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A moda evangélica como regulação dos corpos

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Capítulo 3 – O corpo e as implicações iconográficas no gospel

3.4 Corpo-produto: a erotização no mercado evangélico e questões de gênero

3.4.1 A moda evangélica como regulação dos corpos

A regulação dos corpos no gospel tem como ferramenta a moda evangélica. Tal termo surge como um conceito mercadológico a partir da forma como se apresenta no mercado gospel brasileiro. Durante o levantamento de dados, se identificou diversas lojas

online que se denominam de moda evangélica como Sol da Terra112, Cechiq113,

ClaraRosa114, La Sève115, Nafee116. No entanto, essas lojas são em sua maioria voltadas

112https://www.soldaterra.net/ 113http://www.cechiq.com.br/ 114https://clararosa.com.br/ 115http://www.laseve.com.br/ 116https://www.nafee.com.br/ A B C

para o público feminino, não contendo nenhum item voltado para o público masculino, como é o caso das lojas Sol da Terra, Cechiq, La sève, ClaraRosa, Nafee. Uma única citação sobre moda masculina foi encontrado no site da loja Via Evangélica, contudo não havia roupas masculinas, mas somente um artigo abordando que “ Cada vez mais os homens estão antenados à moda e a se vestir bem” (Via Evangélica Homens, 2018).

Figura 122Site da loja de moda evangélica Via Evangélica.

Fonte: (Sol da Terra, 2017)

Como se observa na figura 122, as categorias de vestuário apresentadas no site são: saias, vestidos, blusas, camisas, casacos e conjuntos, entre outras. Na análise não foi encontrada nenhuma referência a calças compridas de qualquer desenho ou tecido em nenhuma das lojas anteriormente citadas.

Apesar de tratar-se de lojas para o público gospel em geral, há uma regulação religiosa através das imagens da moda no que tange à regulação do corpo feminino, quanto à restrição de calça comprida e do uso exclusivo de saia. Algumas lojas que utilizam essa nomenclatura pertencem a artistas gospel como é o caso da loja Clássica Moda Evangélica117 de propriedade da cantora Aline Barros. Apesar de Aline já aparecer publicamente usando calças compridas, a moda apresentada por sua grife, reforça o uso da saia para mulheres e exclui o uso de calças compridas, que dentro das igrejas pentecostais seu uso ainda é proibido. A moda se apresenta como fator regulador pelo viés da “técnica de enculturação através do qual os indivíduos aprendem a sentir-se

familiarizados com a sua cultura” (CRAIK, 1994 in CUNHA, 2014, p.79), determinando que o corpo da mulher evangélica deve permanecer controlado pela religião através da moda que promove o paradigma do moralmente correto. No imaginário da moda evangélica, diversas blogueiras e líderes se justificam colocando a problemática de que a responsabilidade do homem pecar é da forma como uma mulher se veste. Num dos blogs acessados o título da matéria era “a mulher deve se vestir de modo que nenhum homem venha pecar por sua causa” (Letícia Fernanda, 2012). Durante o texto, a autora escreveu sobre como uma mulher deveria se portar para poder ser escolhida como esposa. Algumas perguntas foram extraídas do texto como:

Com que intuito tenho me vestido? Porque me visto com roupas curtas, decotadas e apertadas? O que pretendo com isso? Vou glorificar a Deus? Serei bem vista com as roupas que estou usando? Será que com essa roupa nenhum homem vai me olhar e pecar? (Letícia Fernanda, 2012)

Com isso, ainda são utilizados mecanismos de controle do corpo da mulher evangélica como é perceptível na moda fitness, nas figuras 123 e 124, no intuito de encobrir o corpo feminino para evitar “que nenhum homem peque” com a exposição do seu corpo.

Figura 123Moda Fitness Via Evangélica Figura 124Moda Fitness Vista 2

Por outro lado, o corpo masculino neste caso é ignorado. A restrição ao vestuário e ao corpo masculino é inexpressiva. “O corpo metaforiza o social e o social metaforiza o corpo. No interior do corpo são as possibilidades sociais e culturais que se desenvolvem” (BRETON, 2007, p. 70), entretanto, esse corpo como aponta Cunha (2014), é resultante da forma como as mulheres são representadas, e essa representação é estruturada através do olhar masculino e do seu desejo. (CUNHA, 2014).

Figura 125 Publicação no Instagram - cantora Pamela

Fonte: (Pamela Music, 2019)

No caso dos artistas, quando se trata da liberdade do corpo feminino gospel fora da publicidade, as regulações não são relativizadas e o controle é mais rígido, como é notório no caso da cantora gospel Pamela, pertencente à gravadora Mk Music - RJ, que ao tirar uma foto na praia para postar numa rede social, criticou essa regulação.118

118 To na praia, tomando sol ☀ ️Uso biquíni ou maiô! Depende do dia rs 🤦🏻‍♀️

Antes de postar essa foto eu fiquei tentando cortar a foto pq “pegaria mal” eu postar uma foto no meu Instagram aparecendo uma parte do meu biquíni. Pq as vezes parece que crente não é gente né?! Rs Então comecei a pensar... poxa! Deus tá vendo que eu to na praia tomando sol, e de biquíni! Rs Que mal tem isso??? Será que é pecado ir à praia e usar uma roupa apropriada pra tal situação? Pq eu tenho que ficar o tempo todo me policiando com o que as pessoas vão achar? 🤔 Pois é, eu to cansada de viver dentro dessa bolha pq fulano ou ciclano da internet (que eu nem conheço) vai ficar falando da minha foto, sendo que eu mesma não devo nada pra ninguém e ninguém tem nada haver [sic]com a minha vida! Enquanto isso tem um monte de gente que se esconde atrás das suas redes sociais e criam um “personagem” e vc que tá lendo esse post (ou não! Espero que não! Rs) acha a pessoa mais Santa do mundo e fica pagando o maior

A

O discurso/desabafo da cantora Pamela, traz à tona, a questão da regulação do corpo sobre o que pode ser mostrado. Sua postagem foi comentada por mais de mil pessoas entre frases de apoio (fig.125B)119 e outras condenando a atitude da cantora (fig.125A)120. A própria cantora fica indignada com a condenação das pessoas e comenta: “poxa! Deus tá vendo que eu to na praia tomando sol, e de biquíni! Que mal tem isso??? Será que é pecado ir à praia e usar uma roupa apropriada pra tal situação? Pq eu tenho que ficar o tempo todo me policiando com o que as pessoas vão achar?” (Pamela Music, 2019). É paradoxal, por um lado o uso do corpo como produto simbólico que fomenta o consumo imagético, compreendendo que,

O que a sociedade ocidental requer de uma mulher é que combine os principais traços tradicionais com características que eram apanágio dos homens e ainda com os padrões de beleza valorizados ‘impossivelmente, é pedido às mulheres que sejam sexuais, independentes e carreiristas, e no entanto também infantis, dóceis e maternais e sempre jovens, brancas, lindas e magras’ (CUNHA, 2014 appud WYKES e GUNTER,2005, p.62)

E por outro lado, a regulação religiosa em cima deste mesmo corpo o condena ao engessamento através da teologia moral, que desde os séculos passados, tem sustentando o perigo do “olhar”, categorizando-o em quatro maneiras: o objeto, a intenção da pessoa que olha, a disposição da pessoa que olha e a maneira de olhar” (RANKE- HEINEMANN, 1996), como forma de controle e regulação teológica-social-cultural, como citado pelo comentário da figura 124A “uma serva de Deus não deve expor suas vergonhas”, demonstrado no discurso evangélico contemporâneo, a presença da moral

pau e idolatrando o fulano. Olha só, desculpa, mas talvez o meio gospel não seja tudo que vc pensa e vê pela internet. Eu só fico realmente triste pq pessoas de “verdade” não são valorizadas como as pessoas de “mentira” Hj em dia nós valemos o que os nossos números digitais mostram. Que horror. E talvez seja melhor vcs nem saberem mesmo como funciona o meio “gospel” capaz de vc sair da Igreja e procurar Deus em outro lugar, pq meu amigo, Deus não está no meio disso não! Eu imagino Jesus olhando tudo isso, olhando esse circo todo! Kkkkkkk Tenso né?! Existem pessoas de Deus, que tem ministério sim, que são exemplos de verdadeiros cristãos, se vc for um deles vai rir desse meu post né?! Longe de mim querer ofender alguém, mas eu to realmente chocada com o rumo que as coisas estão tomando. Fica a dica 👉🏻 (Gl 6,3-5) "Pois, se alguém julga ser uma pessoa importante, quando na verdade não é nada, está se iludindo a si mesmo. 4.Cada um examine suas próprias ações; então, poderá ter de que se gloriar, mas somente por referência a si mesmo e não se comparando com outrem. 5.Pois cada qual tem de carregar seu próprio fardo. (Pamela Music, 2019)

119 Texto integral: “Pois eu sou evangélica e uso biquíni no clube, na praia, acho o maiô lindo, mas, eu amo

ficar bronzeada e ficar mais linda para o maridão é a minha meta. Já é normal as pessoas olharem para o meu corpo, rirem e zombarem das cicatrizes que eu tenho devido as queimaduras que sofri quando criança e as marcas permanecem até hoje. Me identifico muito com aquele meme: #Tônemaí”

120 Texto integral: “Sem a santificação ninguém verá a Deus. Sede Santo como eu sou Santo disse Jesus,

santificação não é só na igreja uma serva de Deus não deve expor suas vergonhas, há roupas mais apropriadas pra uma cristã usar na praia...”

medieval ao oprimir e desqualificar o corpo feminino como “vergonhas”. Nisso, a figura corporal feminina, se apresenta dentro do imaginário religioso como uma imagem da personagem divinizada, sagrada, uma espécie de Virgem Maria, não podendo ser manchada pela ‘impureza do corpo’, em oposição à liberdade dos corpos masculinos.

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