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Com o objetivo de conhecer o imaginário brasileiro que os estrangeiros traziam na bagagem para a Copa do Mundo de 2014, este estudo entrevistou 55 turistas, entre 15 e 60 anos, vindos de 16 países: França, Noruega, Gana, Colômbia, Venezuela, Estados Unidos, Canadá, México, Rússia, Inglaterra, Austrália, Escócia, Suécia, China, Portugal e Japão. A pesquisa foi feita em Brasília (DF), mas os entrevistados haviam passado por outras cidades, como Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), Cuiabá (MT), Anápolis (GO), Goiânia (GO), Belo Horizonte (MG), Foz do Iguaçu (PR), São Paulo (SP), Manaus (AM), Natal (RN), Porto Alegre (RS), Curitiba (PR), Búzios (RJ), Ilhéus (BA), Recife (PE), Ubatuba (SP).

Para alcançar uma variável sociológica significativa, as entrevistas foram realizadas durante dez dias, de 20 a 30 de junho de 2014, em diversas regiões da cidade, como aeroporto, hotéis e pontos turísticos.

A metodologia utilizada foi a técnica de associações de palavras, tal como proposta por Jung (LEGROS, et. al., 2007), psiquiatra e psicoterapeuta suíço fundador da psicologia analítica. Ao estudar a técnica das associações verbais de Jung na sociologia do imaginário, Legros, et. al. (2007) descrevem as seguintes etapas: (1) apresenta-se uma palavra indutora a várias pessoas, de trinta a uma centena, selecionadas aleatoriamente e seguindo variáveis

sociológicas; (2) cada sujeito deve escrever em uma folha de papel o que lhe vem à mente a partir da palavra indutora; (3) examina as respostas e classifica as palavras em ordem decrescente de frequência, destacando aquelas que mais aparecem como representações coletivas.

A pergunta feita aos turistas estrangeiros foi: antes de chegar ao país, que imagem vinha em sua mente ao pensar Brasil? De acordo com os dados, as quatro palavras que aparecem com mais frequência no imaginário do estrangeiro sobre o Brasil são, na ordem decrescente, futebol (22%), beleza (11%), festa (9%) e insegurança (7%). Além disso, os estrangeiros relacionam o país com animação, samba, maravilha, praia, natureza, alegria, hospitalidade, floresta tropical, carnaval, extravagância, exótico, descanso, mágica, garotas, espetáculo e clima.

A pesquisa quis saber também sobre a experiência. Afinal, o Brasil correspondeu às expectativas dos turistas estrangeiros? 76% afirmaram que o país é melhor do que eles esperavam. Além disso, 70% dos entrevistados acreditavam que os jornais de seus países não representam um Brasil verdadeiro, já que os assuntos que estão na pauta são sempre os mesmos, como samba, carnaval, futebol, além das notícias negativas, como insegurança, favela e corrupção.

Sobre o que mais impressionou os turistas estrangeiros no país, os brasileiros aparecem em primeiro lugar, citados por 25% dos entrevistados, a hospitalidade em segundo lugar com 13% e a organização em terceiro lugar com 9%.

Os dados da pesquisa nos mostram que as palavras usadas pelos estrangeiros do século XXI para descrever o Brasil são as mesmas encontradas nos diários de bordo, nas artes e relatos de viajantes que visitavam o país desde seu descobrimento. São representações ainda muito ligadas àquelas construídas ao longo dos anos por muitos escritores, como Caminha, Staden, Antonil e outros, que faz com que o Brasil ainda hoje seja lembrando como um Éden selvagem, uma terra com animais exóticos, florestas tropicais e muitos problemas. Um lugar onde a sensualidade e a generosidade do seu povo são os principais motivos para que o Brasil mereça uma visita. “Tem-se a impressão que a nação não tem nenhum atrativo turístico que mereça atenção e o povo é suficiente para atrair turistas” (BIGNAMI, 2002, p. 124).

Ao fazer uma análise histórica do olhar estrangeiro sobre o Brasil vimos que, desde sua descoberta, o país é considerado pelo estrangeiro como uma terra de contrastes, um paraíso e inferno. Uma nação de grandes riquezas, mas também pobre, selvagem, sensual e mística. No entanto, essa afirmativa se relaciona diretamente com a questão da memória. É ela que alimenta o imaginário social.

Cunha (2007) define a memória sob três pontos de vista. Segundo a autora, na psicologia cognitiva ela é compreendida como capacidade de conservar e lembrar estados de consciência passados e tudo quanto se ache associado aos mesmos. Na psicologia analítica, são reminiscências, lembranças que ocorrem ao espírito como resultado de experiências já vividas. Enquanto que na literatura, as memórias são o relato que um escritor faz de acontecimentos dos quais ele participou ou foi testemunha. É então a memória coletiva, transmitida por diversos autores do passado, que conserva esta representação do Brasil como o país do carnaval, uma terra de desleixo, onde impera a desordem, a selvageria e apenas a cordialidade brasileira se torna um dos poucos motivos de orgulho para a nação.

De acordo com Halbwachs (1990), a memória coletiva tem uma forte tendência a transformar os fatos do passado em imagens e ideias sem rupturas. Ou seja, tende a estabelecer uma continuidade entre o que é passado e o que é presente, restabelecendo, portanto, a unidade primitiva de tudo aquilo que, no processo histórico do grupo, representou quebra ou ruptura. Desta forma, a memória coletiva apresenta-se como a solução do passado, no atual; apresenta-se como recomposição quase mágica ou terapêutica, como algo que cura as feridas do passado.

Na memória coletiva, afirma Halbwachs (1990), o passado é permanentemente reconstruído e vivificado enquanto é resignificado. Neste sentido, a memória coletiva pode ser entendida como uma forma de história vivente. A memória coletiva vive, sobretudo, na tradição, que é o quadro mais amplo onde seus conteúdos se atualizam e se articulam entre si. A memória coletiva encontra seu lugar na tradição e, ao mesmo tempo, dinamiza as tradições, num processo semelhante ao que foi descrito com relação às lembranças no contexto dos quadros sociais.

A memória coletiva é tão forte que não exerce influência apenas do exterior. Ela é também cultivada no próprio país pelos brasileiros. Bignami (2002) destaca que, quando analisamos a construção da identidade brasileira vista pelo outro e buscamos identificar quais são as representações imaginárias do nosso país que permeiam as produções midiáticas no exterior, é importante destacar duas questões principais: primeiro lembrar que esta imagem foi construída e nos foi imposta pelo outro ao longo dos séculos, basta olharmos os exemplos que foram apresentados neste capítulo. Segundo, que ela é, muitas vezes, um reflexo do que nós tomamos para nós como nosso e cultivamos. “Quando nos deparamos com imagens que revelam um país sensual no exterior, por exemplo, basta olhar para nossas televisões e ver o conteúdo dos programas para perceber que nós idealizamos um povo sensual” (BIGNAMI, 2002, p.49). Ou seja, de acordo com a autora, se a formação de uma identidade se dá por meio

de processos de conhecimento e interação entre o indivíduo e a realidade, o que ocorre no campo da comunicação é apenas o cultivo desses estereótipos pela mídia, que reafirma o que outras áreas como literatura, cinema e artes exploram. Desta forma, a percepção, bem como as opiniões que temos do mundo real, são culturais e sociais. E estas referências transbordam também na mídia do século XXI. Resta-nos compreender em quais proporções e avaliar seus efeitos.