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A metáfora do Mercado Religioso e a questão da

A METÁFORA DO M ERCADO R ELIGIOSO E A QUESTÃO

DA MUDANÇA NA ESFERA DA RELIGIÃO NO

B

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Falar a respeito de religião, em grande medida, significa, para muitos, deixar de lado o tema da mudança. Comumente as pessoas associam à idéia de religiosidade às noções de imutabilidade e atemporalidade, pensando o fenômeno a partir dos conceitos de dogma, de verdade absoluta, de ortodoxia doutrinária e outros dessa natureza. Assim, uma "boa" teologia seria aquela que fosse capaz de se manter a mesma através dos tempos, o que provaria, inclusive, não ter sido necessário fazer revisões de quaisquer tipos nos conceitos e artigos de fé, que teriam sua validade e adequação mantidas. No âmbito da doutrina, da Teologia e de outros aspectos constitutivos da religiosidade enquanto sistema simbólico, encontramos uma espécie de "núcleo duro", de cuja centralidade, continuidade e imutabilidade dependeria a aceitabilidade e plausibilidade do modelo religioso, traduzidas na preservação da adesão dos fiéis já afiliados e na conquista de novas pessoas.

Se nos mantivermos na discussão da religião enquanto cosmovisão, portanto, um dos parâmetros mais adequados será justamente o da conservação ou imutabilidade, já que sua eficácia simbólica dependeria, em grande medida, da durabilidade das concepções oferecidas a respeito de pontos básicos tais como a origem do homens, seu destino, as causas do sofrimento e outros dessa natureza.

No que se refere à articulação dos modelos de religiosidade com os sistemas sociais, muitos trabalhos de análise sociológica têm demonstrado de que maneira a religião tem contribuído para a manutenção do status quo. Duas matrizes teóricas, a saber, o funcionalismo e o marxismo dão suporte a essa visão, privilegiando, respectivamente, a ação da religião em termos de produção de integração e de conformismo na área da política43.

Podemos também encontrar estudos que focalizam o envolvimento da religião em processos de transformação social, como , por exemplo, os que têm como objeto os movimentos sociais de restauração democrática na América Latina. Atualmente, a preocupação com o ressurgimento de fundamentalismos religiosos e seus efeitos político-culturais também tem ganho espaço no campo internacional da sociologia da religião, atualizando a idéia de que os modelos de religiosidade podem agir tanto na direção da conservação de estruturas de dominação como no sentido de sua transformação.

Neste trabalho não é pretensão nossa discutir necessariamente os aspectos da mudança em relação aos aspectos teológicos, ou o núcleo simbólico "duro" dos modelos de religiosidade, nem especificamente os pontos referentes à articulação da religião com a

43 Alguns autores tentam ver no âmbito dos textos marxistas sobre a religião alguns elementos que

possibilitem a análise da religião enquanto instrumento para a transformação social. Bons exemplos são os trabalhos de CAMARGO (1971) e de MADURO (1981). Esse último é um dos principais representantes de uma considerável produção que segue os pressupostos gramscinianos de análise da religião na perspectiva de transformação da sociedade.

preservação/transformação de estruturas de poder político, como fazem alguns estudos mencionados no parágrafo anterior. Nosso propósito é entender de que maneira as transformações se realizam nos modelos de religiosidade em termos de moldagem dos seus discursos e práticas religiosas, a partir de modificações na constituição interna da esfera - ou do campo, ou ainda, do mercado - da religião no Brasil. Privilegia-se aqui a definição institucional do fenômeno religioso, sendo nosso objetivo demonstrar que, acima de todos os fatores que possam ter influenciado e influenciam a dinâmica da esfera do religioso, aqueles ligados aos aspectos organizacionais - relativos às questões de sobrevivência institucional, à preocupação relativa à manutenção e expansão dos espaços ocupados no campo religioso - têm uma inegável preponderância.

A temática da metamorfose do campo religioso brasileiro tem sido focalizada em vários estudos e pesquisas recentes no campo das ciências sociais, tanto no âmbito nacional, como na produção de brasilianists. David Lehmann, por exemplo, no seu The struggle for the Spirit (1994), compara os neopentecostais e os basistas católicos no que ele chama de "arena" da religiosidade no Brasil, na qual cada um dos grupos entraria na competição pela possibilidade de "falar" pelo povo; Paul Freston (1994), analisou a história dos pentecostais e neo-pentecostais e as transformações ocorridas na prática política de grupos evangélicos brasileiros, assinalando a construção de projetos políticos definidos por grupos tradicionalmente vistos como alheios à expressão mais direta na esfera da democracia representativa parlamentar; Vasquez (1998), entre outros, discute a decadência do modelo progressista católico como um resultado da conjunção de fatores ligados à conjuntura interna nacional e internacional da Igreja Católica e de variáveis referentes ao campo religioso nacional e constitutivos do panorama social do país nesse final de século; André Corten (1995) concentra seus esforços na análise do crescimento dos pentecostais e dos carismáticos católicos em relação ao esvaziamento da Teologia da Libertação; Mariano (1995) estuda as transformações teológicas, axiológicas, estéticas e sociais levadas a cabo no campo dos pentecostais, em referência, principalmente, ao surgimento da Igreja Universal do Reino de Deus, que inaugura um tipo de evangelicalismo menos sectário.

Na produção desses e de outros estudiosos encontramos a idéia de que, no campo religioso brasileiro, as organizações religiosas passam a operar num ambiente não mais marcado pelo monopólio da Igreja Católica, mas caracterizado por um clima de pluralismo, dominado pela turbulência e realinhamento institucional, destinados ao enfrentamento das novas condições de concorrência. Essa nova realidade em termos de esfera da religião nos coloca questões tais como: Que mudanças principais estão ocorrendo? De onde e para onde se deslocam os evangélicos em geral e especificamente os pentecostais? Como reagem os católicos à erosão da posição de monopólio historicamente ocupada? Que transformações acontecem nos protestantes históricos em referência à concorrência com os neo-pentecostais? Quais os pontos mais dinâmicos, que pressionam em direção às mudanças?

É nosso objetivo defender, neste capítulo, que algumas das transformações pelas quais atravessam tanto o modelo do catolicismo, como os outros modelos de religiosidade no Brasil, podem ser explicadas como sendo o resultado do aumento da competição na esfera da religião, gradualmente organizada em termos de mercado religioso, o que tem como conseqüência o crescimento da importância dos imperativos da ação necessários à sobrevivência institucional das mensagens religiosas dentro do mesmo

mercado. A lógica mercadológica sob a qual a esfera da religião opera, produz, entre outras coisas, o aumento da importância das necessidades e desejos das pessoas na definição dos modelos de práticas e discursos religiosos a serem oferecidos no mercado, ao mesmo tempo que demanda das organizações religiosas maior flexibilidade em termos de mudança de seus "produtos" no sentido de adequá-los da melhor maneira possível para a satisfação da demanda religiosa dos indivíduos. Nesse sentido, a idéia que perpassa nossa análise é a de que os fatores básicos para entender as mudanças que os modelos de religiosidade atravessam no Brasil devem- se, principalmente, às transformações estruturais das relações de forças no campo religioso nacional, em referência à introdução nele do que chamamos de lógica mercadológica.

De outra forma, diríamos que as condições estruturais do campo religioso, e, de maneira destacada, a constituição de um mercado religioso no qual crescem os níveis de competição, determinam de modo indelével a dinâmica interna dos discursos e práticas religiosas. Nos contextos de pluralismo acentuado em que vivemos, passou o tempo em que as instituições religiosas podiam propor um conjunto de exigências relativas à fé e ao comportamento esperando uma aceitação social imediata. Nas sociedades contemporâneas, crescentemente orientadas para o consumo, o que as organizações religiosas oferecem tem que ser atrativo para os potenciais consumidores. Assim, o ethos do consumo, que prevalece em termos de sociedade inclusiva, e o pluralismo que prevalece no campo (e fora dele) são elementos fundamentais para entender como se operacionaliza a lógica mercadológica na esfera da religião.

É para aplicar esse modo de analisar as transformações pelas quais passam os modelos de religiosidade na conjuntura recente que examinaremos, a seguir, alguns fatos da história da religião no Brasil, começando com o processo pelo qual a Igreja Católica vai perdendo sua posição de monopólio no mercado religioso nacional e se vê pressionada à realização de mudanças reativas em seus discursos e práticas religiosas, refletidas na adoção de modelos de religiosidade diferenciados ao longo do tempo.

2.1.O

S MODELOS DE

I

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C

ATÓLICA NO

B

RASIL E A INFLUÊNCIA DAS