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O surgimento da iconografia gospel e seu páthos no cenário evangélico

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Capítulo 1 – A virada icônica evangélica dos anos 90 no Brasil

1.3 O surgimento da iconografia gospel e seu páthos no cenário evangélico

Cabe neste momento fazer uma diferenciação, para esclarecer ao leitor o processo de traslado do termo gospel estadunidense e seu significado, em relação à incorporação do mesmo termo posteriormente pela Igreja Apostólica Renascer em Cristo na realidade brasileira. O sentido da palavra gospel está relacionado à música gospel estadunidense apesar do termo ser “comumente utilizado para classificar a música religiosa moderna ou a Música Contemporânea da Igreja (Contemporary Church Music/ CCM)” (CUNHA, 2007, p. 27).

Suas origens36 remontam à migração de afro americanos do Sul para a cidade de Chicago.

A música gospel foi uma resposta artística para a Grande Migração, um dos mais significativos episódios culturais na história americana no século XX. Milhares e milhares de afro americanos do Sul que migraram para Chicago no início e no meio do século XX. [...] Em termos acadêmicos, a música gospel se refere como uma atuação estética e um tipo de composição musical sacra. A música gospel é originária dos ritmos da África Ocidental. Emotiva e com improviso; as letras e melodias são descomplicadas oriundas de canções espirituais, de renovação e canções de acampamentos, como também de hinos batistas. (MAROVICH, tradução minha, 2015, p. 2-3)

36 Para mais informações sobre a música protestante nos Estados Unidos e o surgimento do gospel

Apesar do gospel ter outro significado nos Estados Unidos, o termo foi cunhado e registrado37 como marca no mercado brasileiro por Estevam Hernandes Filho, fundador da Igreja Apostólica Renascer em Cristo e Antônio Carlos Abbud em 1989, posteriormente com a saída de Abbud, hoje a marca está registrada nos seguintes segmentos: Gospel Records Industrial Ltda, Editora e Livraria Renascer Ltda e Fundação Renascer. Segundo o INPI, outras empresas se interessaram pelo registro da marca como a Editora Sepal, Bom Pastor Produções Artísticas e Phonográficas Ltda, Atos de Comunicação, Gospel Vídeo e Game Ltda e Renascer Comércio de Estamparia Ltda; ambas sem qualquer vínculo com a Igreja Apostólica Renascer em Cristo e não obtendo êxito nas solicitações.

Em sua carreira antes do ministério religioso, Estevam trabalhou como executivo nas empresas Itautec e Xerox do Brasil (fig.32), sendo nesta última, ocupando o cargo de gerente geral de marketing. Em seu site pessoal, ele dá detalhes sobre sua trajetória profissional onde afirma que, “Trabalhou como executivo em multinacional da área de tecnologia por cerca de 20 anos [...] abrindo mão da bem-sucedida carreira, dedicou-se exclusivamente ao ministério (APÓSTOLO ESTEVAM, 2017).

Para Leda Matayoshi (1999), a comunicação da Igreja Apostólica Renascer em Cristo, pautada na musicalidade ou num discurso jovem, se encaixa perfeitamente na receptividade do seu público abrindo assim uma vantagem mercadológica sobre os concorrentes que ainda não trabalhavam com produtos multimídia, livros, programas de rádio e TV.

Desta forma, a autora concluiu que a marca Renascer em Cristo, propôs uma adesão rápida e segura às inovações tecnológicas do mundo moderno além de proporcionar uma liberação das formas de culto ao sagrado e gerando uma segmentação clara e tratamento diferenciado tanto na comunicação como na gestão de seus mecanismos de comunicação de massa. (MATAYOSHI, 2000).

Figura 32 Hernandes na Xerox e Itautec Figura 33 Logo da gravadora Gospel Records

Fonte: (MIX GOSPEL NEWS, 2014) Fonte: Fonte: (Gospel Records, 1990)

Com isso, o páthos da imagem trasladada e apropriada dos Estados Unidos por Estevam Hernandes (fig.33), ou seja, a força emocional, carregada de carga psíquica e religiosa, que atrelada à história da música afro Americana evangélica, à cultura estadunidense (que exerce influência econômica, ideológica e iconográfica no Brasil) possibilita que esta imagem adquira no segmento evangélico a representação de um símbolo de mercado.

Passando por uma ressignificação no sentido mercadológico e do marketing religioso; sua construção iconográfica não passou exclusivamente pelo significado teológico ou ‘espiritual’ da palavra gospel: do inglês, evangelho que do grego  significa boas novas, evangelho. (GINGRICH e DANKER, 1983), mas no sentido de se tornar uma representação visual que gerasse uma marca voltada para o mercado religioso (fig.33).

Por outro lado, este termo e imagem da cultura evangélica estadunidense, recebe uma ressignificação, ou seja, no sentido iconológico warburgiano é chamado de

Engrama, uma “atribuição de sentido energeticamente inverso” (WARBURG, 2010, p.

6), sendo que, a força do páthos gospel estadunidense que representava um tipo de música religiosa é ressignificado por Estevam adquirindo o status de marca de mercado, sendo atribuída a uma infinidade de produtos confeccionados pela IARC e posteriormente ressignificado e mimeticamente incorporado no mercado evangélico brasileiro.

Figura 34 Logo Central Gospel

Fonte: (Editora Central Gospel, 1999)

Apesar dos problemas relacionados à direitos de propriedade de imagem e da marca

gospel, no âmbito do mercado religioso existem uma significativa variedade de empresas

e segmentos que a utilizam como é o caso da Editora Central Gospel (fig.34), surgida no ano de 1999. A Editora pertencente ao pastor Silas Malafaia, presidente da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC) fundada em 2010 no Rio de Janeiro.

A Central Gospel foi criada em 1999 para apoiar o ministério do pastor Silas Malafaia, conhecido internacionalmente como Associação Vitória em Cristo. Ao exercer com excelência sua missão de abençoar vidas por meio de literaturas, a empresa conquistou seu espaço e tornou-se uma referência no mercado editorial evangélico. (Editora Central Gospel, 1999)

A Central Gospel é uma das marcas evangélicas que a partir da década de 1990, se inseriu no mercado gospel num momento de maior visibilidade dos evangélicos caminhando para o desenvolvimento e aperfeiçoamento técnico de suas produções musicais e do ingresso no mercado religioso e posteriormente no secular, utilizando-se das recém chegadas mídias como o CD e o DVD, atrelou a isso, as artes comerciais um grande veículo de circulação imagética.

Desse modo, com o avanço artístico dentro do cenário evangélico a partir dos anos 90, houve o aumento do interesse pelas artes e por sua força de mercado, que passou a despertar lideranças evangélicas no sentido de otimizar sua utilização como forma de crescimento da “comunicação do evangelho” como afirmou Karina Bellotti (2003).

A igreja protestante nesses meados do século XX está despertando para o poder da linguagem das artes. Música e drama, pintura e cinema não somente influenciam emoções e mentes/elas podem se tornar portadoras da Palavra de Deus [...] a Igreja permaneceu por muito tempo surda para o entendimento da sociedade. Tiramos poucas

vantagens das possibilidades da arte. A Igreja, para melhor servir à sociedade comunicar a Palavra de Deus, deve tirar vantagem de todos os meios de comunicação. (IRWIN, 2003 apud BELLOTTI, 2010 p.79)

A transformação da iconografia gospel numa marca foi um dos primeiros movimentos realizados pela Igreja Apostólica Renascer em Cristo no intuito de consolidar a marca gospel. As consequências disso são perceptíveis na incorporação do

páthos gospel nas demais produções que se seguiram na área do audiovisual com a Gospel Records e na literária com a Editora e Livraria Renascer. Posteriormente, o filho

mais velho de Estevam Hernandes e Sônia Hernandes, Tid Hernandes, criou um bar evangélico com o nome Gospel Rock Café, que era um casa destinada a ser ponto de encontro de jovens cristãos onde poderiam encontrar música gospel e lanches e bebidas não alcoólicas, localizado próximo à sede da Igreja. (SIEPIERSKI, 2001). Com isso, esse início da marca gospel, transformaria as interações entre mídia e mercado religioso proporcionando uma simbiose dos imaginários religiosos e dos imaginários midiáticos. O sistema de consumo religioso foi influenciado na produção das imagens de arte comercial em ícones, logotipos, imagens em geral para o mercado. Como o próprio Estevam afirmou “sempre entendi que precisávamos romper as barreiras do mundo com qualidade, e Deus nos deu essa estratégia através da música”. (SIEPIERSKI, 2001, p. 86). Isso não parou na música, mas na busca por qualidade nas imagens vistas nas produções visuais de artistas gospel que alavancaram a propagação de imagens nos anos 90. As consequências do poder dessas imagens (FREEDBERG, 1989) e do páthos do ponto de vista iconográfico, gerou um fortalecimento dos mecanismos mercadológicos.

Do ponto de vista artístico dos anos 90, as transformações imagéticas aconteceram mais intensamente na área musical e literária. Eventos como o Troféu Talento em 1995 (fig.35) e a Feira Expocristã surgida em 2002 (fig.36), impulsionaram a produção iconográfica de maneira que, cada vez mais a estética e a qualidade sonora foram itens valorizados em suas produções.

Figura 35 Troféu Talento 2009 Figura 36 Expocristã 2008

Fonte: (TALENTO, 2009) Fonte: (EXPOCRISTA, 2008)

Do ponto de vista das imagens, estes são marcos sociológicos e iconográficos na história cultural do gospel brasileiro. A partir desses eventos, as gravadoras seculares como a Som Livre em 2009 e a Sony Music em 2010, passaram a inserir as músicas

gospel em seus gêneros musicais. Com isso, todo o cenário artístico passou a ser

enxergado como um mercado em potencial, abrindo espaço para outros tipos de arte e abrangendo um espaço artístico cada vez maior nos espaços públicos seculares. Na sequência, se observará com detalhes as transformações artísticas no âmbito gospel e os cenários que foram ressignificados para se adaptarem a contemporaneidade e aos requisitos de busca por “excelência”.

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