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A METALINGUAGEM DE LER LEITORES

No documento O texto teatral (en)cena (páginas 101-141)

QUARTO ATO

A METALINGUAGEM DE LER LEITORES

"Um grito parado no ar"30. O fragmento acima fora extraído desse texto, e é trazido

para esta cena, pois o mesmo é considerado como um teatro de resistência, que se funda pela supressão da liberdade, já que tem como pano de fundo o período em que foi escrito – a Ditadura Militar (1973). A liberdade que se defende aqui é pelos novos caminhos da prática de leitura nas escolas, pelos novos caminhos da acepção do teatro no ambiente escolar, e assim, pelos novos caminhos participativos de sujeitos que vivem o que leem e que se permitem tatear o que os circunscreve, com olhares mais analíticos e sensíveis por intermédio do conhecimento ampliado e sensível trazido pelos textos teatrais.

De antemão, torna-se significante apresentar um breve portfólio dos grupos que fizeram parte desse caminho de pesquisa; afinal, pela breve descrição, pode-se já ter uma grande projeção do que faz, pela vivência, com que as entrevistas ocorram como se sucederam: com abertura de novos caminhos, e isso se dá pelo olhar de quem abriu tantos caminhos para poder trilhar.

29 Trecho do texto teatral “Um Grito Parado no Ar”. (Guarnieri, G.. 1973: 47) 30 Espetáculo escrito por Gianfrancesco Guarnieri: ator, diretor, dramaturgo e poeta.

116 Grupo XIX DE TEATRO31*

O Grupo XIX de Teatro nasce na efervescência do movimento de teatro de grupo na cidade de São Paulo, e realiza desde 2001 um trabalho contínuo. Em seu repertório traz três primeiros espetáculos “Hysteria”, “Hygiene” e “Arrufos”, que consolidaram o trabalho na perspectiva colaborativa tendo como eixos de criação, sobretudo, a pesquisa temática e o desenvolvimento de uma dramaturgia própria, a intervenção e exploração de prédios históricos com espaços cênicos e a interatividade como elementos narrativos fundamentais da dramaturgia. E ainda, há o quarto espetáculo, “Marcha para Zenturo”, em conjunto com o Grupo Espanca! de Belo Horizonte.

Desde 2004, o tem a sua residência artística na Vila Maria Zélia, antiga vila operária do bairro do Belém na Zona Leste de São Paulo, e tem conseguido chamar a atenção e manter em constante atividade os prédios históricos que estavam fechados, em completo abandono, há quase 40 anos.

Como eixo de trabalho, o grupo desenvolve o projeto dos Núcleos de Pesquisa, oficinas de longa duração orientadas pelos integrantes do grupo, que desenvolvem pesquisas próprias que são partilhadas e aprofundadas por jovens artistas da cidade em busca de espaços de troca e desenvolvimento artístico.

Recentemente, o grupo lançou o projeto “Armazém 19” sustentado pela ideia de que a Vila deve ser cada vez mais um espaço onde os grupos e artistas de diversas áreas possam ensaiar, mostrar seus trabalhos, criar suas redes de trocas.

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“Hysteria” (2001) “Hysteria” (2001)

“Hysteria” (2001) “Hygiene” (2005)

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“Arrufos” (2008) “Arrufos” (2008)

“Arrufos” (2008) “Marcha para Zenturo” (2010)

119 Grupo GALPÃO32*

No ano de 1982, o Grupo Galpão nasce da união de Teuda Bara, Eduardo Moreira, Wanda Fernandes e Antônio Edson, que se encontram em oficinas de teatro dos alemães Kurt Bildstein e George Froscher. Lá trabalharam técnicas corporais e jogos teatrais, além de exercícios de respiração e voz inspirados no teatro de Grotowski e na interpretação brechtiana. Iniciam a montagem de “E a noiva não quer casar”, que segue para uma longa estrada experimental de várias linguagens teatrais.

Seguem em 1983 e 1984 com as montagens “De Olhos Fechados” e “Ó Procê na Ponta do Pé”, espetáculo que estoura com o grupo Galpão, que passa a ser conhecido em Minas Gerais e viajar pelo Brasil.

Em 1985 montam “Arlequim, Servidor de Tantos Amores”, baseado em um clássico da commedia dell’arte, e em 1986 “ A Comédia da Esposa Muda”, que leva os atores de volta às ruas.

Em 1987 e 1988, o Galpão viaja intensamente e passa a ter contato com grupos nacionais e internacionais e torna-se um representante do teatro no Brasil. Participam de uma oficina dirigida por Eugenio Barba, no Peru, durante o Encontro Internacional de Teatro de Grupo. Estreiam “Foi por amor” em espaços alternativos e participam de “Triunfo, um Delírio Barroco” superprodução da Fundação Clóvis Salgado que une dança clássica, música e teatro.

No ano de 1989 encontram-se com Grotowski e Peter Brook, na Itália, e, retornam ao Brasil decididos a se fortalecerem enquanto estrutura mais sólida, assim, adquirem seu espaço sede que é o mesmo até hoje.

Em 1990, o Galpão salta da comédia das ruas para a tragédia dos palcos com a montagem de “Álbum de Família” e passa a cumprir temporadas em grandes centros teatrais do país.

Em 1991, 1992 e 1993 surge o grande casamento do Galpão com Shakespeare e Gabriel Villela na montagem de “Romeu e Julieta”, uma linguagem única que tece cuidadosamente o texto de Shakespeare com influências do barroco e da literatura de Guimarães Rosa. Com “Romeu e Julieta” o Galpão recebe vários prêmios e caminha o mundo com seu espetáculo.

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Wanda Fernandes, a intérprete de Julieta e uma das fundadoras do grupo, em 1994, sofre um acidente automobilístico, vem a falecer e passa a encantar com as estrelas. O grupo busca forças na dor. E, ainda em 1994, junto a 1995 e 1996 casa novamente com Villela e estreia “A Rua da Amargura”, um espetáculo melodramático de circo-teatro que narra a vida de Jesus Cristo.

Viajam por dois anos pelo Brasil, América Latina e Europa com “Romeu e Julieta” e “A Rua da Amargura”, surge no ano de 1997 o espetáculo “Um Molière Imaginário” e ainda, no ano de 1998, com a comemoração de 15 anos de existência do Grupo inauguram o “Galpão Cine Horto”, um centro cultural de criação, pesquisa e intercambio aberto à comunidade. E, em 1999 estreia o espetáculo “O Partido”.

Em 2000 “Romeu e Julieta” volta à cena para ser apresentado no Globe Theater de Londres, e ainda, estreia o espetáculo “Um Trem Chamado Desejo”. É em 2001 que Paulo José inicia trabalhos com Galpão e em 2002, na comemoração de 20 anos do grupo, entram em cartaz com seus cinco últimos espetáculos.

“O Inspetor Geral” com direção de Paulo José, surge em 2003 e se estende em 2004, porém, Paulo José continua com o grupo, e em 2005 estreiam “Um Homem é um Homem”.

Durante 2006 o último espetáculo circula pelo Brasil e iniciam os primeiros estudos com o diretor Paulo de Moraes para a nova montagem que estreia, em 2007, “Pequenos Milagres”.

O cinema entra na vida do Galpão em 2008, quando filmam “Moscou”, porém nova pela estreia em 2009 “Till, a Saga de um Herói Torto”. Os trabalhos não param e em 2010 e 2011 estreiam “Eclipse” e “Tio Vânia” ambos advindos de estudos do grupo sobre Tchecov, e ainda, no ano de 2012, em comemoração aos 30 anos do Galpão, “Romeu e Julieta” renasce junto, sempre, ao amor do Grupo Galpão pelo teatro.

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“E a Noiva não quer casar” (1982) “De Olhos Fechados” (1983)

“Ó Pro Cê Vê na Ponta do Pé” (1984) “Arlequim Servidor de Tantos Amores” (1985)

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“Foi por amor” (1987) “Corra Enquanto é Tempo” (1988)

“Álbum de Família” (1990) “Romeu e Julieta” (1992 – 1ª montagem)

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“Partido” (1999) “Um Trem Chamado Desejo” (2000)

“Romeu e Julieta” (2002 – 2ª montagem) “O Inspetor Geral” (2003)

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“Till, a Saga de Um Herói Torto” (2009) “Tio Vânia, aos que vierem antes de nós” (2010)

“Eclipse” (2011) “Romeu e Julieta” (2012 – 3ª Montagem)

Sem dúvida, caminharam e caminharam e caminharam a perder de pés os grupos que compõem essas análises, tem-se tal evidência por um simples passeio de olhos em seus breves portfólios aqui apresentados, e ainda, na significante coleta de material que discursam seus pareceres no decorrer das entrevistas, que resgatam a vida ao tempo que atualizam suas reflexões.

Atualizar as reflexões é preciso. Para isso, a seguir, fazendo uso das entrevistas realizadas, seguem análises de fragmentos que possivelmente dialogam entre si e que dialogam comigo, na tentativa de buscar objetivar a pergunta básica desta pesquisa: como a leitura do texto teatral pode acontecer nas escolas?

125 Os novos passos, os novos olhos

Durante as entrevistas com os dois interlocutores na fase de coleta de dados para esta dissertação, fiz várias leituras que me levaram a recorrer a tantas outras já existentes, a outras adormecidas, a outras ainda inexistentes, e outras que talvez existam, mas nem eu mesmo as saiba. O interessante de todo esse percurso fora a permissão e a intenção reveladora de conhecer e tatear um abstrato que não nos cabe nas mãos; afinal, cada olho vê o mundo de uma forma e o constrói pela ótica que lhe traduz. Assim, conhecer como a leitura de textos teatrais acontece pelos olhos de quem vive o teatro em completude, e vivê-lo é sê-lo, tem a intenção pura de conhecer e recomendar, e jamais de postular ou encontrar uma receita de como o texto deve ser lido, pois se se encontrasse essa receita pronta – em doses, colheres e xícaras –, então estaria eu cometendo grande equívoco, pois ler é criar tuas medidas e experimentar os gostos de cada sabor que te agrada.

A escola e o teatro são palcos de atuação e criação.

O teatro vai além da encenação e, se trabalhado na escola, além da divulgação cultural e apropriação cênica, torna-se um grande propulsor de desenvolvimento da criação e imaginação, e, se pensarmos criação e imaginação, não podemos deixar de nos ater à linguagem que está relacionada ao pensamento artístico. O ambiente no qual o sujeito vivencia as suas experiências, além de recurso de linguagem, torna-se fonte. Um sujeito alimenta ao outro, há troca, e isso é um pressuposto de natureza social. A linguagem é multimodal, ela existe quando se ou não se fala, ela permeia e circunscreve o externo e o interno e nos gera a significação surgindo “(...) num primeiro momento, com construção de atividade “consciente”, e depois (num sentido reflexivo), com seu instrumento – o que coloca Vygotsky entre os que relacionam internamente linguagem e pensamento” (MORATO, 1996, p.18).

Ainda, apoiados em Morato (2000) quanto à construção da linguagem e pensamento,

[...] não há possibilidades integrais de conteúdos cognitivos ou domínios do pensamento fora da linguagem, nem possibilidades integrais de linguagem fora dos processos interativos humanos. Este postulado parece ser concebido sob inspiração humboldtiana e já anuncia o papel da linguagem frente ao nosso processo de percepção ou interpretação do real. Não é à toa que, ao descrever o processo de desenvolvimento linguístico-cognitivo da criança, a linguagem surge, [...] num primeiro momento como construção da atividade

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“consciente” e depois (num sentido reflexivo), como seu instrumento – o que coloca Vygotsky entre o que entendem que a relação entre linguagem e cognição (e não apenas “pensamento”) passa pela noção de significação [...]. (p.154)

Assim, temos em vista que a linguagem não é pura interpretação do verbal, existe também a interpretação do não dito, pois os sentidos vão dizendo (gestos, expressões, tensões, intenções), pois a linguagem entra nas questões da imaginação/ criação através de um pensamento artístico, onde o signo tem função de instrumento simbólico e cultural. A função da linguagem não é linguagem, é a função de se auto criar. Alias, não é função, ela é!

Se pensarmos na prática com um texto teatral trabalhado em sala de aula de maneira a proporcionar criação para os envolvidos, a significação não será, pois serão significações inúmeras, uma grande teia de sentidos que serão lançados, sentidos que devem ser trabalhados polissemicamente com a intenção de valorar o sentido individual (mesmo se sabendo que este está arraigado de todo um percurso sócio-histórico) e relacioná-lo a um (tantos sentidos) coletivo(s). Afinal, se tratamos de arte, em âmbitos gerais, não podemos atrelá-la a um sentido unívoco, pois a arte não se copia: ela nos capta ao tempo que permitimo-nos ser captados por ela... Van Gogh não copia a natureza, ele a capta: traz as significações que repercutem em si para o externo.

Assim, numa obra de arte, frequentemente encontramos justaposições de traços distantes uns dos outros e aparentemente desconexos, que, todavia, não são estranhos uns aos outros, como a ideia de dor de dente e de casamento, mas unidos por uma lógica interna. (VYGOTSKY, 2009, p. 34)

Pela perspectiva marxista, o materialismo histórico dialético, sob o conceito de produção imaginária, tem vínculo com o sentido estético: quem/ o que produz. São objetos fabricados pelo homem abarcados pela produção imaginária e pelo sentido estético, que,

[...] são questões que nos remetem, cada uma à sua maneira, a determinadas características constitutivas do modo de ser humano do homem. A primeira nos remete à capacidade criadora dos seres humanos, adquirida no processo evolutivo, que lhes permite assumir o rumo da própria evolução. Ela constitui um dos pilares do processo de humanização. A segunda nos remete à transformação da sensorialidade biológica – herdada do mundo animal – ocorrida nesses seres humanos, num rico e variado elenco de sentimentos que constituem a sensibilidade humana, a qual tem tudo a ver com as novas formas de sociabilidade que os homens criam e que marcam sua história. Não é difícil perceber que, afinal de contas, o que está em jogo no debate dessas questões é a constituição humana do Homem. (PINO, 1990, p.48;49)

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A produção imaginária, como obra/ experiência/ prática do homem, supõe-se (na linha do materialismo – na perspectiva evolutiva) que o imaginário se constrói ao longo da espécie sapiens. Se ativermo-nos a princípios biológicos práticos, enxergarmos que a história de cada espécie define a evolução da mesma pela necessidade. Tal princípio se estende à formação humana já que esta ocorre dentro do processo de transformação do mundo sob efeito de ciclo: para que haja cultura tem que haver produção, cultura para a formação do homem – transformando, ele se transforma (PIN0, 1990). À medida que o homem transforma, ele cria suas condições de existência. É preciso, assim, que haja espaço para transformar, e isso se estende as questões nessas reflexões as questões que indagamo-nos sobre as possibilidades de práticas de leitura com textos teatrais nas escolas, que precisam ganhar espaço para transformar... Espaço para o texto adentrar, e espaço para o aluno interpretar. A atividade humana utiliza como paradigma o trabalho social como forma humana de agir sobre a natureza; é nas questões, nas bases de todas as funções (ações) que está o modelo de produção. Um trabalho alienante produz homens alienados. Trabalho é ação de um homem singular, não individual, cada homem é um homem. O indivíduo que produz, se realiza o processo, além de querer, tem gosto por, se sente algo ao realizar, todavia que, o que se sente é o ato de sentir. O sentido indica uma direção, é algo que se forma, que se constitui função. A estética funciona como processo de valorização, significação.

Se se faz sentido, significa, e significa de várias maneiras, de acordo com a bagagem com a qual o indivíduo dialoga. Assim, dá-se a produção imaginária, que é a verdadeira, pois vem derramando criação e atravessamento de sentidos - quem manda no imaginário é o próprio ser. Vygotsky (2009) aponta que “A imaginação origina-se desse acúmulo de experiência. Sendo as demais circunstâncias as mesmas, quanto mais rica é a experiência, mais rica deve ser também a imaginação” (p. 22). Assim, podemos dizer que, de certa forma, a patologia do imaginário é o limite.

Se formos pensar no cenário educacional, ao que nos referimos em parte na tentativa de estreitá-lo à prática em questão, o uso do texto de teatro em sala de aula como recurso pedagógico e metodológico para vários desenvolvimentos, dentre eles, o da permissão de criar e imaginar, temos que o próprio sentido estético é resultado do processo educativo, pois os sentidos precisam ser educados.

O caminho é titubeante e cheio de experimentações durante o processo histórico do que a arte é, e/ou pode ser, ou vir a ser, porém a ideia que se deve sustentar é que a educação

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escolar é a única que f(ô)rma a educação, mas, por ser uma estrutura organizada, é a única que deforma a educação. É preciso “ampliar a experiência da criança, caso se queira criar bases suficientemente sólidas para a sua atividade de criação” (VYGOTSKY, 2009, p. 23), dessa forma, o professor deve criar condições para ativar a sensibilização do sensibilizador (quem irá criar), tendo a consciência de que a riqueza da variedade cultural é importante, porém a fixação dela, não. É preciso abrir o outro, porque nós somos fechados em nós mesmos, e essa possibilidade é gerada por uma educação basilar arraigada na permissão de produções de sentidos, sem serem estes engessados; é preciso significar para significar com o agregado de valores, para encontrarmos o sentido da estética.

Assim, cabe ainda salientar, dentro destes escritos, o papel da memória nessa teia de significações: se “[...] sou meu passado, e isto é possível porque sou um ser que se põe em questão, de forma a poder “representar” este passado por um processo psicológico, como por exemplo, “lembrar” de alguma coisa” (MAHEIRIE, 2006, p.147), temos que o sentido se produz pela significação que atribuímos a ele, esta (a significação) está atrelada a nossas memórias; afinal, há marca da cultura e de contexto na lembrança do sujeito. A memória é um fio da memória coletiva, nós não temos memória, temos lugares de memória, o passado é interpretação do sujeito, discursivamente. Memória não é só o que se vive, mas o que se conta, daí vem o poder da palavra que a torna mais forte que o acontecimento. É pela possibilidade de criar que o sujeito acessa a memória coletiva, que age de forma diferenciada em cada sujeito. Ao contar, criam-se formas.

Minhas impressões seguem pelas falas dos entrevistados, arraigado além de por seus depoimentos que me fora presenteado os ouvidos, por ser um leitor assíduo de textos teatrais desde 1998 (quando iniciei meu primeiro curso técnico de Artes Cênicas), trarei minhas leituras com tantos e tantos que a mim cabem, olhos de leitor, de pedagogo, de ator, de diretor, de pesquisador, de humano.

Assim, tomo como propulsor desse meu “faz-de-conta” a ideia de que os primeiros caminhos quando pegamos um texto literário em mãos é fazê-lo extrapolar sentidos nossos que vão sendo impressos na leitura e, quando tratamos especificamente sobre textos dramáticos, podemos pensar que estes são escritos para nascer. Por seus caminhos descobrimos vidas que lá percorrem e que cabe a nós, leitores, dar vida a ele, talvez seja por isso que ele não cabe nas páginas e vaza para o plano de materialização, afinal,

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[...] o teatro tal como concebemos no ocidente está ligado ao texto e por ele limitado. Para nós, no teatro a Palavra é tudo e fora dela não há saída; o teatro é um ramo da literatura, uma espécie de variedade sonora da linguagem, e se admitimos uma diferença entre o texto falado em cena e o texto lido pelos olhos, se encerramos o teatro nos limites daquilo que aparece entre as réplicas, não conseguimos separar o teatro da idéia do texto realizado. (ARTAUD, 1984: 90)

A palavra no teatro ocidental é de grande representatividade. Ela é basilar para a consolidação de um trabalho, porém essa consciência toma alguns novos rumos com a ideia de que o teatro é além palavra, mas corpo, então poderemos pensar que a palavra é corpo, é extensão do corpo, afinal, ao irmos assistir a uma peça de teatro, lemos além do texto que se atira da boca das personagens, vamos a fundo, como na vida, lemos os corpos, as reações, os sentimentos que são expressos com todo o corpo. O texto gera um norte, e o corpo, construído para dialogar juntamente com a palavra, gera a completude. Artaud (1984) traz em seus escritos essa preocupação latente do que poderíamos dizer “corpo textual” que diz antes mesmo do texto:

[...] não se trata de saber se a linguagem física do teatro é capaz de chegar às mesmas resoluções psicológicas que a linguagem das palavras, se consegue expressar sentimentos e paixões tão bem quanto as palavras, mas de saber se não existe no domínio do pensamento e da inteligência atitudes que as palavras são incapazes de aprender e que os gestos e tudo aquilo que participa da linguagem no espaço conseguem captar com mais precisão do que elas. (p. 93)

Para Chartier (1996) há distinção da palavra falada (ouvida) e da palavra lida. Dependendo a situação com a qual funcionalizamos o momento em relação à palavra, nossa interpretação pode ser e é outra. Talvez essa consciência de que o teatro acontece como representação da vida torne a leitura necessária do texto com um olhar que o extrapole, que o configure em gestos, em movimentos; afinal, se pensarmos na constituição lógica de um texto de teatro, no mínimo se este for um monólogo, ao menos um personagem transmite e dá enredo à história, e pode ser este um ser humano, um animal, um objeto... Mas é algo que conta, que vive a situação cênica, transpondo-a para uma suposição real, e para isso usa da criação, criação esta que advém de nossa capacidade de produzir situações que poderiam ser reais.

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Seguem, então, diálogos entrelaçados de leitores, de leitores de leitores, de outros

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