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O texto teatral (en)cena

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Academic year: 2021

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JULIANO RICCI JACOPINI

“O TEXTO TEATRAL (EN)CENA"

CAMPINAS

2013

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À Isabel, minha mãe. Leitora de minha cabeceira, personagem de minha vida inteira.

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AGRADECIMENTOS

Caminhos são feitos de nossos pés, porém não se pisa sozinho no chão. Agradeço tanto de caminhada a tantos personagens que cruzei pela longa estrada.

À minha família, em especial a Isabel, Luiz e Matheus (minha mãe, meu pai e meu irmão): os pés que aprendi a seguir e deram-me coragem para novas estradas.

Aos meus eternos amigos, Adriana De Nadai, Aline Périgo, Cristiane Campos, Daniel Lopes, Ellen Candido, Lygia Nicolucci, Marianna Henrique, Noemi Lemes, Simone Marcondes, Thiago França e Thiago Gardini: os pés que me acompanham há tempos e que são ouvidos de ventura para toda nova história.

À Cia Labirinto de Teatro: os pés que mais acredito e que se permitem pisar novos territórios ao meu lado.

Ao Grupo XIX de Teatro e Grupo Galpão: os pés ilustres e fundamentais dessa trajetória.

Às professoras da Graduação, Elaine Assolini e Bianca Correa: os pés que auxiliaram no quanto meus pés poderiam alcançar.

Aos amigos hospitaleiros, Estela Almeida, Ester Monteiro, Ivelize Silva, Lívia Nicolucci, Raphael Ricci e Rafael Kashima: os pés aconchegantes durante a jornada desta história.

Ao amigos do Grupo ALLE: os pés que sustentaram qualquer titubeio pela estrada.

Ao meu orientador, Ezequiel Silva: os pés de horizontes, de nortes, sul, leste, oeste.

As professoras Suzi Sperber, Norma Ferreira, Heloisa Matos e Raquel Fiad: os pés atentos e possibilitadores da trajetória bem feita.

Ao CNPQ: os pés de aberturas do devir.

Aos meus pés: os pés que não cansam de caminhadas, de descobertas, de memórias, de histórias... De novas histórias!

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xi

“(O trem apita. Seu som se aproxima cada vez mais forte.) II – É ele... De que lado será que vem?

III – Não importa, o que importa é que vem.

I – Eu quero ser...

(Black out. Apito ensurdecedor do trem... De chegada ou de partida: à pedida).”

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xiii RESUMO

Caminhando. Assim se dá a trajetória dos acontecimentos, e nessa dissertação não seria diferente; ao contrário, assumidamente, o corpo desse trabalho apresenta uma trajetória que se sustenta por estradas já trilhadas, que vieram a ser e que ainda serão. O objetivo desse estudo é tatear possíveis maneiras que o texto teatral pode ser trabalhado em sala de aula. A proposta de adentrar o campo escolar com o texto dramático vem atrelada à questão da oferta da leitura pelo prazer, entendimento e interpretação, e não a leitura como, e apenas, decodificação de signos; a busca de fato é por uma leitura pela produção de múltiplos sentidos, por quais apreensões e significações nascem quando esta é possibilitada de forma ampla, pela interpretação vinculada à bagagem que o sujeito-leitor traz consigo em seu percurso sócio-histórico. Sob esse prisma, de que o sujeito é história, e traz em si suas histórias, cria/ tece na relação em sala de aula tantas outras histórias, o trabalho com o texto dramático possibilitaria a criação de outras tantas histórias. Assim, busca-se leituras ainda não lidas. Leituras pelos olhos de quem se lê ao tempo que lê, de quem se permite ler sem medo de interpretar, de quem se permite ler de forma polissêmica e que encontra no texto que lê várias vozes atravessadas, e que atravessam o leitor. O caminho se fez à luz de discussões e mapeamentos sobre a história da leitura e o leitor sócio-histórico (CHARTIER, 1996, 1999, 2002), sobre a Teoria da Interpretação e Hermenêutica (RICOUER, 1977; CORETH, 1973) e ainda sobre conceitos de gênero e dialogismo (BAKHTIN, 2003, 2004). Na caminhada encontramos novos caminhos e personagens importantes que passaram a fazer parte dessa trajetória, que são o Grupo XIX de Teatro e o Grupo Galpão, dois grupos de referência com trabalho teatral no Brasil e que foram entrevistados sobre as possibilidades para se ler o teatro, trazendo para as discussões presentes neste trabalho novos olhares sobre os caminhos que a leitura, bem como a arte, podem estar vivas e serem vividas no contexto escolar.

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xv ABSTRACT

Moving. That is the course of the events, and in this dissertation it would not be different; on the contrary, on purpose, the content of this work presents a route that exists through ridden roads that come to be and still will be. The objective of this study is to search possible means by which the theatrical text (drama text) can be worked out in the classroom. The wish to enter the school field with the theatrical text is linked with the question of offering reading activities based on pleasure, understanding and interpretation, and not based on sign decoding only; our search aims at a type of reading that produces multiple meanings that are born when it is facilitated intensively by interpretation related to the background the reader has – a background built along his social historical life. From this point of view that the reader is history, and brings about stories, and weaves many other stories in the classroom, the work with the theatrical text would promote the creation of many other stories. So, we look for readings not read yet. Reading through the eyes of one who reads himself when he reads, of one that allows himself to fearless interpretation, of one that reads in a multiple way and that finds out in the text read various crisscrossed voices that cross the reader himself. The route was constructed in the light of discussions and the mapping of the history of reading and the socio-historical reader (CHARTIER, 1996, 1999, 2002) of interpretation Theory and Hermeneutics (RICOEUR, 1977; CORETH, 1973), including concepts of gender and interactionism (BAKHTIN, 2003, 2004). Along the way, we have found other ways and important characters that were added to our trip: Grupo XIX de Teatro and Grupo Galpão, two theatrical reference groups in Brazil – they were interviewed about the possibilities of reading the theater, bringing to the present dissertation new insights about the ways that reading and arts in general can be lived in schools.

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xvii SUMÁRIO PRÓLOGO: O MAPEAMENTO...21 PRIMEIRO SINAL...24 Solilóquio do EU...24 SEGUNDO SINAL...29 TERCEIRO SINAL...34

PRIMEIRO ATO: A HISTÓRIA...35

CAMINHANDO DE CÁ PRA LÁ...37

O “ser” leitor de teatro...39

Pelas colunas dórias, jônicas e coríntias...52

Pelos ermos, vielas e catedrais...54

Pelas páginas, pautas e teclados...56

Agora, de lá pra cá...57

SEGUNDO ATO: O TERRITÓRIO...63

“DECIFRA-ME OU TE DEVORO”...65

O que o olho vê?...68

Gerando outro, pelo outro...74

Decifrou-me ou te devorei?...84

TERCEIRO ATO: O CAMINHO...85

CALÇAR-SE “COM AMBAS AS MÃOS”...87

O(s) caminho(s)...88

XIX...98

Galpão...104

Caminhar, caminhar, caminhar...110

QUARTO ATO: O ENCONTRO...113

A METALINGUAGEM DE LER LEITORES...115

Grupo XIX de Teatro...116

Grupo Galpão...119

Os novos passos, os novos olhos...125

As pedras da seleção...130 As pedras do acontecimento...133 As pedras da “verticalização”...137 As pedras do coletivo...140 As pedras da plateia...142 As pedras do como...147 As pedras da escola...149 Breve Suspiro...152

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EPÍLOGO: A EXPRESSÃO ...155

CAMINHADO E AINDA ANDO!...157

Pelo caminho das pedras amarelas...158

O coletivo...160 As leituras...161 As maneiras...162 As significações...164 As verticalizações...165 Te(x)tando...166 Referências Bibliográficas ...175 ANEXO I... ... 181 ANEXO II... ...183 ANEXO III... ...193 ANEXOIV... ...201 ANEXO V... ...203

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Caminho é assim: construído e constitutivo. Pega-se pelas mãos de um, de outro e se segue por aí, pelos novos territórios ao abrir de olhos, de tantos olhos pelo mundo, pelos tantos mundos. O caminho está até ser pisado, pois quando o é, passa a ser. Onde há horizonte, há estrada, há passo, há pegada, há sempre nova caminhada feita de um que são todos, de todos que são um. Para caminhar é preciso se perder, pois perdendo é que se acha, se encontra no encontro por encontros já vividos e encontros que virão. A obra plástica de Pablo Picasso “A Família de Saltimbancos” (1905) traz o encontro de caminhantes de longas jornadas. Os olhos cansados de quem caminhou mostra que andar não é tão fácil assim; cada olhar em um direção suscitam que o caminho é de escolhas e elas são diferentes para cada um. Um encontro parado, mas vivo pelas direções que olham na busca incessante em caminhar, pois sempre é tempo de buscar o novo, de novo. Peguemos carona com essa caravana de artistas para andar por esta dissertação revestida de novos olhos, de novas buscas, de novos quereres. O caminho é de descobertas, armadilhas, encruzilhadas, escolhas... O caminho é de pisar, de criar, de “infinitar”. Caminhemo-nos!

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PRÓLOGO

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[É o fim de um dia. Vindo da esquerda, surge Bufo em passos lentos. Para, súbito olhando assustado para os caminhos à sua frente. Olha para um lado, Olha para o outro. Está visivelmente indeciso. Logo surgem, vindos do mesmo lugar, Lorde e Bela. (...).]

BUFO - E agora?

[Bela e Lorde olham em silêncio, sem entender a razão da interrupção e sem ter o que responder. Durante esse momento de silêncio e vindo do mesmo lugar dos demais, surge Roto, o último membro do cortejo (...). Está em cena a caravana da ilusão. São quatro figuras exauridas pelo cansaço das longas caminhadas (...) melancólicas pela nobreza envelhecida, envilecida e esfarrapada de suas roupas de cores, outrora fortes, mas agora pálidas e que, apesar disso, conservam a altivez nas atitudes e a intensidade nos sentimentos, movidos, quem sabe, pela fé e a esperança que lhes vêm no sangue desde tempos imemoriais (...).]

BUFO - O caminho se bifurca... LORDE – Não entendi.

BUFO - Chegamos a uma encruzilhada. Por onde seguir?

[A questão tem mais significado do que se aparenta. Todos se assustam como se nunca tivessem sido colocados diante de tal situação. (...) A pergunta fica no ar, sem resposta. Bufo tenta, olhando ao longe, descobrir para onde leva um e outro caminho. Seu esforço parece inútil. Volta-se humildemente.]

BUFO – E então, Lorde? Qual dos dois caminhos seguir? LORDE – Pergunte então qual dos três?

(Todos encaram Lorde como se ele tivesse profanado velhos dogmas. Bufo se aproxima ofendido e sem entender. Lorde tenta, com humildade, explicar-se.)

LORDE - Há também o caminho da volta.

(A afirmação, aparentemente óbvia, revolve sentimentos profundos em toda a trupe. Bufo controla explosivas energias enquanto encara ameaçadoramente Lorde.)

BUFO - O que está acontecendo com você, Lorde? (...) Você sempre soube que, pra gente como nós, não há volta nem retorno!

[(...) Bufo olha para trás, para o caminho que já percorreu (...).]

BUFO – Para trás já conhecemos tudo, temos que ir para frente, mano.1

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24 PRIMEIRO SINAL2

Os ensaios estavam a acontecer desde uma vida inteira. Em meio às cortinas que se estendem de uma ponta a outra dos palcos e beijam os tablados que estalam a cada novo corpo que adentra com novas histórias por ruidosos caminhos de muitas andanças, os destinos vão se tecendo. Entre encontros, brindes, evoés e epifanias, estendem-se pelos varais da memória as marcas que tateiam o cerne-universo-paralelo de cada um e que significa sem percepções, mas por espontaneísmo que nos forma em doses experimentais – dado algo que nos faça em completude, pronto: estamos prontos para ousar pisar em novos palcos. São os quereres que nos constroem pelas vivências. Não se planeja o querer, se quer e pronto! Ao menos perceber, se está sendo, em gerúndio aclamativo de caminhando, ando, ando, ando... Até onde? Isso cabe às pernas alcançarem ao alçarem sonhos.

Apresento-me nesse mais um ensaio da vida como o personagem “Eu”, experimentador de caminhos, à luz de perspectivas e expectativas que cabem à busca e à valoração da busca que almejo consciente e inconsciente; afinal, não temos o domínio sobre o todo, e aí está a engrenagem da vida: a descoberta.

Solilóquio do Eu

Eu era tantos... Diversos. Engatinhei em primazia sobre universos de encantamento. Era convidado por minha mãe para dormir em meio a lençóis, um teto estrelado e suas palavras (ben)ditas saída das linhas de livros que ficavam sobre o criado-mudo de meu quarto. Contos sobre chapéus, lobos, vovós, Joãos, Marias, bruxas, maçãs, sapatos, porcos, fadas, e por aí vão numerosos convites que minha mãe me fazia para a imersão em mundos outros que cabiam a mim imaginar. E eu deliciosamente os fazia: era eu um “fazedor” de mundos.

Pegava quase sempre um livro que ficava na estante da sala, com uma capa preta, com várias pessoas na frente e alguns sinais de “x” vermelho que passavam sobre alguns rostos, e dizia para minha mãe: “Quando vou ler sozinho esse?” Me deslumbrava com a imagem da

2 No teatro, são acionados antes de se dar início a uma apresentação, o Primeiro Sinal, Segundo Sinal e

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capa, com a quantidade de páginas, linhas, palavras e achava mágico pensar que alguém tinha a magia nos olhos capaz de se por a ler tudo aquilo.

Ler era a primeira conquista, a primeira busca. Realizei-me ao ler. Quando comecei, mais uma vez, minha mãe (a leitora dos meus sonhos) me levou a uma livraria e comprou três livros para mim... Eram para mim! Recordo-me os nomes: “O caminho das nuvens”, “A menina de trapos” e “O toró”. Foi quando descobri que toró era chuva forte, e daí qualquer chuvisco para mim virara toró, só pra poder falar essa palavra nova que fazia parte de mim a partir de então.

E daí caminhei, lendo e me tornando de “Felicidade clandestina”3 com os livros que

me chegavam às mãos “não mais uma garota e seu livro, mas uma mulher com seu amante”. Talvez praticar assiduamente a leitura, fez-me apaixonar por escrever. Eram cartas e mais cartas que corriam às mãos de minhas avós, tias, mãe... Um dia minha avó me chamou em seu quarto e tirou de um baú que ficava na cabeceira de sua cama, junto as inúmeras cartas que lhe mandava, um livro: “Esse minha professora me deu na primeira série.” Tinha a Branca de Neve desenhada na capa e era composto por sete contos – eu adorava ler um que se chamava “O Machado de Prata”. Dentro do livro, uma dedicatória da professora “Para a menina Shirley, que tanto gosta de ler”. Mais uma vez a magia transbordava pelas páginas, queria eu também receber de quem me ensinou a ler um presente como esse.

Talvez tanto querer ultrapasse de dentro da gente. No final de minha segunda série, minha professora me presenteou com “Para no P da Poesia”, livro que eu pegava toda semana na biblioteca da escola e praticamente o tinha decorado. Hipnotizava-me aquela leitura que soava como música. Na primeira página do grande presente estava escrito “Para o Juliano, que brinca de ser poeta”. Não sei se brincava de ser poeta, mas sei que passava grandes relógios em busca de ler algo novo, algo mais, algo.

Na escola onde estudava havia uma professora que dava aula na quarta série e que todo final de ano apresentava um peça de teatro com seus alunos. Então, desde minha primeira série, no final do ano, estava eu sentado no anfiteatro da escola para assistir à peça que a quarta série apresentaria. Sabia que uma hora seria eu que iria estar ali no palco; afinal, eu iria chegar à quarta série.

Lembro-me da peça a que assisti quando eu estava na terceira série. Contava sobre a história da cidade. Minha mãe estava do meu lado esse dia. Quando terminou, eu virei pra ela

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e disse “Ano que vem sou eu!”. Ela sorriu e foi falar com a professora que montava os espetáculos na escola. “Dona Lygia, esse será seu aluno ano que vem. Ele está louco pra fazer teatro”. E eu estava. Não sabia o que era, mas queria experimentar.

Enfim, o ano chegou, mas tantos quereres nos escapam. No ano que eu iria para a turma da escola com a professora que fazia teatro, a turma se dividiu e eu não fiquei com ela. Minha mãe tentou me mudar de sala, mas não teve jeito. Fiquei eu só com os olhos e as vontades. Naquele ano montaram “Romeu e Julieta” da Ana Maria Machado, que era a história de “Romeu e Julieta” do Shakespeare, mas os personagens eram borboletas. Eu, sentado, assistia no final do ano com todo o desejo de estar.

Não foi um dia tão feliz. Chorei, pois queria estar lá e não cá, assistindo, pois por direito era a minha vez. Saindo do teatro com minha mãe, ela passou da livraria e, quem sabe, com a intenção de me fazer sorrisos, me deu um livro, o maior até então que tinha chegado em minhas mãos: “Sonho de uma noite de Verão”, do Shakespeare, com tradução e adaptação da Ana Maria Machado (tenho ele até hoje). Sorri, o abri, folhei, olhei, e... “Mãe, esse é diferente!” Ela me disse, então, que era um livro de teatro. A dúvida veio instantânea. Queria dizer ela que os teatros saem dos livros, seria isso? A grande descoberta daquele dia deixou de ser que eu não haveria sido o ator da tarde, mas que os teatros nascem das linhas, dos livros, aqueles dos quais era eu o “amante”.

Li o “Sonho” e sonhei com Titânia4 dormindo sobre a copa das árvores. Caminhei.

Dois anos mais tarde, após o encontro entre os livros e o teatro e buscar devorá-los onde me competia a leitura até então, por obras de Maria Clara Machado, uma grande dramaturga de minha infância/ adolescência/ vida, encontrei aos 11 anos um curso de iniciação teatral. Era o momento de nova descoberta. Às terças-feiras, das 18 às 21 horas, me embebia do universo teatral em passos de princípios de um gosto que era meu, mas o estava descobrindo de dentro para fora. Algo que já me pertencia e que foi, paulatinamente, sendo despertado. Um ano de oficinas se consolidou com a montagem do espetáculo “A Gata Borralheira” da minha grande dramaturga, a Maria. Era eu João Jaca5 lá no palco, com um figurino vermelho de bolas brancas que minha mãe havia costurado. Sempre minha mãe... Acho que fomos nos descobrindo juntos.

4 Personagem da obra “Sonho de uma Noite de Verão” de William Shakespeare. 5 Personagem da obra “A Gata Borralheira” de Maria Clara Machado.

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De lá pra cá, não teve parada. Ingressei em um grupo de teatro de minha cidade (Matão, que fica no interior de São Paulo), o grupo Pegando N’arte. Com o grupo nasci nos personagens de um Burro, de Alonso, de José, de Uirapuru, até Jesus me passou por ali... Mas a instabilidade desenha a vida. O diretor do grupo foi teatralizar em outras terras, ficamos nós uma trupe sem chão. Enfraquecemos! Com as cabeças baixas não tínhamos força para gritar, ficamos com “Um grito parado no ar”6 e nos perdemos por alguns anos. Na verdade fomos

nos encontrar em outros momentos que precisávamos para ganhar força e retornar, porém, não sabíamos que isso aconteceria. Os caminhos e suas surpresas me fascinam.

Em 2006 ingressei na Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto para cursar Pedagogia e assim me mudei para Ribeirão Preto (cidade do interior de São Paulo). Tive minha formação de Ensino Médio no CEFAM (Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério), o que me aproximou e me fez descobrir mais um querer: a docência. Na universidade, me estreitei em pesquisas de leitura e práticas teatrais. E concomitantemente, ingressei em um curso técnico de teatro na Ong Ribeirão em Cena, que teve duração de um ano e meio. Encontrávamo-nos as segundas, terças e quartas-feiras, das 13:00 às 18:00 horas. Momentos de criação e evasão de sentires, onde pude experimentar e me certificar: o teatro era meu, era para mim nessa e em outras vidas. Como conclusão do curso montamos o espetáculo “A Casa de Bernarda Alba”, em que eu fazia a personagem Bernarda. Um novo desafio. Tantas novas descobertas.

Em 2010 retornei a Matão e comecei a lecionar Língua Portuguesa em uma instituição particular para 4º e 5º ano do Ensino Fundamental. Porém, mais uma descoberta estava por vir. Os meus companheiros de teatro da jornada passada estavam lá: todos também haviam dado continuidade a seus estudos e tinham nos corações a emergência pulsante do teatro, como eu também sempre a tive e nunca deixei de pulsar. Retornamos com um novo grupo. As mesmas pessoas, porém, outras, afinal, “as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas”7. Tínhamos a história de teatro vivida e impressa em nossos corpos, em nossas memórias, mas tínhamos agora outros quereres, outros olhares. Nasceu a Cia Labirinto de Teatro, formada por 11 integrantes. Em aproximadamente quatro anos a cidade de Matão ganhou por excelência um grupo que pensa o teatro como responsabilidade social. Montamos (e pluralizo o pronome, pois o trabalho no teatro nasce do coletivo, unicamente) “Valsa nº6”,

6 Espetáculo teatral escrito por Gianfrancesco Guarnieri. 7 Trecho da obra "Grande Sertão Veredas" de Guimarães Rosa.

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“Esperando... Um descalçar-se”, “Vão”, “A Cidade no Avesso”, “Rascunhos”, “A(r)risco: um passo à frente”, “Bodas de Sangue” e “... it...”. E mais uma vez as descobertas me encontram: fui convidado a dirigir o grupo; então, meu olhar de atuação passou para direção, mas na verdade sempre se manteve na veemência pelo teatro, em essência e completude.

Durante essa nascente de produções e vidas novas que se atualizam todos os dias na vida de quem vive a arte, tinha mais uma necessidade: estudar minhas paixões mais a fundo. Decidi reunir meus grandes amores: a educação, a leitura e o teatro. Produzi um projeto de pesquisa que intentava novas descobertas sobre essa “brincadeira conjunta”, e deu-se que no final de 2010, ingressei no Programa de Pós Graduação em Educação na Universidade Estadual de Campinas, pelo Grupo ALLE (Alfabetização, Leitura e Escrita) aos olhares descobridores do Prof. Dr. Ezequiel Theodoro da Silva.

E os caminhos foram se descobrindo, de novo, de novo, de novo,...

“A Gata Borralheira” (1998) “Intervenção Urbana”(2001) Curso de Iniciação Teatral Grupo Pegando N’arte

“A Casa de Bernarda Alba” (2007) “... it...” (2013) Ong Ribeirão em Cena Cia Labirinto de Teatro

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29 SEGUNDO SINAL

Apoiado por estudos, reflexões e discussões propiciadas durante as disciplinas que realizei no curso de pós Graduação em Educação na Faculdade de Educação e no Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas, bem como pelas reuniões de explanação e acompanhamento assíduo com meu orientador desta Dissertação de Mestrado, ainda, atravessado pelas experiências vivenciadas anteriormente à entrada no curso de Pós Graduação, pelas práticas teatrais e educacionais, e inspirado pelo tempo precioso em que estive com os grupos envolvidos durante a coleta de dados que resultou em um rico material para as análises que compõem essa dissertação, o caminho se fez.

Debruço-me sobre teóricos que conceituam reflexões sobre a educação, a leitura, o teatro, a arte-educação e determinados eixos conceituais que compõem necessariamente e com extrema importância para uma sustentação qualitativa deste trabalho. Estendo, assim, nas páginas que correm esse estudo, uma tentativa de investigar as possibilidades de práticas de leitura presentes em sala de aula com a utilização de textos do gênero dramático, a fim de tatear maneiras da imersão do texto teatral no cotidiano das escolas, criando uma proximidade com o universo teatral dentro do cenário escolar e novas significações de trabalhos com leitura em sala de aula.

Viabilizando a escola como um grupo social (CANDIDO, 1985), ao talhar o corpo desta dissertação, surge a ideia (e não poderia ser outra) de relacioná-la ao teatro, e suas múltiplas formações que o estruturam (textos, modelos, formatos, que ilustram o corpo dessa dissertação), pois o modo como todo esse percurso se sucedeu, desde o momento da escrita do projeto de pesquisa para adentrar o Programa de Pós Graduação em Educação, deparei-me com cenas, minimamente tecidas e vividas como se estivesse (fazendo parte) de um espetáculo, com ciladas, momentos de angústia e alegria, ápices e desfecho. Segundo HERINTAGE (2000)

Acreditar que o teatro é um lugar em que o significado é feito e nunca completo faz com que se veja o teatro – e consequentemente o mundo – como um local de mutabilidade e, assim, de transformação. [...] o teatro envolve-nos em um processo de desatamento do mundo e mostra que a mudança é possível. [...] Desatar o mundo é, na visão de Brecht, estabelecer uma relação dialética com a sociedade que vivemos. ( p.15)

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Assim também passo a enxergar a escola: um ambiente que se significa pelo mundo e para o mundo, repleto de transformações que estão à margem da intervenção de seus pertencentes. Tendo como premissa a noção de que o teatro só acontece pela coletividade, também trago aqui a relação, pois, durante o processo, o coletivo se prostrou presente nas ações; afinal, não teria eu minha formação-histórica se não fosse esta advinda da relação com o outro. Isso se dá desde as leituras que minha mãe fazia para mim na hora de dormir, perpassando as vivências teatrais e acadêmicas na graduação e pós-graduação, pelo acompanhamento desse processo de pesquisa em conjunto com meu orientador e com o grupo ALLE, e pelos grupos que se dispuseram para as entrevistas realizadas, tudo isso traça um paralelo também pela busca atual de uma Educação Escolar qualitativa, por intermédio da prática democrática e do trabalho coletivo.

Diante das inquietações que circunscrevem esta pesquisa (se se busca novos caminhos é porque algo que parece estanque incomoda), nascem percepções de que, de um modo geral, o texto teatral não é de grande circulação pelas mãos de pessoas que não estejam diretamente ligadas ao teatro. Reconhecer o texto teatral como um gênero textual que compõe a história de leitura é, necessariamente, encontrar caminhos para que ele possa se propagar pelos cenários “mundos” afora, e não apenas cenários de quem vive o teatro no dia a dia, para montagem de espetáculos e/ ou estudos das Artes Cênicas. Assim, um grande propagador do gênero dramático poderia ser o ambiente escolar: lugar de excelência do conhecimento. Porém, trabalhar com o texto teatral nas escolas, visa, do ponto de vista desse inquieto pesquisador a quem leem, uma ideia de que este texto é vivo, e traz em si possibilidades tantas de leitura que muitas vezes podem passar despercebidas, não por vontade própria de quem trabalha com a prática de leitura nas escolas (os professores), mas por distanciamento – talvez por nem todos os professores terem intimidade com práticas de leitura desse gênero textual e/ou ainda com o teatro de maneira mais ampla.

Se tomarmos por base a leitura de um texto teatral por si só, já teríamos grandes mudanças na sala de aula. Porém, se formos além, para o campo da preparação, do direcionamento, da construção por intermédio de metodologias que concernem a um bom trabalho com o texto teatral em sala de aula, então passaremos a enxergar uma necessidade.

Esse campo da preparação dos processos de ensinagem (ANASTASIOU, 1998) é dado pelos professores, os propulsores do conhecimento em sala de aula. A busca pelo trabalho, no caso, com leituras de vários gêneros, dentre eles o dramático, deve partir do professor,

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adequando seus métodos à realidade de seus alunos; suas formações sócio-culturais, pois “o conhecimento se dá não apenas pela razão, mas pelo diálogo” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2008, p. 221), e é no diálogo que o professor pode e deve desenvolver o interesse no aluno, levando-o a apreciar essa modalidade de texto. O professor que percebe e busca inovar sua prática é o professor crítico-reflexivo (LIBÂNEO, 2002). Ainda conforme o autor, as práticas sociais cotidianas, dentre elas as da sala de aula, devem ser pensadas para “[...] um mundo compartilhado, constituindo-se uma comunidade reflexiva de compartilhamento de significados" (p. 69). É compartilhando significados que o professor irá preparar as suas aulas, calcadas em conteúdos completos, atendendo aos conceitos, procedimentos e atitudes adequadas (ZABALLA, 1998).

O professor deve estar preparado, deve ter competência para lidar com conteúdos e procedimentos que fazem parte do currículo e atualizar-se, estando em contato perene com o universo de seus alunos. Só assim podemos pensar em falar sobre uma docência de qualidade (RIOS, 2001).

O teatro, em essência, é uma arte antiga de origem popular. A entrada, permanência e fluência desse tipo de leitura no ambiente escolar aponta para um cenário de mudanças, pois possibilitaria a aproximação de todas as camadas sociais com a arte que outrora fora do povo e que hoje não atinge a todas as classes. A oferta em sala de aula com trabalhos abrangendo o texto teatral em relação à prática de leitura pode elencar o teatro como fundamental na educação e na formação integral do indivíduo.

A proposta de adentrar o campo escolar com o texto dramático vem atrelada à questão da oferta da leitura pelo prazer, entendimento e interpretação, e não à leitura como, e apenas, decodificação de signos: a busca, de fato, é por uma leitura pela produção de múltiplos sentidos por quais apreensões e significações nascem por meio da leitura quando esta é possibilitada de forma ampla, na busca pela compreensão de um texto vinculado “à bagagem que o sujeito-leitor carrega, sua ideologia, seu contexto sócio-histórico” (PACÍFICO; ROMÃO, 2006, p.10).

Sob esse prisma, de que o sujeito é história, e traz em si suas histórias, cria/ tece na relação em sala de aula tantas outras histórias, afinal, “uma sala de aula constitui uma minissociedade, onde as personalidades, tendências e necessidades dos alunos que a compõem são diversificadas” (REVERBEL, 1997, p.40), o trabalho com o texto dramático possibilitaria a criação de outras tantas histórias.

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Assim, o trabalho com o texto teatral visa oportunizar leituras ainda não “lidas”. Leituras pelos olhos de quem se lê ao tempo que lê, de quem se permite ler sem medo de interpretar, de quem se permite ler de forma polissêmica e que encontra no texto que lê várias vozes atravessadas, e que atravessam o leitor (AUTHIER-REVUZ, 1998), cruzando-se e tecendo para o leitor do momento uma interpretação de determinada história, que pode gerar outra interpretação a outro leitor, em um mesmo lugar, em um mesmo momento, porém, com outra formação sócio-histórica. A passagem de Silva (2005), transcrita a seguir, sintetiza estas afirmações sobre ao ato de ler que

[...] inicia-se quando um sujeito, através da sua percepção, toma consciência de documentos escritos existentes no mundo. Ao buscar a intencionalidade, o sujeito abre-se para possibilidades de significação, para as proposições de mundo que os signos do documento evocam ou sugerem.

Ao buscar a compreensão do texto, [...] o sujeito executa as atividades de constatação, cotejo e transformação [...]. (p.95)

Ao lermos nos aceitando como leitores produtores de sentidos, filiamo-nos ao que acreditamos, já que "o(s) sentido(s) atribuídos a uma realidade, a um texto, a um fato, corresponde(m) à verdade, e que essa verdade nos pertence" (CORACINI, 2005: 23).

Dessa forma, tomando um texto dramático para o trabalho com leitura em sala de aula, temos um texto repleto de lacunas, que devem ser preenchidos, completados no imaginário do leitor enquanto lê. Assim, o leitor do texto teatral acaba por se tornar um encenador virtual de um espetáculo virtual (SANT’ANNA, 1995). Portanto, estamos falando de um texto aberto à intervenção de seus leitores que o completarão segundo os seus respectivos imaginários.

O leitor de teatro percebe-se na necessidade de agitar sua imaginação, sob pena de permanecer impermeável ao texto (MOISÉS, 1969). Ainda, à luz de Moisés (1969), cabe afirmar que o texto teatral é um exercício constante de imaginação, de criação, pois sua natureza está associada ao azo de encenar pelo modo que interpreta. Portanto, o leitor do texto teatral acaba por realizar uma leitura significativa e criativa, sem medo de dialogar com suas interpretações ou ainda com outros textos para que haja uma compreensão mais ampla.

Quanto ao diálogo com o texto teatral, podemos aqui suscitar questões de diálogos possíveis que eles trazem. Pensando na estrutura de um texto que é uma peça de teatro, vemos que ele é construído de modo diferente dos demais, pois ele traz diálogos (das personagens, entre si) e as didascálias (as ações, emoções, sensações de que as personagens são tomadas e que estão ditas entre parênteses no corpo do texto) que são também diálogos, e que oferecem

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a oportunidade de lermos o texto vendo-o sob vários ângulos, podendo conversar com o texto: é como se adentrássemos o texto e pudéssemos passear por entre as linhas, ouvindo e vendo o que acontece com as personagens antes mesmo que aconteça. Um verdadeiro privilégio.

Ubersfeld (1978, 1980) alude para a leitura do texto teatral como uma leitura que prepara para as condições de produção de sentido. Assim, podemos levantar que tal leitura oferece uma gama de origem de sentidos, que envolve não só quem escreve o texto, mas quem o lê, quem o encena, quem vê a cena, enfim, que é capturado pela troca da produção de sentidos.

A produção de sentidos se dá pelo diálogo com o texto aberto, e não com o texto fechado, no caso, mostrado para os alunos, com sentido único. Conversando com o texto, o leitor troca informações, acessando seus conhecimentos já obtidos, novos conhecimentos que o texto lhe traz, e conhecimentos que conversam com outros textos, que podem estar dentro do texto que está sendo lido. É o que Bakhtin (2004) chama de dialogismo na intertextualidade.

Esse sentido de dialogismo é mais explorado e conhecido e até mesmo apontado como o princípio que costura o conjunto de investigações de Bakhtin. Ponto de intersecção de muitos diálogos, cruzamento de vozes oriundas de práticas de linguagem socialmente diversificada, o texto, assim concebido, tem sua melhor representação [...] (BARROS, 1994, p.4)

A intertextualidade para Bakhtin nasce do diálogo, da troca dentro do texto, e então, reproduzindo e relacionando o texto lido com outros textos. Ainda, o diálogo é a ação dramática, que se situa sobre o percurso da história e sobre outras linguagens e elementos que estão no texto. É dessa relação de diálogos (do texto lido com outros já lidos, quiçá, vividos) que serão transpostos para a encenação – no palco ou na imaginação – à interpretação dos leitores.

Buscar caminhos da leitura do texto teatral na escola é uma busca pela existência do teatro na escola e por novos olhares e possibilidades de se ler. De se permitir ser leitor e criador de histórias. Assim, para encontrar meios desse trabalho com significação, buscou-se por grupos de teatro (“Grupo XIX de Teatro”, da cidade de São Paulo e “Grupo Galpão”, da cidade de Belo Horizonte) que vivem em contato direto com obras teatrais, a fim de conhecer as formas, maneiras que a leitura acontece, no caso, com o intuito da verticalização do texto; afinal, está ele nas páginas e quando se tornam espetáculos montados, saltam e se colocam em

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pé para a leitura dos espectadores. Estar com os grupos de teatro e buscar conhecer suas leituras, foi uma tentativa de encontrar caminhos possíveis de leitura de textos teatrais que podem ser vividos nas salas de aula. Porém, a intenção não é que todo texto de teatro trabalhado na escola se transforme em uma montagem de espetáculo. É pela experiência que se permite, frente à emergência o seu ser leitor (SILVA, 2005: 95). A intenção é que todo texto teatral trabalhado na escola possibilite o descobrimento, o desvendamento, a criação e a permissão de novos mundos que habitam cada um de seus leitores.

TERCEIRO SINAL

O espetáculo que consta nesta Dissertação de Mestrado se elenca: O MAPEAMENTO – breve parecer de trajetória do personagem “Eu” diante do que o leva à busca pelos questionamentos que fazem parte do corpo dessa Dissertação; A HISTÓRIA – percurso panorâmico geral da história das práticas de leitura e do teatro ao longo dos séculos, desde a Antiguidade até os dias atuais, e ainda, histórias de minhas práticas leitoras enquanto professor/ ator/ diretor e leitor de teatro; O TERRITÓRIO – apresentação do embasamento teórico que abarca as discussões dessa Dissertação, à luz da Teoria da Interpretação (Hermenêutica) e dos Gêneros Textuais; O CAMINHO – descrição do percurso metodológico que se estende desde a intenção primária dessa Dissertação até a realização da coleta e análise de dados; O ENCONTRO – análises dos dados obtidos através das entrevistas realizadas, com a finalidade de dialogar entre as falas, caminhos possíveis para o trabalho com o texto teatral em sala de aula; A EXPRESSÃO – apresentação das impressões que surgiram e se firmaram durante o processo desse estudo.

À guisa de finalizar essas considerações introdutórias para uma melhor compreensão sobre como se dará o espetáculo, pontuo o sentimento de satisfação, este que vem acarretado por valores agora embutidos de uma consciência de necessidades de transformações em relação ao que e como se lê no ambiente escolar, na tentativa de, sempre, buscar caminhos satisfatórios para a realização de uma prática de leitura profícua e de significação, e pela aproximação do universo teatral e da leitura, por intermédio da prática de leitura bem sucedida, com a escola - na realidade com o ser humano.

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PRIMEIRO ATO

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SÔNIA - (senta-se ao piano. Breve trecho da Valsa nº 6) Eu estava tocando a Valsa, a pedido de alguém. (para a platéia) Foi, não foi? Então, esse alguém veio devagarinho, pelas costas... (golpe no piano) E que mais, meu Deus? que mais? (fremente) Não havia mais ninguém na sala. Só nós dois... (golpe no piano) Mas então eu tive um mau pressentimento... Parei de to... A pessoa pediu: CONTINUE! CONTINUE! (toca e pára) Gritava: MAIS! MAIS! MAIS! SEMPRE MAIS! (toca e pára) E depois... (para a platéia) Que aconteceu depois? (espantada) As lembranças chegam a mim aos pedaços. . . Ainda agora, eu era menina. (muda-se em menina. Corre, pelo palco, trocando as pernas) Onde está a Margarida, olé, oh, olá? (põe-se de joelhos para espiar as águas de imaginário rio) Vejo restos de memória, boiando num rio, (aponta o chão) Num rio que talvez não exista... (ri, feliz) Passam na corrente gestos e fatos. (apanha na água invisível, com as pontos dos dedos, algo que teoricamente goteja) Eis um fato antigo. (aponta para o ar) Vejo também pedaços de mim mesma por toda parte... ( numa revolta) Meu Deus, como era mesmo o meu rosto, meus cabelos, cada uma de minhas feições? (para uma espectadora) Minha senhora, esqueci meu rosto em algum lugar. (feroz) Mas eu não saio daqui, antes de saber quem sou e como sou.8

CAMINHANDO DE CÁ PARA LÁ

O tempo deixa marcas. Nelson Rodrigues9 nos traz essa certeza pelo fragmento de “Valsa nº 6”. Sônia está perdida em seu tempo psicológico; as memórias estão desconexas, mas existem, e cabe a ela organizá-las para entender... Para se entender!

Na tentativa de caminhar com novos olhares sobre o cenário escolar, no que diz respeito às práticas de leitura, torna-se necessário um movimento de antemão: conhecer algumas trajetórias que me levaram a ler o teatro como o leio hoje e ainda, brevemente, passear por percursos da história da leitura que foram, ao longo do tempo, modificando-se e constituindo-se no que vemos (ou não) hoje nas escolas. Sabe-se que tem a escola grande responsabilidade na formação global do indivíduo e, sendo assim, sob o prisma da leitura.

8 Trecho do texto teatral “Valsa nº 6”. (RODRIGUES, N. 2004: 159, 160) 9 Dramaturgo brasileiro.

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Kramer (2001) explana sobre a formação de leitores dentro da escola, que deve ocorrer pautada na ideia de que

[...] alunos e alunas têm o direito de ler e escrever, têm o direito de gostar e de não gostar de ler. Precisam, pois, de acesso a textos dos mais diferentes tipos e a práticas de leitura e de escrita, práticas revestidas de significado e que se consolidem como experiências efetivas, e não como meros exercícios para prestar contas à contabilidade escolar e suas exigências burocráticas. [...] (p.192)

É plausível salientar que é necessário que sejam dadas condições de produção para a realização de leituras culturais desde a educação infantil até o ensino superior. Assim, na busca de encontrar os históricos por onde as formas e práticas de leitura passaram para se firmarem no cenário de leitura atual, filiar-se aos conceitos de Chartier (1999) torna-se uma necessidade imensurável, já que este a delineia uma ótica sócio-histórica, tomando a leitura numa dinâmica de ser

[...] sempre apropriação, invenção, produção de significados (...). Toda história da leitura supõe, em seu princípio, esta liberdade do leitor que desloca e subverte aquilo que o livro lhe pretende impor. Mas esta liberdade leitora não é jamais absoluta. Ela é cercada por limitações derivadas das capacidades, convenções e hábitos que caracterizam, em suas diferenças, as práticas de leitura. Os gestos mudam segundo os tempos e lugares, os objetos lidos e as razões de ler. (p. 77)

Os percursos da leitura não poderiam ser de outra forma que sobre caminhos tantos; afinal, se ao tempo que lemos essa passagem já tornamo-nos outro, as formas e sentidos de se ler também foram ao longo da história (vão) se tornando outros, mais tantos, e é aí que se encontra a razão de ler... Sermos tantos.

Discorre-se a seguir uma passagem sobre meus caminhos como leitor/ ator/ professor/ diretor de teatro, na tentativa de tatear como cheguei às minhas indagações e de explanar minhas percepções enquanto um praticante assíduo de leitura de textos teatrais.

Segundo, segue a tentativa de um quadro “geral”, sem a intenção de esgotar o assunto – já que os apontamentos são meramente ilustrativos, com grandes saltos esquemáticos na história da leitura - de um breve panorama sobre a evolução das práticas de leitura ao longo da história, sobre alguns caminhos que a leitura trilhou para chegar na(s) forma(s) que a vemos (lemos). Se bem que, ao falarmos em forma, damos um ar de formatação, e a leitura não se vale disso. É o leitor que a sente por um viés próprio que o sustenta na assiduidade de seu ser leitor.

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Portanto, não serão todos os caminhos os ditos por aqui, certamente; o todo nem existe nas extensas bibliografias acadêmicas, por coadjuvante que seja. Alguma prática de se ler pode ter pegado um caminho diferente, um atalho pela floresta, e se perdeu na história, e ainda bem, senão não haveria porque ter história já que esta se sustenta além das evidências e porque, para tê-las, é preciso a dúvida, a suposição, o “e se?”.

O “ser” leitor de teatro10*

Sou eu um leitor de teatro por excelência. Porém, pra mim, a leitura de teatro não se dá apenas no ato de passar os olhos por um texto de gênero dramático, mas sim, por todo texto que lhe peça uma peça, pregando-lhe uma peça de não ser teatro, quando na verdade o pode ser.

Se somos história, cabe aqui tornar-me contador de minha história, a história de meus olhos camaleônicos que foram se transformando ao longo de leituras vividas de textos teatrais.

Atualmente, sou coordenador de um espaço cultural na cidade de Matão/ SP, a Casa PIPA (Plataforma Internacional de Produção Artística), nessa casa é onde se encontra também a sede do grupo teatral de que faço parte, Cia. Labirinto de Teatro, que existe na cidade há aproximadamente quatro anos e é composta por onze atores (Caio Rodrigues, Ellen Candido, Geovani dos Reis, Gizele Cordeiro, Juliano Jacopini, Mabê Henrique, Melissa Mel, Leila Guerreiro, Patricia Campi, Simone Marcondes e Thiago Gardini). Grande parte dos integrantes da Cia. Labirinto estão na estrada do teatro junto a mim há longas memórias... Desde quando iniciei meu primeiro curso de teatro, na Casa da Cultura de Matão, em 1998. De lá pra cá, tive o privilégio de ter pelas minhas mãos, ou meus olhos, ou melhor, minha vida, textos teatrais, e textos que se transformaram em teatrais; além de lê-los, tive a oportunidade de assistir vários espetáculos que me tocaram, de toque e de prosseguir, de ir em frente, frente sempre a novas buscas de olhares sobre o teatro.

10* Informações sobre a Cia. Labirinto de Teatro e sobre a Casa PIPA extraídas dos sites:

www.cialabirinto.com.br - www.casapipa.art.br;

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Tenho a impressão de que é mais viável ser um “contador de antemão” - de trás pra frente, de presente para passado – e para isso inicio minhas impressões, literalmente impressas em mim, de leitor/ ator/ professor/ diretor de teatro. Nos últimos trabalhos que desenvolvi junto à Cia. Labirinto, deparamo-nos como uma emergência de um teatro de pesquisa, que nasça do coletivo, da tomada de vastos e vários sentidos para um trabalho a ser realizado. O último trabalho, “... it...”, estreado em janeiro de 2013, dirigido pelo iraniano Khosro Adibi (bailarino) traz para a cena um novo olhar sobre as pesquisas do grupo que está desdobrando trabalhos sobre o corpo do ator, o corpo vivo que fala e que transmite o texto antes mesmo da palavra, e, no caso desse espetáculo, um corpo sem palavras. “... it...” nasce como experimento de um trabalho intensivo de pesquisa de teatro físico realizado em três semanas, em um total aproximado de 200 horas de trabalho. Em 2012 tivemos a estreia de “Bodas de Sangue” (em junho), do poeta e dramaturgo espanhol Federico Garcia Lorca, e a estreia de “A(R)RISCO: um passo à frente” (em maio), baseado no poema “Passagem das Horas” de Álvaro de Campos; em 2011 estreamos “Rascunhos” (em outubro), com texto de criação coletiva, e também “A Cidade no Avesso” (em setembro), de minha autoria; ainda, no ano de 2010, estreamos “Valsa nº 6” (em junho), do dramaturgo Nelson Rodrigues. Cabe ressaltar dois experimentos cênicos: “Vão” (julho de 2012), de minha autoria, e “Esperando... Um descalçar-se” (julho de 2011), baseado na obra “Esperando Godot” de Samuel Beckett, realizados durante o “Festival Fronteiras Brasil” que acontece na cidade de Matão, e reúne arte-educadores do mundo inteiro para pensar e realizar arte-educação nas comunidades da cidade, e que no ano de 2013, estará, em Matão, na sua quinta edição.

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“A(R)RISCO: um passo à frente” (2012) “Rascunhos” (2011)

“A Cidade no Avesso” (2011) “Vão” (2011)

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Essas montagens fazem parte do repertório de espetáculos da Cia. Labirinto de Teatro, que busca o profissionalismo em seu trabalho com o caráter de um teatro de pesquisa. Com encontros que se contemplam em 16 horas semanais, buscamos a atualização contínua de aperfeiçoamentos com cursos, leituras e práticas diversas para o trabalho de ator durante as montagens de nossos espetáculos, que surgem advindas sempre do processo de pesquisa. Nos quase quatro anos de existência filiamo-nos a uma busca identitária de nosso trabalho que se amplifica com textos consagrados, ensaios textuais de nossa autoria e a dramaturgia do corpo. Para isso, embasamo-nos em teóricos do teatro e outros que se acoplam a nossa busca, como Jerzy Grotowski, Thomas Richards, Luís Otávio Burnier, Renato Ferracini, Antonin Artaud, Eugenio Barba, Rudolf Laban, Peter Brook, Constantin Stanislavski, entre outros.

As propostas de exercícios de nossos encontros são debruçadas em uma prática coletiva de expansão do conhecimento para o experimento. Assim, os exercícios se concentram na busca de ações básicas que já compõem nosso corpo e que irão vir a corpor. Um teatro corpóreo dialógico é o que buscamos na ânsia de mergulhar nesse corpo territorial que acreditamos já o tê-lo, mapeando-o em todas as possibilidades. O corpo é mutação. Não existem limites para ele. E sobre essa consciência buscamos a desterritorialização de nossos corpos. Arraigados pela ideia de acontecimento, buscamos acontecer de todas as formas que até então nossos corpos não conheciam, mas já existiam.

Assim, buscamos exercícios que liguem e atem os fios que estamos tecendo, e apoiamo-nos em laboratórios estruturais para a criação e conscientização de um corpo que fala sem palavras, de um corpo que age com estímulos sequenciais e racionalizados em plasticidades emocionais, em fotografias em movimento.

A busca do corpo não isenta a palavra; ao contrário, torna-a mais forte. Em 15 anos trabalhando com teatro, tive pelas minhas mãos textos não só de teatro, mas que em minha cabeça (essa sim de teatro, afinal, como ator e diretor, sou um tecelão de imagens) se transformavam em cenas, e que eu, como leitor que vai amadurecendo, fui transformando minha ótica e me permitindo sempre novas formas de ler.

As palavras se permitem para os que as permitem. Um texto diz em suas linhas tantas outras linhas para a possibilidade e o convite de leituras polissêmicas que cercam seus leitores em processo de criação de tantos outros olhos. Os signos, os símbolos, as metáforas, os versos, os diálogos, tudo é costurado à mão frouxa, para que nossos olhos atem suas linhas

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firmando uma realização de processo de criação significativo para quem participa e se entrega.

Se tomar como exemplo algumas montagens de que participei junto à Cia. Labirinto de Teatro, percebo o quanto meus olhos se permitiram ler de diversas formas, como quando, na posição de diretor, ao ler um monólogo junto a Cia. e enxergar a possibilidade (ou necessidade) de oito personagens em cena, desdobráveis da mesma, e que ainda são a mesma lendo Nelson Rodrigues imbricando a psicologia Junguiana (“Valsa nº 6”, 2010), há também quando Lorca e todo seu rito poético dramático me convida, ao passo que convido um elenco, a dar vida a uma Lua e fazê-la a tecedora de toda uma trama trágica em suas tantas faces que nos aparecem (“Bodas de Sangue”, 2012); ainda, quando uma poema vira corpo e se diz em cada extremidade do ator com palavras não-ditas, mas vividas em “Passagem das Horas” de uma vida inteira (“A(R)RISCO: um passo à frente”, 2012), ou quando convido um elenco de mulheres para pensar o feminino, coletar depoimentos e desenvolverem suas dramaturgias frente a eixos temáticos como o nascimento, o casamento, a solidão (“Rascunhos”, 2011).

Nos trabalhos acima citados tive a participação com o olhar de diretor (exceto “Valsa nº 6”, de que participei com atuação e direção), porém ainda há dois outros trabalhos que requerem atenção, e que fora mais um passeio de permissão em meu caminho, o espetáculo infantil “A Cidade no Avesso” (2011) e o experimento cênico “Vão” (2011): em ambos apresento-me como dramaturgo e diretor.

Os processos de pesquisa desses trabalhos são, por excelência, coletivos.

Tomando por base exemplos de leituras de dois clássicos da dramaturgia que tivemos a oportunidade (a coragem) de montar, em “Valsa nº 6”, Sônia é a personagem do monólogo de Nelson Rodrigues, que traz nas didascálias indicações de um cenário onde há um piano em que a personagem toca a “Valsa” de Chopin. Em nossa montagem, ao lermos a necessidade do desdobramento de Sônia em várias “Sônias” e suas sombras, colocamos oito personagens em cena que dizem a Sônia de Nelson Rodrigues como os nossos olhos a veem; o figurino mostra quem está se arrumando para o baile de 15 anos, com o vestido pérola, “e roupa de baixo” encarnado na figura de um sutiã também pérola que muda de cor para o vermelho, em uma representação simbólica do alvorecer de sua puberdade, bem como o sangue de seu suposto assassinato.

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Cena de “Valsa nº 6” – Cia. Labirinto de Teatro

Em “Bodas de Sangue”, os personagens fortes e com seus dramas pessoais que Lorca nos traz, convidou-nos para uma leitura de símbolos que os circunscrevem... O jeito cigana com olhar de “oblíquo e dissimulado”11 composto pela Noiva; a liberdade selvagem de

Leonardo como um cavalo indomável, são corpos convidados a se pensar na composição para a criação e construção das personagens. Nas rubricas de “Bodas de Sangue” Lorca elenca os espaços cênicos com cores nas paredes dos aposentos, que por nós já é lido como janelas que possibilitam as espreitas de olhos de uma sociedade tradicional, em uma arena de terra vermelha, de campo, de trabalho, de labuta, de suor.

Cena de “Bodas de Sangue” – Cia. Labirinto de Teatro

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Os gestos de leitura são descobertos à medida que nós da Cia. vamos nos descobrindo enquanto leitores, e assim, novas possibilidades vão se ditando e, ao serem experimentadas, vão se firmando no corpo do espetáculo. É interessante ressaltar a necessidade e aparição inúmera do plural quando me remeto ao trabalho com a Cia.; afinal, é dessa forma que nos edificamos e buscamos sempre caminhar, apoiados uns aos outros, e assim, nas leituras uns dos outros, portanto, ao ler, interpretar e experimentar textos em nossos corpos, somos muitos olhos a passear entre as linhas e entrelinhas propostas pelos autores. Exemplo claro disso é de que uma cena nunca é dirigida sem antes ser “experimentada” pela leitura e interpretação de quem irá atuar nela; só assim chegamos (ao menos tentamos) em um lugar de múltiplas possibilidades para quem vai nos ler ao nos assistir.

Os espetáculos “A(R)RISCO: um passo à frente” (com minha direção) e “... it...” (com minha atuação) apresentam um outro tipo de leitura no processo de criação, onde o corpo fala sem as palavras, o que não quer dizer que o texto não esteja lá... Ele fora base para toda a construção cênica.

Em “A(R)RISCO” o poema “Passagem das Horas” de Álvaro de Campos, é o caminho para toda nascente, composição e experimentação do que está em cena. Em encontros que tive com o ator do espetáculo, buscamos as essências que nos tocavam no texto para que fosse levado para o palco.

O percurso da vida é o enredo da história, contada de trás para frente, sobre memórias de tentativas arriscadas ou ariscas com que nos deparamos durante a vida. As passagens, de morte, velhice, juventude, infância e nascimento, são trazidas pelo corpo do ator que experimentou de diversas formas como a vida pode ser desenhada, ou ainda, como desenhamos nossa vida. A liberdade de escolher os caminhos talvez venha no final do espetáculo, que fala do início, com a projeção de pássaros livres, que arriscam seus voos, como todos temos a escolha de arriscar ou não nossos “voos”. Simbologia, mais uma vez.

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Cena de “A(R)RISCO: um passo à frente” – Cia. Labirinto de Teatro

O último trabalho da Cia. “... it...” vem fortemente marcado por uma pesquisa do físico no teatro. Dirigido pelo bailarino iraniano Khosro Adibi, fomos convidados a pensar o corpo antes da palavra, a lermos o que o corpo nos diz pelo que já vivemos. Porém, não deixamos de ser leitores de nossas próprias histórias, já que, quem nos dizia era nosso corpo que traz em si nossas histórias.

Ações do cotidiano, vividas, vistas, ou ainda, quistas, foram trazidas à tona na pesquisa corporal. Assim, atrevo-me a dizer que fomos convidados a ler o que já era nosso e por nossas memórias dialogar com as memórias do outro para as possíveis composições cênicas. Em cena, trabalhadores, sonhadores, madames, crianças, todo tipo de pessoa saía de nós para passear por nós mesmos, e convidar a plateia para novos passeios pelo que liam de nossos corpos em ação.

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Cena de “... it...” – Cia. Labirinto de Teatro

Tantas experiências de leitura como ator e diretor de teatro me levaram também a estender-me para aulas de teatro com dois grupos de pesquisa (Núcleo de Teatro Experimental) que tenho em Matão. No ano de 2012, com os dois grupos, trabalhei processos investigativos da leitura literária para a cena. Assim, com o grupo de iniciantes, com faixa-etária entre 14 e 16 anos, contos, poesias, romances, tudo que interessava a eles sobre Clarice Lispector foi o campo de pesquisa. Os alunos vinham com o quê em suas pesquisas lhes agradava da escritora, e os exercícios cênicos eram desenvolvidos através de sua literatura, que acarretou na construção do espetáculo “Sê, Clarice”, onde os textos mais significativos de Clarice se cruzavam em uma história íntima sobre as personagens de Clarice e a própria autora. A composição de cenário e figurino também advinham das leituras que tivemos e que discutíamos, como por exemplo, de que o espaço para apresentação deveria lembrar um quarto, e as nove meninas do elenco estarem de camisolas, para tornar a atmosfera mais íntima, bem a gosto lispectoriano.

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Cena de “Sê, Clarice” – Núcleo de Teatro Experimental

Ainda, o outro Núcleo de Teatro Experimental - composto por alunos, com idade acima de 16 anos, que já haviam sido meus alunos - também desenvolveu, em 2012, um trabalho debruçado na literatura brasileira. Optamos por uma lista de escritores cujos contos eles leriam, e escolheriam um desses, com que mais tinham tido aproximação, que mais os havia atravessado. Por fim, seis contos compuseram nossa pesquisa escolhidos por cada um deles:

- “Uma História de borboletas”, Caio Fernando Abreu; - “Eu era mudo e só”, Lygia Fagundes Telles;

- “História de uma fita azul”, Machado de Assis; - “Negrinha”, Monteiro Lobato;

- “A galinha”, Clarice Lispector; - “O grande-pequeno Jozú”, Hilda Hilst.

O processo de criação se deu da produção cênica desse conto. Cada aluno fez o seu monólogo baseado nas leituras que o conto lhe trazia. Adaptaram o texto, pensaram o figurino, o cenário, a trilha sonora... Transformaram-se assim, além de atores, em dramaturgos e produtores de suas cenas. Uma experiência viva de “in: cont(r)os”.

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Cenas de “in: cont(r)os” – Núcleo de Teatro Experimental

Todavia, neste movimento de trás para frente em que trago minhas experiências leitoras e “fazedoras” do texto teatral, o contato com esta prática, também com olhar de diretor, se iniciou em 2005, quando comecei a trabalhar o teatro em escolas. Iniciado por leituras debruçadas, durante um ano de pesquisa, com os alunos sobre a obra “A Arca de Nóe”, de Vinicius de Moraes (trabalho realizado com alunos de 7 a 14 anos, do Projeto Pequeno Cidadão da cidade de Matão). Seguido a isso, durante minha graduação em Pedagogia na Universidade de São Paulo, na cidade de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, desenvolvi um trabalho de extensão que pesquisava a construção da identidade frente práticas de teatro, e assim, durante dois anos trabalhei em uma escola de periferia com encontros semanais com duas quartas séries, que repercutiram na criação de um espetáculo desenvolvido pelos suportes da prática de leitura, intitulado “Tupi ou Guarani”, tendo como estudo durante o processo a leitura de lendas indígenas.

Quando retornei a minha cidade natal (Matão), ingressei em um colégio particular para lecionar Língua Portuguesa para quartos e quintos anos do Ensino Fundamental, além de trabalhar com os quintos anos com um estudo sobre vida e obra da autora Maria Clara Machado, que culminou na montagem de pequenas cenas de suas dramaturgias infantis. Desenvolvi um estudo inicial reflexivo com os alunos do quarto ano debruçado em “Macunaíma”, de Mario de Andrade, que culminou na adaptação coletiva do texto para um pequeno experimento cênico intitulado “Herói sem caráter”.

Posteriormente, fui convidado pela diretora de cultura para assumir as aulas de teatro da Casa da Cultura de Matão. Cabe ressaltar que a diretora de cultura é a Professora Lygia, aquela com quem eu deveria ter estudado na minha quarta série, como relatei no Prólogo

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deste trabalho, e que foi, certamente, uma das pessoas que me “deu” o teatro de presente: pois bem, viemos a nos encontrar mais à frente. Na Casa da Cultura assumi, além das aulas de teatro, uma posição de referência na cidade no que diz respeito à arte, cultura e educação, que me levou a ocupar, hoje, a coordenação artística da Casa PIPA (Plataforma Internacional de Produção Artística). Pela Casa da Cultura desenvolvi trabalhos com leitura e teatro em algumas associações:

“Entrelinhas” e “Cascos e Carícias”, foram trabalhos realizados na Associação dos Moradores da cidade com crianças de 7 a 11 anos, e senhoras a partir de 40 anos, tendo como estudo, durante os processos, os livros “Ou Isto ou Aquilo”, de Cecília Meirelles e os poemas de Cora Coralina, respectivamente; “Nós” nasceu na Associação “Edo Mariani” com crianças de 8 a 14 anos, tendo como estudo, durante o processo, o livro “Nós” de Eva Furnari; “Flict´s” veio de um trabalho sensível vivido na Associação de Deficientes Visuais da cidade, com alunos de várias idades, tendo como estudo durante o processo o livro “Flict´s” de Ziraldo; e ainda há o trabalho “Shhh...” realizado no Centro Municipal de Surdos de Matão, com alunos de 8 a 16 anos, tendo como estudo, durante o processo, os filmes de Charles Chaplin.

Muitas foram às vivências para se chegar aos questionamentos a que cheguei. Portanto, e afirmo por ter vivido isto, a escola para mim, foi o caminho inicial que trouxe a magia do teatro, tanto, por exemplo, pelas práticas que me encantavam da Professora da quarta série, referidas ao teatro, quanto pelos livros que me vieram às mãos, e eu, doravante, pelos “varais”, passei a estender com minhas práticas sempre na tentativa de dialogar a leitura e o teatro.

Os trabalhos se estendem numerosamente durante meu percurso de leitor/ ator/ professor/ diretor de teatro e é nítida a presença veemente das práticas de leitura, não apenas de textos teatrais, mas de todo tipo textual, nas aulas/ encontros que desenvolvo com alunos e também com Cia. Labirinto de Teatro.

Caminhos foram tantos. E, nestes tantos questionamentos e descobertas, fui levado a esculpir uma busca que passou não mais a me tanger, mas a me atravessar, e que, resultou no objetivo central deste trabalho que é tatear como a leitura do texto teatral pode acontecer nas escolas?

Certamente os caminhos se abriram sobre esses moldes devido à minha formação e meus interesses, e ainda, já que estou falando de gestos de leitura no teatro, as tantas leituras

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que tive dos inúmeros espetáculos que pude assistir em Matão, ou, ainda, em viagens e festivais de que participei, têm grande influência nas buscas de minhas pesquisas, e na minha formação leitora: Grupo Galpão, Grupo XIX de Teatro, Grupo Ventoforte, Cia. Armazém de Teatro, Grupo Espanca!, Os Satyros, Parlapatões, Piafraus, Teatro de Vertigem, XPTO, UzynaUzona, Grupo Lume, CPT, Giramundo, Théâtre du Soleil, Berliner Ensemble, Kosztolányi Dezsõ Theatre, Open Program of Workcenter, entre outros grandiosos. Foi nessas companhias que meus olhos puderam ler o teatro em diversas linguagens, e a cada novo olhar, em diversas permissões de pensar e ir além nas minhas leituras.

Com 11 anos de idade, assisti “A História do Barquinho” do Grupo Ventoforte, na cidade de Matão, e dali para diante não pude parar de navegar pelas águas à procura de Irupê12 e de novos espetáculos para ler e assistir. Interessante como tudo que “li”, assistindo essas peças teatrais, foi sendo acoplado às minhas novas ideias sobre as possibilidades de se ler o teatro. Quando vi Shakespeare na rua, do Grupo Galpão com seu “Romeu e Julieta” mambembe, tinha eu 15 anos e Shakespeare passou a ser mais próximo, mais possível de se ler, ao mesmo tempo que os bonecos do Giramundo me engoliam em uma exposição no Sesc da cidade de Araraquara, bonecos de mais de 4 metros de altura, me diziam tanto e tanto, como dizia “Cobra Norato” no espetáculo. E meus olhos de permissões e buscas, continuaram... “Hysteria”, do Grupo XIX de Teatro, me fez ler a necessidade de um teatro próximo, íntimo... Já “Toda Nudez será castigada”, do Armazém, me fez ler um teatro grandioso, imponente, forte... E ainda tem o Lume tão “Bem intencionado” que me fez ler a emergência de um teatro de pesquisa, de estudos, de trabalho de ator como um ofício.

Dessa forma, a leitura perambula não somente nesta pesquisa, mas todo meu histórico de trabalhos com teatro, e não se resume em, unicamente, trabalhos com textos teatrais, mas textos que criam, no ato de ler, possibilidades para a cena, que se configuram em encenações durante a própria leitura, abrindo caminhos para novas leituras.

Em um começo privilegiado com minha primeira montagem teatral, aos 11 anos de idade, com “A Gata Borralheira” de Maria Clara Machado, passei depois por mais nomes consagrados da literatura dramática, como Lorca, Nelson Rodrigues, Plínio Marcos, Qorpo Santo, Brecht, Beckett, Ibsen, Ionesco, Shakespeare, Gogol, Molière, Alcione Araújo, José Vicente, Thornton Wilder, entre outros... E inúmeros textos literários que ofertaram para meus olhos um teatro que escapa do texto de gênero dramático, mas que é possível, afinal. O teatro

Referências

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