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O corpo como uma tela: as tatuagens gospel

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Capítulo 3 – O corpo e as implicações iconográficas no gospel

3.6 O corpo como uma tela: as tatuagens gospel

A tatuagem é uma arte primitiva surgida na Antiguidade como forma de ornamentar a pele, uma modificação no corpo de origem milenar. Entre os diversos povos que se tatuavam, os egípcios exerceram um papel importante na distribuição da tatuagem no mundo. Entretanto, segundo os relatos bíblicos, essa influência não foi aceita pelo povo hebreu e isso é notado nos textos pertencentes ao antigo testamento. Nas sociedades, a tatuagem é um fenômeno cultural relacionado aos grupos e tribos (MAFFESOLI, 1998), como uma marca identitária, um símbolo que une seus adeptos, ou até mesmo para definir autoridade. (SILVA, 2018). No âmbito da psicologia, a tatuagem possui um caráter analítico “Trata-se de uma análise dos significados destas tatuagens para o tatuado e seus observadores e mais especificamente do porque alguém decide fazer uma tatuagem.” (SAD, 2016, p. 15). A tatuagem na contemporaneidade saiu da posição de cultura marginal para o status de arte, como é o caso da Body Art, apesar de em alguns momentos, não ser reconhecida ou legitimada como arte contemporânea.

No contexto evangélico brasileiro, a tatuagem passou a ser um fenômeno promotor de inúmeras discussões na internet e discursos por parte de participantes e membros de igrejas, como líderes das mais variadas denominações evangélicas a respeito da pergunta sobre ‘é pecado ou não ter uma tatuagem?’ Nas últimas décadas, a tatuagem tem sido

permitida e incorporada [tatuagens feitas após a conversão do participante] por algumas igrejas neopentecostais como a Igreja Apostólica Renascer em Cristo e a Bola de Neve

Church. Em outras igrejas pertencentes ao Protestantismo Histórico de Missão e ao

pentecostalismo, algumas rechaçam, enquanto outras tem uma atitude de tolerância com reservas 124. As igrejas que rechaçam a tatuagem baseiam sua tese de proibição no texto descrito na bíblia que diz “Pelos mortos não ferireis a vossa carne; nem fareis marca nenhuma sobre vós. Eu sou o SENHOR. [Levítico 19,28]” (BIBLIA, 2013).

Figura 131Tatuagem Evangélica

Fonte: (Tatuagem Evangélica, 2012)

As temáticas das tatuagens evangélicas giram em torno de símbolos religiosos como cruz [em seus diversos tipos], coração, coroa, estrela de Davi, espada, peixe, pomba, leão, versículos bíblicos (fig.131), palavras em grego e hebraico, como transliterações para o português do hebraico125 (fig.131A), entre outros temas diversos. Já no caso de pessoas que se converteram e já possuíam tatuagens no corpo com temáticas não cristãs, não é exigida a retirada, contudo, em algumas denominações neopentecostais que praticam a teologia da Quebra de Maldição126, recomenda-se que o tatuado passe por

124 De uma forma geral, casos como tatuagens no corpo todo, parcial ou no rosto, possuem uma rejeição

maior pela maioria dos grupos evangélicos. Isto foi observado nos sites evangélicos pesquisados que discutiam a questão da tatuagem evangélica.

125 A imagem do peixe e o texto em grego fazem parte da tradição cristã. “Sábios do séc. XVII associam o

nome grego para peixe, ichtys, pela primeira vez com o acróstico IXOYZ (Iesous Christos Theou Hyos Soter = Jesus Cristo Filho de Deus Salvador)” (HEINZ-MOHR, 1994, p. 284), enquanto a frase transliterada do hebraico é comumente traduzida por “Jesus Cristo, o Messias”.

126 Segundo Ricardo Mariano, a teologia da quebra de maldição ou dos espíritos de geração pregam que

“há espíritos responsáveis pelas maldições de família. Os que pregam acerca de tais espíritos crêem que um indivíduo, crente ou não, tendo ancestral que pecara ou mantivera ligações com espiritismo, idolatria

uma ministração para a ‘quebra das maldições e dos pactos feitos no passado’, incluindo a rejeição de qualquer ‘vínculo espiritual’ atrelada à tatuagem.

Com o crescimento de inúmeras igrejas neopentecostais caracterizadas pelo discurso de liberdade dos modelos conservadores das igrejas do Protestantismo Histórico de Missão e das pentecostais, o discurso de pastores representantes de igrejas oriundas do pentecostalismo, como a Assembleia de Deus Vitória em Cristo do pastor Silas Malafaia, tem se relativizado em relação ao uso de tatuagens (fig.133). Durante seu programa televisivo intitulado Verdade Gospel, o pastor recebeu uma pergunta sobre o uso de tatuagem:

[Pergunta enviada via internet] porque nós evangélicos não podemos usar piercing, nem tatuagem, é bíblico? [o pastor respondeu:] O pessoal quer usar coisa do antigo testamento pra formar regras no novo, não dá! ok? [...] A gente tudo que tem que fazer é com decência e ordem. Tudo que é exagero, se for um negócio exagerado, louco, não é. Agora eu dizer que é pecado uma tatuagem, eu não tenho respaldo bíblico; eu dizer que piercing é pecado, eu não tenho respaldo bíblico. Não tem! Não está nas regras do novo testamento. Isso é um costume social! (MALAFAIA, 2012)

A tatuagem no público evangélico tem se inserido e obtendo legitimação por líderes, pastoras, pastores e apóstolos. Com isso, surge nesse cenário um conceito pouco comum para muitos evangélicos no Brasil: A tatuagem evangélica. Apesar de polêmico, o conceito é muito utilizado por tatuadores, por tatuados evangélicos, como por pessoas contrárias à arte da tatuagem.

Figura 132 Tatuagem do apóstolo Estevam Hernandes Figura 133Tatuagem com texto bíblico

Fonte: (O Fuxico Gospel, 2017) Fonte: (William Tattoo, 2017)

ou quaisquer práticas religiosas antibíblicas, carrega consigo a maldição provocada pelo demônio herdado. Para libertar-se, precisa renunciar ao pecado e às ligações demoníacas de seus ancestrais e “quebrar”, por meio do poder de Deus posto em ação pelo culto de intercessão, as maldições hereditárias.” (MARIANO, 1999, p. 139)

Alguns destes líderes, como é o caso do apóstolo Estevam Hernandes da Igreja Apostólica Renascer em Cristo, tatuou em seu braço a imagem do filho, o bispo Tid Hernandes (fig.132), falecido em dezembro de 2016. A tatuagem na década de 90 era rejeitada pela maioria das igrejas neopentecostais por associarem à problemas espirituais, como é possível observar numa ficha de cura interior que era entregue aos participantes das ‘ministrações de cura interior e quebra de maldição’, ministradas por seus líderes, o pastor Osvaldo Bertoni e a pastora Alice Bertoni. (Fig.134).

Figura 134Recorte de Ficha de Cura Interior e Quebra de Maldição da Igreja Apostólica Renascer em Cristo - 1993

Fonte: Arquivo Pessoal.

3.7 O Corpo nas artes: a representação da adoração e o páthos do imaginário da

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