioteca …

146

Obra Social da Fragata “D. Fernando” – Regulamento Interno (Provisório), Núcleo 423, cx. 211 “Comissão de Extinção das Instalações do Alm. Henrique Tenreiro”, BCM-AH.

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c) Cobertas para refeitório e dormitórios, cozinha, rouparia, gabinetes de trabalho, camarotes para oficiais, casas de banho, balneário, enfermaria, paióis de géneros e de material diverso, a cargo dos oficiais e demais pessoal dado ao navio. d) Embarcação a remos, à vela e a motor, para serviço de instrução e do navio … e) Capela para o culto católico.

Artº 3º - O ensino será essencialmente prático, feito com o fim de preparar os alunos para os exames da 4ª classe da instrução primária e paralelamente para a vida do mar… Artº 4º - O ensino será ministrado:

a) Na fragata … e nas suas embarcações miúdas;

b) Na Quinta do Portinho para praticarem em serviços agrícolas e em trabalhos oficinais…

c) Em visitas culturais a navios de guerra, mercantes e de pesca, a estaleiros navais, a centros pesqueiros, a aquários e a museus de biologia marinha.

[…]

CAPÍTULO II Pessoal Secção I Disposições Gerais

Artº 7º - O pessoal destinado à direção e serviço da Fragata D. Fernando II e Glória é a seguinte:

a) Um Diretor da Obra Social, Oficial da Armada; b) Um Diretor de Ensino…

c) Três professores… d) Um capelão;

e) Um professor especializado em educação física … f) Um médico;

g) Pessoal da lotação do navio, julgado indispensável para o serviço interno. […]

Secção II Atribuições e deveres

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Art.º 11º - Os professores, além de ministrarem o ensino teórico e prático das suas disciplinas e de intervirem na educação moral e cívica dos alunos, são responsáveis perante o Diretor da Obra Social pela forma como o fazem e como dirigem o serviço diário de bordo.

[…]

Art.º 13º - Os monitores ministram o ensino das instruções de natureza prática …

CAPITULO III Secção I Admissão

Artº 18º - Os alunos a admitir terão a idade dos 12 aos 16 anos, devendo possuir robustez física de forma a suportarem a vida do mar e não possuírem qualquer doença ou moléstia consideradas contagiosas…

Artº 19º - São condições de preferência na admissão: 1º Ser órfão de pai e mãe;

2º Ser órfão de pai; 3º Ser órfão de mãe;

4º Ser filho de militar da Armada; 5º Ser filho de marítimo.

Artº 20º - Para o serviço de bordo e escolar, cada aluno será designado pelo número de matrícula, devendo todas as peças de vestuário e material que lhe pertença estarem marcados com o número respetivo.

Artº 21º - Cada grupo de dez alunos, constitui uma unidade de serviço e escolar, designada por “escola”, será o agrupamento de instrução, de formatura, de rancho, de dormida e de embarque.

Artº 22º - Os alunos de cada “escola” estarão subordinados ao seu “Chefe de escola”… o “chefe de escola” será o responsável pela disciplina e comportamento dos alunos que lhe estão subordinados… o “chefe de escola” está dispensado de fazer rancho e de exercer qualquer cargo…

Artº 23º … compete ao “chefe de escola”: 1º Fazer executar as ordens…

2º Manter a disciplina… 3º Comandar em formatura…

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4º Dar conhecimento superior de qualquer ato de indisciplina… 5º Designar semanalmente um aluno para efetuar rancho… 6º Superintender no estender e ferrar das macas…

7º Dirigir a mesa do rancho…

8º Tomar conhecimento de qualquer reclamação… 9º Dirigir o serviço de banhos…

10º Assistir às revistas de rancho. […]

Secção IV

Deveres e atribuições do aluno rancheiro

Artº 24º - Semanalmente, será, por cada “chefe de escola” designado um aluno para desempenhar as funções de rancheiro do seu agrupamento.

Artº 25º - Ao aluno rancheiro, além do cumprimento das ordens ou instruções determinadas superiormente relativas ao serviço do rancho, compete-lhe:

1º Garantir a conservação do material…

2º Ir receber ao paiol de géneros … os géneros respeitantes à sua escola… 3º Entregar ao cozinheiro os géneros…

4º Pôr a mesa do rancho respetivo…

5º Servir a comida das refeições dos alunos do seu rancho… 6º Lavar a louça e talheres do rancho respetivo…

7º Tratar da limpeza e arrumação da coberta…

Secção V De encargos

Artº 26º - Além dos serviços diários … os alunos desempenham … as funções de adjuntos dos encargos de:

a) Cobertas;

b) Balneários e retretes; c) Camarotes;

d) Primeira câmara; e) Câmara dos oficiais; f) Botica e enfermaria;

92 g) Rouparia; h) Gabinete de trabalho; i) Aulas; j) Secretaria; k) Capela;

l) Paióis de géneros e de vinho; m) Paiol do mestre;

n) Paiol da amarra; o) Paiol das tintas; p) Paióis diversos; q) Tanques de água; r) Embarcações miúdas; s) Sinais; t) Luzes; u) Limpezas. […] Secção VI Regime disciplinar

Artº 27º - As penas disciplinares que podem ser impostas ao aluno são: 1º Admoestação;

2º Repreensão;

3º Quartos de castigo;

4º Privação de passeios ou de visitas recreativas; 5º Privação de visita à família;

6º Expulsão.

Artº 28 – A admoestação é dada em particular…

Artº 29º – A repreensão é dada pelo Diretor do ensino ou Diretor da Obra Social, em particular com a presença do “chefe da escola”, ou em presença da “escola” ou de todos

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os alunos do curso em formatura geral… esta pena disciplinar é averbada na ficha do aluno147 e quando for dada publicamente, será afixada no quadro disciplinar.

Artº 30º - A pena de quartos de castigo, consiste em o aluno castigado fazer quartos de noite além do que lhe competir por escala de serviço.

Artº 31º - A privação de passeios ou visitas recreativas consiste em o aluno permanecer a bordo… quando os seus camaradas saírem a passeios ou visitas… esta pena é averbada na ficha do aluno.

Artº 32º - A privação de visita à família, consiste em o aluno castigado não poder visitar nem ser visitado por pessoas de família, durante o tempo que o Diretor da Obra Social julgar necessário… esta pena é averbada na ficha do aluno e afixada no quadro disciplinar.

Artº 33º - A expulsão consiste em o aluno perder o direito de ser protegido pela “Obra Social da Fragata D. Fernando”, tendo em vista a sua situação social… esta pena disciplinar será aplicada pelo Conselho de Administração.

Secção VII

Classes de Comportamento

Artº 34º - O comportamento dos alunos é regulado pelas seguintes classes: Exemplar, correspondente a Muito Bom;

Primeira classe, correspondente a Bom; Segunda classe, correspondente a Suficiente; Terceira classe, correspondente a Mau. […]

Artº 35ª – O aluno que durante um semestre, tenha um somatório de penas disciplinares indicadas neste artigo, baixa para as classes seguintes:

1º Para a primeira classe, o aluno que sofra qualquer pena disciplinar;

147 As averbações na ficha individual de cada aluno devem ter ir mudando ao longo do tempo, nem todas

as exarações correspondiam a repreensões propriamente ditas. Estas averbações constiuiam um histórico sobre os atos perecíveis de pena disciplinar. O anexo B contem um extrato de uma ficha disciplinar de um aluno durante os anos setenta.

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2º Para a segunda classe, o aluno que tenha um somatório de três repreensões, ou três quartos de castigo, ou dois de privação de saída para passeios ou visitas de estudo ou só de visita à família;

3º Para a terceira classe, o aluno que tenha um somatório de dez quartos de castigo, ou seis dias de privação de saídas para passeios, visitas recreativas ou de visita à família… Artº 36º - Ascende de classe, salvo à exemplar, o aluno que durante um semestre não seja castigado com qualquer punição de privação de saídas para passeios, visitas de estudo, ou privação de visitas à família.

Artº 37º - Os alunos poderão usar fitas indicativas da classe de comportamento em se encontrarem.

Secção IX Prémios e Louvores

Artº 38º - O Diretor da Obra Social da Fragata D. Fernando, por proposta do Diretor do ensino pode conceder louvores e prémios escolares aos alunos que mais se distinguirem, não só no estudo, como também no seu comportamento e porte.

Poderá também conceder aos melhores comportados e mais classificados, medalhas e insígnias, cuja conceção fará parte de regulamentação especial.

Artº 39º - O Diretor da Obra Social da Fragata D. Fernando poderá propor ao Conselho de Administração a criação de prémios pecuniários desportivos ou qualquer outra distinção que julgue conveniente estabelecer, assim como alguma bolsa de estudo àqueles que mais se distinguirem nos respetivos cursos.

São estas as principais linhas orientadoras do projeto da Obra Social e foi com elas que efetivamente arrancou. Acreditamos, no entanto, que terá havido algumas reconfigurações e ajustamentos ao longo dos tempos, sobretudo na idade de acesso dos rapazes e nas formas de acesso ao ensino bem como no que respeita às escolas que foram frequentando. Após consultada a revista da Junta Central das Casas dos Pescadores, referente ao ano de 1962148 conseguimos observar que quinze anos após o

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Sem autor, “25 anos de assistência à gente do mar” in Revista da Junta Central das Casas dos

Pescadores, 1962 - Portugal, Núcleo 423, Dossier 311 “Comissão de Extinção das Instalações do Alm.

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início da Obra, embora as grandes linhas basilares da instituição se mantivessem, algumas mudanças eram já observáveis, eis um excerto do documento:

“Obra da Fragata D. Fernando nº de alunos 150 a 160. Cursos ministrados internamente:

Instrução Primária

Preparatório (Marinha de Guerra, Marinha Mercante, Marinha de Pesca e Moços de Copa)

Cursos ministrado externamente: Comercial

Industrial

A Obra Social da Fragata D. Fernando II e Glória é uma instituição de assistência que se fundou em 1947 (…) destinada a alimentar, educar e instruir, em regime de internato, os rapazes desprotegidos sem família e sem trabalho. Esses rapazes – menores dos 12 aos 18 anos e, em casos especiais dos 14 aos 21 anos estudam e trabalham, (…) preparam-se para os exames da 3ª e 4ª classe, frequentam aulas de marinharia, recebem instrução e ginástica, praticam o Telégrafo de Morse, Sinais e Bandeiras (…) alguns frequentam até escolas e oficinas estranhas à Instituição tirando cursos liceais nos respetivos estabelecimentos de ensino”149.

Como podemos verificar pela análise deste documento, volvidos quinze anos após a inauguração da instituição, os princípios basilares encontravam-se lá. Exceptuando o alargamento das idades de entrada, a referência à possibilidade da preparação para o acesso à profissão de Moços de Copa e ainda a referência à possibilidade da frequência de instituições escolares e oficinais fora da mesma, tudo o resto referente aos objetivos iniciais se mantinha. As diferenças apresentavam-se neste início dos anos sessenta, como diferenças que valorizavam, em nosso entender, a própria Obra, pois abriam ainda mais o leque de hipóteses alternativas para futuras trajetórias profissionais. A reconfiguração da Obra neste campo apresentava-se como uma modificação positiva.

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Fotografia nº 4 – Braçadeira de Oficial de Marinheiros. Fonte: ibidem