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2 O USO DOS ESTUDOS CULTURAIS NA ANÁLISE DAS NARRATIVAS

3.1 Narrativas jornalísticas

Ao apresentar os conceitos de narrativa jornalística, Ladeira Mota (2012) fala de uma narrativa que se volta para os fatos. "Para os historiadores e os jornalistas, a narrativa se prende ao acontecimento, ao mundo dos fatos visíveis. Já os narradores de contos populares e

literatura não se atêm aos fatos, mas constroem narrativas impregnadas de valores estéticos e morais" (LADEIRA MOTA, MOTTA e CUNHA, 2012, p. 13).

Sodré (2009) também destaca que a narrativa jornalística comporta a ideia de um evento que se destina a ser representada pelo texto. Para ele, na notícia, o acontecimento referido obriga a ser verídico e a obedecer à técnica corrente da prática do jornal. “O real da notícia é a sua factualidade, a sua condição de representar um fato por meio do acontecimento jornalístico” (SODRÉ, 2009, p. 27).

Ao buscar o conceito de fatos, Fonseca (2010) relaciona o termo com acontecimento e notícia. A autora parte do princípio que a matéria-prima do jornalismo é a informação. “Essa informação, no entanto, precisa apresentar determinadas características para ser transformada em notícia, e vários autores já se ocuparam de relacioná-las, podendo-se citar, por exemplo, as de veracidade, atualidade e interesse público” (FONSECA, 2010, p. 169). De acordo Fonseca, do ponto de vista conceitual, autores como Charaudeau (2007), Mouillaud (1997), Rodrigues (1993) e Sodré (2009) não distinguem acontecimento de fato, sendo o acontecimento jornalístico, “um fato digno de registro na forma de notícia”. Segundo a autora, embora vários autores venham se dedicando ao longo do tempo em definir notícia, as tentativas são extensas e insatisfatórias em razão da imprecisão conceitual. No entanto, Fonseca usa uma definição de Charaudeau, que explica que “notícia é o conjunto de informações que se relaciona a um mesmo espaço temático, tendo um caráter de novidade” (CHARAUDEAU apud FONSECA, 2010, p. 173).

Partindo desses conceitos, propõem se então que a narrativa jornalística é um relato do acontecimento ou notícia. E sabendo que a “notícia é uma porta de entrada para a cultura” (LADEIRAMOTA, 2012), não se pode atribuir as narrativas jornalísticas apenas sua relação com a realidade pura, verdadeira e objetiva. Pelo contrário, sabemos que ela está impregnada de subjetividade mesmo quando tem o propósito principal de relatar os acontecimentos. É por isso que Ladeira Mota prefere a expressão “construções de significados da realidade” para caracterizar uma narrativa jornalística. E essa característica é fundamental para entender a importância do estudo das narrativas, já que o trabalho da narratologia é ir além do que está no texto. Ultrapassar os limites da produção, entrar no contexto da cultura, do processo histórico que está inserido, analisar os personagens, o discurso de fala, os sentidos e a intencionalidade do autor são caminhos que a narratologia propõe percorrer.

Ao responder a pergunta: O que é uma narrativa jornalística? Motta (2013) divide o jornalismo em dois gêneros de reportagens: soft e hard news. De acordo com ele, nas soft news, o repórter possui mais liberdade para escrever, criar e contar sua história em uma

linguagem quase literária. Assim, “o texto desse gênero de reportagem afasta-se do jornalismo duro do dia a dia, adquire maior dramaticidade, uma estrutura semelhante à do conto e pode ser estudado conforme qualquer outra narrativa de ficção” (MOTTA, 2013, p.95).

No entanto, de acordo com o autor, o relato jornalístico por excelência aparece nas hard news, ou seja, nas duras e cruas notícias do dia a dia. Entre suas características principais, estão: redação em terceira pessoa, linguagem descritiva e direta, tendência à objetividade e intenção em produzir o efeito de real. Além disso, o autor aponta o lide como a característica mais clara deste tipo de gênero. “A expressão mais visível desse estilo duro é o chamado lide jornalístico, quando o repórter relata em linguagem direta o quê, quem, onde, quando, como e o porquê do incidente reportado”, (MOTTA, 2013, p.96). Segundo Motta, a lógica narrativa só se revela nas hard News se observarmos como elas lidam com o tempo, que, para ele, no relato jornalístico, é difuso, anárquico e invertido. Assim, quem for analisar uma narrativa jornalística precisa prestar atenção na cronologia do enredo, já que muitas vezes a estória começa pelo final, além de identificar os conflitos, posicionar as personagens, descortinar o clímax e o desenlance da intriga. “Os acontecimentos-intrigas, oriundos do duro jornalismo do dia a dia caracterizam, a meu ver, a narrativa noticiosa por excelência, apagando a dura referencialidade e revelando uma poética jornalística” (MOTTA, 2013, p. 98). Neste sentido, é a reconfiguração do acontecimento-intriga que vai tecer a totalidade da história e garantir uma narrativa.

Embora Motta (2013) afirme que a narrativa jornalística possa aparecer tanto nas soft como hard news, o autor alerta que identificar a síntese narrativa nesta última é um processo mais complexo. Segundo o autor, ao trabalhar com as hard news, o analista precisa partir de uma reorganização do tempo narrativo - que vai desde a lógica da composição da história e a imposição da ordem que a intriga requer - para compreender como as notícias do dia a dia se aproximam da ficção tornando-se contos, fábulas e mitos da contemporaneidade impregnados de subjetividade. “Só recompondo as fragmentadas notícias fáticas como uma intriga temática e coerente o analista poderá realizar uma análise da narrativa jornalística enquanto um processo de coprodução de sentidos” (MOTTA, 2013, p. 102). Segundo Motta, somente depois de remontar o acontecimento-intriga é que o pesquisador poderá compreender criticamente o processo de comunicação narrativo jornalístico, as relações de poder entre os interlocutores e observar o enquadramento do texto dado pelo narrador.

Ecoando Motta, Sodré (2009) destaca ainda que cada jornal constrói uma identidade para chamar atenção de seu público. De acordo com o autor, é esta construção de relacionamento entre jornal e receptor que permite uma diferenciação frente a outros modos

jornalísticos, onde ao mesmo tempo que enunciam fatos cotidianos, também podem dar margens ao aparecimento de posições diferenciais, como pontos de vista, doutrinas, preferências políticas e outras ideologias.

Sobre o tema, Motta (2013) afirma ainda que, ao realizar uma análise da narrativa jornalística, o pesquisador deve percorrer um caminho duplo entre a análise da narrativa literária e fática, integrando elementos dessas duas vertentes em uma narrativa nova. Neste sentido, a recomposição das notícias gera sempre um produto cultural diferente, que remete a uma antropologia da notícia dedicada à compreensão da realidade imediata no transcurso cultural de uma sociedade. “Ao realizar essa recomposição do acontecimento-intriga, passamos a compreender a mimese jornalística não apenas como atividade de representação realista difusa do real fático, mas como uma atividade produtora de sentidos culturais, uma mimese histórica instituidora da realidade” (MOTTA, 2013, p. 99-100). O que o autor sugere é que, ao ler uma narrativa jornalística, o receptor interpreta o texto e constrói significados, não só a partir de elementos provenientes da notícia, como também de suas próprias experiências de vida, memória e cultura.