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Música

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Capítulo 1 – A virada icônica evangélica dos anos 90 no Brasil

1.2 Os traslados imagéticos estadunidenses na arquitetura, música, dança e pintura

1.2.2 Música

A arte musical evangélica27 chega ao Brasil através do protestantismo. Segundo Henriqueta Braga, realizou-se o primeiro culto no Brasil em 10 de março de 1557 e “onde também, pela primeira vez, ecoaram neste país os Salmos musicados em execução congregacional” (BRAGA, 1961, p. 41). Jacqueline Dolghie (2007) afirma que a música executada no início do protestantismo no Brasil baseava-se em boa parte, da influência musical protestante da Europa.

Muito provavelmente, os cultos da primeira tentativa de inserção protestante no país entoavam o saltério genebrino de Calvino. Na segunda tentativa de fixação no Brasil, entre 1630 a 1645, os protestantes que aqui chegaram eram holandeses, e por isso, a música cúltica repousava nas duas tradições protestantes: a luterana e a calvinista. O mesmo repertório desta segunda tentativa deve ter acompanhado o protestantismo de imigração. Nos três casos, a reprodução musical baseava-se na salmodia e na hinódia do protestantismo europeu. (DOLGHIE, 2007, p. 154)

A música caracterizava-se através de cantos congregacionais, canto coral e solistas, acompanhados de instrumentos musicais como o órgão e o piano. A música protestante se consolidou com os demais grupos protestantes que chegariam ao Brasil a partir do século XIX, destacando nesse período o surgimento do primeiro hinário protestante lançado no Brasil: o Salmos e Hinos. (VICENTINI, 2007)

Os primeiros registros fonográficos da música sacra evangélica no Brasil, se dão a partir de 1912 com a gravação do Coral da Igreja Evangélica Fluminense, inaugurando com isso, os primeiros passos junto às gravadoras internacionais que chegavam ao país como a estadunidense RCA Victor e a alemã Odeon (BRAGA, 1961).

Com o surgimento do disco de vinil em 1940, as produções musicais de Long-

Plays ganham maior força e crescimento no período entre as décadas de 1950-60 (onde

as gravadoras datam as primeiras gravações musicais evangélicas em Long-Plays no Brasil), como foi observado na pesquisa de mestrado realizada pelo autor desta tese:

A música evangélica brasileira tem seu início a partir da década de 50. É nesse período que surgem os primeiros cantores, cantoras e grupos de música evangélica que influenciados pelo gospel estadunidense, iniciaram seus trabalhos paralelamente à hinódia protestante tradicional. A renovação musical deste período começa a alterar o modo de cantar nas igrejas e promove o surgimento dos primeiros

27 A dissertação de mestrado de João Marcos da Silva aborda a ressignificação da imagem na música

materiais fonográficos, juntamente com a produção de imagens para as capas dos recém-chegados LPs (Long Plays). (SILVA, 2010, p. 25)

Com a chegada da chamada fase elétrica (VICENTINI, 2007) e o surgimento do LP e do rádio, acontece no Brasil uma primeira revolução no processo produtivo, de divulgação e mercadológico da música secular e que paralelamente alcançou a produção evangélica no Brasil. Com isso, muitos corais, cantoras e cantores evangélicos passaram a produzir material fonográfico, divulgando no rádio a partir de 1938 (FAJARDO, 2011) e através da comercialização de seus discos em igrejas e escolas .

Figura 21 Luiz de Carvalho – LP Boas Novas 1958

Fonte: (Boas Novas, 2009)

Nos anos 60, nomes como Feliciano Amaral28 (que produziu o primeiro LP

evangélico no Brasil em 1948) e Luiz de Carvalho (fig.21) (cantor profissional oriundo da música secular, que entoava boleros e samba-canção antes da conversão) corroboraram para o crescimento do número de artistas musicais, na produção de LP e da propagação da música evangélica nas igrejas pentecostais e do Protestantismo Histórico de Missão. (SILVA, 2010). Neste período surge um “‘bolsão de produção’ evangélico na região central, perto do Glicério, a conhecida rua Conde de Sarzedas, pois ali se instalaram gravadoras, livrarias e outros ramos ligados ao setor religioso

28 Em 2009, aos 89 anos de idade, Feliciano Amaral entrou para o Guiness Book como o cantor evangélico

protestante” (VICENTINI, 2007, p. 139) corroborando para o desenvolvimento do mercado musical com a chegada de gravadoras internacionais no Brasil.

Posteriormente, em 1969, em um cenário político mundial mais estável, surgiu a EMI, resultante da incorporação da Odeon pela antiga EMI. Nove anos depois, em 1978, a união da antiga Polydor com a Phonogram deu origem a PolyGram. Ao longo dos anos 80 e 90, verifica-se também o surgimento de novas empresas fonográficas através de fusões: A BMG-Ariola – fruto da junção das empresas, Ariola, Bestelsmann e RCA, em 1987 –; a Sony Music – resultante da fusão da CBS Discos com a Sony Corp.-, em 1987; e Warner Music – Time Warner/WEA, Toshiba e Continental -, em 1993. (DE PAULA, 2008, p. 31)

O período dos anos 70 no âmbito musical foi marcado pelo surgimento das organizações paraeclesiásticas. Caracterizavam-se com os dinâmicas de acampamentos, retiros espirituais, congressos, missões em cidades (como o caso do grupo musical Vencedores por Cristo) e reuniões de estudo. Este momento foi marcado através da ruptura “com as questões fundamentais que compunham a estética tradicional e identitária que associava-os aos antigos costumes ético-morais do protestantismo brasileiro” (SILVA, 2010, p. 32), e com o descolamento de práticas que anteriormente eram condenadas pelas igrejas do Protestantismo Histórico de Missão e pentecostais, como o uso de instrumentos musicais contemporâneos como a guitarra e o contra-baixo (pertencentes à fase elétrica ).

Figura 22 Tropicália Figura 23 Se eu fosse contar -LP-1973

Fonte: (Tropicália, 2019) Fonte: (O Crente, 2008)

Movimentos político-musicais no mundo como Woodstock nos Estados Unidos e a

Tropicália no Brasil influenciaram para que imagens seculares e sua fórmula de emoção

influenciando-o. Nina Rosas (2015), apontou que os Estados Unidos exportavam o seu modelo para todo o mundo, e este, consequentemente, foi importado pelos movimentos brasileiros de renovação evangélica.

Praticamente até 1990, via-se um fluxo musical quase unilateral que partia dos EUA e se propagava pelo mundo [...] Na mesma década em que o movimento de contracultura alcançou o auge, a geração baby boomer (os nascidos entre 1946 e 1964) viu surgir o Jesus Movement (1967-1973) – um “despertamento” protestante conservador que ocasionou conversões dramáticas, como a de muitos jovens, intolerantes às religiões, mas que buscavam soluções para problemas sociais como as guerras e o racismo. (ROSAS, 2015, p. 151)

Em contrapartida ao processo de secularização em andamento no meio musical evangélico, as igrejas no Brasil mimeticamente às igrejas estadunidenses, passaram a combater as transformações musicais através da demonização dos ritmos e instrumentos que eram utilizados. Nisso, o amedrontamento eclesiástico causado pela mídia, artes e avivamento causou nas igrejas pertencentes ao Protestantismo Histórico de Missão, um trancamento e repressão, ocasionando a saída de muitos jovens para igrejas mais ‘avivadas’. (BELLOTTI, 2010)

Esse processo de repressão musical se inicia com o rock and roll na década de 70, ganhando força no Brasil na literatura evangélica a partir dos anos 80. A luta no combate à ‘música profana’ na música cristã contemporânea virou um contra golpe das instituições religiosas evangélicas em relação às ‘influências mundanas’ oriundas dos Estados Unidos e particularmente pela serpente elétrica presente nas guitarras distorcidas.

Um dos pontos altos dessa disputa aparece no combate massivo (oriundo dos Estados Unidos e que repercutiu no Brasil) em relação à banda de rock estadunidense

Kiss. A banda se apresentava nos shows com forte produção imagética. Com rostos

pintados (no caso de Gene Simons, contrabaixista da banda, ele próprio intitulou sua figura como a de um demônio), cuspiam fogo ou sangue pela boca, além de explosões no palco e muita pirotecnia em seus shows. O mesmo páthos aterrorizante e do medo [ver figura 12] foi utilizado para amedrontar iconograficamente os ‘crentes’ que ouvissem suas músicas. A associação que faziam perpassava por termos como: ‘Culto ao demônio’, ‘Adoradores do Diabo’, ‘música satânica’ e ‘inspiração demoníaca”. (SILVA, 2010). 29

29 No período, houve uma polêmica evangélica sobre o significado no nome Kiss. Uma atribuição comum

Figura 24 Livro: Os Perigos Traiçoeiros do Rock

Fonte: (JOHNSON, 1988)

Livros como “What about christian rock” de Dan Peters (1986) que considerava o

rock como uma forma de música satânica e o livro de Dan Johnson intitulado “Os Perigos

Traiçoeiros do Rock”, que apresentava em sua capa, uma caveira com um contrabaixo, tendo na ponta uma foice com sangue (fig.24). Essa imagem visava alimentar a mentalidade da juventude evangélica de que os ritmos contemporâneos eram uma ameaça ao povo cristão.

Qualquer cristão que permita qualquer disco de rock ou country em sua casa está convidando os poderes das trevas. Se envolvendo com esta influência satânica, o controle da mente e do espírito é possível. Qualquer um que escute esta sujeira está abertamente entrando em comunhão com espíritos malignos. Toda a música rock (e provavelmente toda, ou pelo menos a maioria da música country) que está sendo tocada nas rádios hoje em dia é de inspiração demoníaca. (PETERS e MERRIL, 1986 apud BAGGIO, 1997, p.115)

A partir de 1987, com o chegada do CD (compact disc) no Brasil, se percebe uma segunda revolução no processo midiático e mercadológico no cenário brasileiro através do processamento digital da música, o que posteriomente evoluiu para a propagação de formatos mais recentes como o MP3. Na música evangélica, a repercussão foi expressiva e alavancou a produção e a venda de CD e DVD fomentando a explosão gospel da

década de 90 (CUNHA, 2007) e proporcionando um crescimento significativo no mercado musical e também na produção imagética através das capas de CD e DVD. Com isso, o duo áudio e imagem e o crescimento das empresas de CD, proporcionaram uma penetração massiva das produções gospel no cenário evangélico.

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