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CAPÍTULO 1: OS GRUPOS ECONÔMICOS

1.1 Os custos de transação e as deficiências dos mercados.

“Os economistas que estudaram grupos empresariais geralmente os interpretaram de uma maneira ou de outra, como respostas aos problemas econômicos8”.

A abordagem convencional explicando os grupos econômicos nos termos do fun- cionamento do mercado, deriva dos trabalhos pioneiros de Ronald Coase e Oliver Willi- amson9. Para Mark Granovetter a simples pergunta posta por Coase – afinal, porque as firmas existem? – mostrou que as abstrações da teoria neoclássica não conseguiam res- ponder por que em um mercado competitivo com um sistema de preços coordenando perfeitamente a alocação de mercadorias e serviços existem firmas que proveem ainda mais coordenação. A resposta elaborada posteriormente por Williamson explica que as firmas existem, pois, os custos inerentes a toda transação tornam impossível para que indivíduos sozinhos sejam capazes de transacionar através dos mercados10.

Esses custos de transação11 derivam da utilização do sistema de preços e resultam das imperfeições no funcionamento do mercado que decorrem basicamente de quatro fa- tores: incerteza, assimetria do conhecimento, racionalidade limitada e práticas oportunis- tas12.

Como forma de combater esses custos os indivíduos se organizam em firmas que por sua vez se deparam com esses mesmos custos e as firmas como forma de minimiza- los optam por internalizar a produção, geralmente de insumos, que seriam normalmente adquiridos através do mercado. Isso significa que quanto maior for o custo de transacionar no mercado maior será o incentivo para a internalização da produção de uma mercadoria, mais ou menos específica do processo de produção, no interior da própria firma, diversi- ficando-a e tornando-a capaz de controlar internamente a hierarquia do mercado13.

8 Cf. Granovetter (1994, p. 456). Tradução nossa.

9 Para se aprofundar mais no assunto o leitor pode consultar os trabalhos de Williamson (1975,

1985), Coase (1937), Granovetter (1994) e Rocha (2013).

10 Cf. Granovetter (1994, p. 451).

11 Os custos estão divididos em duas categorias: ex-ante são os custos de pesquisa de mercado,

negociação com clientes, fornecedores, trabalhadores e etc. já os custos ex-post estão ligados ao controle dos contratos, perdas judiciais ou de oportunidades devido a recursos imobilizados. Cf. Coase (1937, p.).

12 CF. Goto (1982, p. 61). Tradução nossa. 13 Cf. Gonçalves (1991, p. 498-501).

Os grupos representam um passo adiante nesse processo, eles tornam as firmas capazes de reduzir ainda mais os custos de transação através da formação de coalizões de firmas. Essa escolha seria motivada pelos riscos de perda de controle operacional que a internalização acarreta e que acabam impondo limites a esse processo14. Resumidamente, quando os custos de utilização do sistema de preços são mais altos que os custos da inter- nalização as firmas internalizam, quando os custos de internalizar na firma também se tornam altos as firmas formam coalizões.

Do ponto de vista da firma, ao formar ou ingressar em um grupo, pode econo- mizar com os custos de transação que teriam incorrido se a transação tivesse sido feita através do mercado e, ao mesmo tempo, evitar as deseconomias de escala, ou perda do controle que teria ocorrido se tivesse se expandido interna- mente e realizado essa transação dentro da empresa. Se o benefício líquido de formar ou ingressar em um grupo exceder o de implementar transações dentro da empresa ou através do mercado, a empresa tem o incentivo de formar ou se unir a um grupo.

Os grupos empresariais são essencialmente coalizões de firmas que buscam seus interesses comuns por meio de um sistema que coordena as decisões to- madas pelas firmas-membro. (GOTO, 1982, p. 61. Tradução nossa).

Nesse processo de resposta as falhas de funcionamento dos mercados, a diversifi- cação das firmas geralmente acontece através de by-products como ações de gap filling na cadeia produtiva que por sua vez levam a outras ações do mesmo tipo e assim suces- sivamente, em uma lógica de “similaridade e complementariedade15”.

O gap filling nada mais é do que uma falha de mercado relacionada à cadeia pro- dutiva. Tomemos o exemplo de um fabricante de picolés. Um dos principais insumos, nesse caso, é um simples palito de madeira. É esperado que o mercado seja capaz de fornecer palitos de picolé em quantidade adequada as necessidades dos diversos produto- res. Porém, caso esse produtor encontre escassez desse insumo, ele terá se deparado com uma falha no mercado (gap) e ações devem ser tomadas para que ela seja preenchida (gap

filling). Uma das opções possíveis para que esse fabricante de picolé preencha essa falha

na cadeia produtiva é produzir ele mesmo os palitos dos quais necessita. Isso significa a internalização da produção de um produto indispensável (by-product) e essa ação tem como consequência a diversificação da firma através de uma ação de gap filling, ou seja, preenchendo ela mesmo a falha do mercado.

14 CF. Goto (1982, p. 61). Tradução nossa. 15 Cf. Langlois (2010, p. 634). Tradução nossa.

Essa alternativa, no entanto, levanta algumas questões. Por exemplo, porque os

gaps na cadeia produtiva são preenchidos pela diversificação das firmas ao invés de sur-

girem novos atores no mercado capazes de suprir esses gaps? A resposta apresentada na literatura é novamente em termos de falhas no mercado: as imperfeições na cadeia pro- dutiva são causadas pela falta de instituições que dão suporte aos mercados e que são necessárias para encorajarem o surgimento de novas firmas que suprirão os gaps produ- tivos16.

Para Leef os grupos são uma resposta microeconômica para falhas conhecidas do mercado e seu padrão de diversificação pode ser explicado pelos riscos e incertezas cau- sados em certa medida pela assimetria da informação. Dessa forma o autor termina por reduzir os grupos apenas – fazendo uso das palavras do próprio Leef – a “um mecanismo intra-firma para lidar com as deficiências em mercados17”.

Nas economias aonde as instituições políticas e econômicas são fortes os custos são baixos e, portanto, a firma é autônoma. Quando o contrário acontece e as instituições são fracas os custos de transação são altos dando espaço aos conjuntos de firmas18. Isso ajuda a explicar a existência dos grupos em economias em desenvolvimento que encon- tram problemas para desenvolver essa matriz de instituições complementares. Mas isso não explica a existência de grupos econômicos em economias fortes e desenvolvidas. A explicação teórica dada para esses casos é que a inovação e a modernização produzem novos gaps na cadeia produtiva possibilitando a existência de grupos mesmo em um con- texto aonde as instituições políticas e econômicas são fortes e aonde existe proteção ao investidor19.

Para Granovetter (1994), a grande falha da abordagem funcionalista é a sua inca- pacidade em explicar as variações, em sua estrutura, que os grupos sofrem em diferentes contextos históricos e nacionais. Segundo o autor, a visão funcionalista produz bons re- sultados na análise dos grupos que são frutos de firmas em expansão, mas no caso dos grupos que surgem de uma única firma ou de um conjunto pré-estabelecido de firmas sem existir uma central que as organize a abordagem é falha. No entanto, a crítica mais sensí- vel é a de Portugal Jr., para o autor o debate centrado nos custos de transação e nas defi- ciências dos mercados, tomam em consideração varáveis puramente econômicas

16 Cf. Langlois (2010, p. 635-636). Tradução nossa. 17 Cf. Leef (1978, p. 666-667). Tradução nossa. 18 Cf. Langlois (2010, p. 644). Tradução nossa. 19 Cf. Langlois (2010, p. 645). Tradução nossa.

desconsiderando importantes aspectos das relações políticas e de poder engendradas pelos grupos20

A teoria dos custos de transação parece não ser capaz de explicar, por exemplo, a diversificação em setores totalmente não tecnologicamente relacionados, que provavel- mente só serão explicados por razões exógenas, e tão pouco explica mudanças radicais no núcleo de negócios que acontecem ao longo do tempo, a diversificação integrativa pode explicar uma primeira fase dos grupos econômicos, mas os grupos se expandem muito além disso.