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A redação deste capítulo trouxe à memória o trabalho de Padgett e Ansell (1993). Esses autores mostraram que os Médici não eram os mais ricos ou tão pouco ocupavam posições proeminentes dentro do governo de Florença, seu poder simplesmente derivava da influência que exerciam enquanto figuras centrais em redes comerciais e de matrimô- nios, ou seja, eram intermediários influentes nas trocas e faziam “bons” casamentos. O que os Médici fizeram, em verdade, foi constituir uma ampla rede de relações sociais e manter centralidade nessa rede.

Mencionamos este trabalho, pois nele está implícito um dos aspectos da utilização da Análise de Redes Sociais (ARS): o fato de que comumente os achados nos surpreen- dem. Se o pesquisador for minucioso e persistente terminará se deparando com uma rede de relações sociais que a princípio ele não esperava se deparar seja pela quantidade de atores muito maior do que o previsto ou pela presença de atores surpreendentes. Feliz- mente, esse trabalho não escapa desse exemplo. Inicialmente o intuito era uma análise da participação de três grupos financeiros (Grupo Itaúsa, Grupo Bradesco e Grupo Safra) nas entidades de classe naqueles setores aonde suas empresas atuam. Porém, ao final da coleta de dados o que se viu mudou os rumos da pesquisa. A rede era muito maior do que o imaginado e conformava um número grande de grupos econômicos espalhado entre associações de classe, com preponderância de atuação nas entidades privadas. Esse as- pecto foi melhor colocado pelo pioneiro J. L. Moreno (1934), ao dizer que a rede começa com um conjunto simples de indivíduos e quanto mais a investigação avança a rede vai se tornando uma estrutura incrivelmente complexa.

Quando vamos comprar um novo telefone celular, por exemplo. Levamos em con- sideração características técnicas e as funções disponíveis no aparelho, e que são relevan- tes para o nosso uso, bem como o preço, e assim o custo benefício. No entanto, sempre buscamos registrar outras experiencias de uso do aparelho que temos em vista, seja a sugestão de outras pessoas que usaram um igual, ou mesmo dicas que possam nos dar acerca de outros aparelhos que também possam suprir nossas necessidades. Essas pessoas podem ser contatos diretos, amigos que conhecemos através de outros amigos, pode ser o próprio vendedor do telefone. O que importa reter é que a ação econômica (adquirir um celular), não foi motivada apenas pela racionalidade de um indivíduo atomizado, mas recebeu a influência de interações que acontecem dentro de uma rede de contatos de laço fortes (amigos) ou laços fracos (conhecidos), portanto a ação foi influenciada pelo fluxo

imaterial em uma estrutura de rede de contatos sociais. Neste roteiro cotidiano estão pre- sentes os processos de colaboração e cooperação contidos nas interações que formam uma sociedade.

Este exemplo serve para ilustrar o background bastante intuitivo por trás da Aná- lise de Redes Sociais e para mostrar que reduzidamente é disso que ela se trata: uma ferramenta para análise das estruturas sociais que se formam a partir da interação entre indivíduos.

A primeira parte deste capítulo é dedicada a um breve histórico do desenvolvi- mento da Análise de Redes Sociais. Em seguida fazemos uma sucinta revisão da teoria por trás da ARS para situar o leitor no campo.

Na segunda parte discorremos sobre os elementos e propriedades das redes, e os métodos utilizados na sua análise, emprestando especial atenção para o conjunto de me- didas de centralidade, além de um item próprio para a análise de redes de dois modos (2-

mode), pois são esses os modelos de análise utilizados neste trabalho. 3.1 Breve histórico da ARS

Podemos dizer que o uso da metodologia de Análise de Redes torna tangível o conceito metafórico das estruturas sociais como uma malha interligada de conexões so- ciais através das quais os indivíduos formam um conjunto. Segundo Scott a metáfora das redes surge na sociologia alemã, fazendo analogia com uma fábrica têxtil, sendo Georg Simmel o mais marcante representante dessa concepção174. Borgatti et al. apontam a mu- dança causada pelas redes sociais na abordagem de abstrações sociais como a desenvol- vida por Durkheim entendendo a sociedade como um organismo biológico composto de componentes inter-relacionados aonde as regularidades sociais possuem sua razão na es- trutura das relações nas quais os indivíduos estão embebidos175.

Quando mudamos o ponto de vista das ciências sociais para o ponto de vista da matemática, vemos que o primeiro e incipiente trabalho utilizando um modelo muito pri- mitivo de redes sociais, surgiu no século 19, levado a cabo por H. W. Watson, em 1874. Em seu estudo, Watson desenvolveu um modelo matemático de análise de redes para

174 Cf. Scott (1988, p. 110)

tentar explicar o declínio, ao longo do tempo, de alguns sobrenomes de famílias podero- sas176.

Porém, o primeiro a desenvolver a metáfora das redes em um estudo sistemático de agrupamentos sociais através da análise de redes foi J. L. Moreno, em seu trabalho de 1934, “Who Shall Survive: A New Approach to the Problem of Human Interrelations”. Neste trabalho, que foi o primeiro paradigma da análise de redes, o autor lançou as bases da Socionomia (Socionomy) como a ciência preocupada com os problemas das interações em um grupo. A principal preocupação dessa ciência era com as propriedades psicológi- cas das populações e as “complexas interrelações de vários grupos e suas atividades e a forma como essas atividades afetam o bem-estar da Comunidade177”. A Sociometria (So-

ciometry), método particular da Socionomia, foi desenvolvida por Moreno e basicamente

consiste no estudo matemático das propriedades dos agrupamentos, sendo capaz de mos- trar através de dados quantitativos a evolução da organização dos grupos e a posição dos indivíduos dentro deles178.

A partir da Sociometria e da necessidade de Moreno de descrever as relações de um dado grupo, desenvolveu-se o sociograma (figura 2), como método visual para a des- crição das estruturas de relações sociais. Na definição de Wasserman e Faust um socio- grama: “é uma figura aonde as pessoas (ou, em geral, as unidades sociais) são represen- tados como pontos em um espaço bidimensional e as relações entre os pares de pessoas são representados por linhas que vinculam os pontos correspondentes179”. Ainda de acordo com os autores, Moreno fundou os dois pilares da ARS, “a representação visual da estrutura dos grupos [sociograma] e um modelo probabilístico dos resultados estrutu- rais180 Para Scott, Moreno foi o primeiro capaz de desenvolver a metáfora das redes so- ciais em um “conceito sociológico frutífero, porém ainda rudimentar181”.

176 Cf. Freeman (1984, p. 348).

177 Cf. Moreno (1953, p. 10). Tradução Nossa. 178 Cf. Moreno (1953, p. 10). Tradução Nossa.

179 Cf. Wasserman e Faust (1994, p. 43). Tradução nossa. 180 Cf. Wasserman e Faust (1994, p. 44). Tradução nossa. 181 Cf. Scott (1988, p. 110)