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2 O USO DOS ESTUDOS CULTURAIS NA ANÁLISE DAS NARRATIVAS

2.2 O que é cultura

De acordo com Moles (1974), a noção de cultura foi proposta pelos filósofos há mais de dois séculos. No entanto, o termo é tão carregado de valores que possui mais de 250 definições. “A própria palavra recobre um conteúdo que varia com o tempo, lugar e tipo de sociedade considerada” (MOLES, 1974, p. 9). Para Moles, cultura possui uma definição aberta, sempre acessível a retoques, mas que pode ser conceituada como “um vestígio deixado pelo homem no meio artificial que ele mesmo criou para viver”. Moles representa a cultura como mosaico. Ela é aleatória, constituída por pequenos fragmentos ou peças que se reúnem por justaposição, sem pontos de referência e nenhuma ideia é única, mas sim plural.

Essa cultura não é mais principalmente o fato de uma educação universitária ou um quadro racional. É o fato do fluxo de conhecimentos que recebemos a cada dia, de uma informação permanente desordenada, pletórica, aleatória. Ela nos chega pelos meios de comunicação de massa, pela imprensa, pelo exame superficial de revistas técnicas, pelo cinema, rádio, televisão, conversa, por uma multiplicidade de meios que agem sobre nós, cuja massa nos submerge e dos quais nos sobram apenas influências transitórias, pedaços de conhecimentos, fragmentos de ideia: ficamos na superfície das coisas, somos

impressionados ao acaso pelos fatos que agem mais ou menos vivamente sobre nosso espírito, não exercemos censura nem esforço e o único elemento geral que emerge nessas textura é a noção de densidade maior ou menor da rede do conhecimento" (MOLES, 1974, p. 19).

Temos então que, de acordo com Moles (1974), a cultura se origina na vida social pela educação e pela impregnação e se constitui pela soma de todos esses fragmentos que compõem sua forma de mosaico. A impregnação é feita por intermédio dos meios de comunicação de massa, que, segundo Moles, realizam a ligação entre o indivíduo e o meio humano. Ainda sobre cultura, o autor destaca duas significações: a pessoal e coletiva. A pessoal é seletiva e pode ser explicada como sendo a experiência de cada indivíduo que projeta e recebe do mundo exterior seus “estímulos-mensagem”, enquanto que a coletiva são as sociais, aquelas dos subconjuntos da humanidade aos quais pertence o indivíduo. Elas precisam estar em consenso com o grupo afim de manter a ordem social.

Já Mattelart e Neveu (2004) afirmam que a noção de cultura é daquelas que suscitaram os trabalhos mais abundantes em ciências sociais, bem como contraditórios. Para os autores, “o termo tanto pode designar um panteão de grandes obras legítimas, como tomar um sentido mais antropológico, por englobar as maneiras de viver, sentir e pensar próprias de um grupo social” (CUCHE apud MATTELART E NEVEU, 2004, p. 11).

No entanto, o conceito de cultura usado neste trabalho é o de Raymond Williams (2011), que como veremos adiante, define o termo de uma forma mais complexa, aliando as

ideias dos autores acima. Williams (2011) explica que embora o termo ‘cultura’ tenha recebido ao longo dos anos diferentes definições - ideia de cultivar alguma coisa, conhecimento erudito, desenvolvimento e progressos sociais - em nossa época, ela está revendo sua própria área e propondo novos caminhos. Por isso, a cultura deve ser vista hoje de uma maneira mais geral, ou seja, como uma convergência prática entre os sentidos antropológico e sociológico para indicar um modo de vida global de um determinado povo ou grupo social, mostrando que ela não se refere apenas a uma classe de elite, mas sim a toda sociedade. Isso leva a cultura a ser interpretada hoje como um sistema de significações amplo, que inclui não apenas as artes e as produções intelectuais, mas sim todas as práticas significativas, como a linguagem, a narrativa, o jornalismo, a moda, a publicidade, entre outros.

Assim, há certa convergência prática entre os sentidos antropológico e sociológico de cultura como modo de vida global distinto, dentro do qual se percebe hoje, um sistema de significações bem definido não só como essencial, mas como essencialmente envolvido em todas as formas de atividade social, e o sentido mais especializado, ainda que também mais comum, de cultura como atividades artísticas intelectuais, embora estas, devido à enfase em um sistema de significações geral, sejam agora definidas de maneira muito mais ampla, de modo a incluir não apenas as artes e as formas de produção intelectual tradicionais, mas também todas as práticas significativas - desde a linguagem, passando pelas artes e filosofia, até o jornalismo, moda e publicidade - que agora constituem esse campo complexo e necessariamente extenso (WILLIAMS, 2011, p. 13).

Dessa forma, Williams (2011) aponta para uma teoria de cultura por um viés interdisciplinar. Ela colabora com aspectos políticos e econômicos, enfatizando o estreitamento das esferas da realidade social e sua atuação como força produtiva de significados e valores que vão interferir na organização de uma classe ou grupo. Em resumo, é o mesmo que instituições produtoras de conteúdo e seus efeitos, levando em conta a questão da ideologia. De acordo com o autor, neste caso, normalmente a questão ideológica é vista sob duas perspectivas: relacionada com as crenças formais e conscientes de um grupo social ou como visão de mundo mais geral, que inclui ainda atitudes, hábitos e sentimentos menos conscientes e menos articulados da classe. Temos então que a análise sociológica da cultura passa por esses dois caminhos e deve se preocupar ainda com alguns princípios básicos, como análise das instituições e seus produtos culturais, a história, os modos pelos quais a cultura e seus produtos são socialmente identificados e discriminados dentro da vida social e os processos de reprodução.

Logo, a convergência entre sentidos antropológicos e sociológicos destacado por Williams mostra como diferentes significados e valores organizam a vida social comum. É

neste campo que, de acordo com Woodward (2012), estão as formas pelas quais a cultura estabelece fronteiras e distingue a diferença. Nota-se que esses caminhos são fundamentais para entender o sentido de identidade. Para a autora, cada cultura tem suas próprias e diferentes formas de classificar o mundo e “é pela construção do sistema classificatório que a cultura nos propicia os meios pelos quais podemos dar sentido ao mundo social e construir significados” (WOODWARD, 2012, p. 42).

Sendo assim, neste trabalho adotamos cultura como prática de significação da realidade e da vida social.