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A modificação do valor das astreintes

DESTINATÁRIO, O VALOR E A EXECUÇÃO.

5.2 O valor da astreinte

5.2.2 A modificação do valor das astreintes

O art. 461, § 6º do CPC traz a possibilidade de o juiz alterar, oficiosamente, o valor ou a periodicidade da multa caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva. A lei autoriza, assim, uma ampla modificação da multa no curso de sua incidência, o que levanta algumas questões interessantes.

Inicialmente, cabe esclarecer que essa modificação, empreendida pelo juiz independentemente de pedido da parte, pode atingir até mesmo a multa que tenha sido fixada em sentença já transitada em julgado.

Isso porque a parte da decisão que aplica a multa não representa resposta ao pedido do autor, não compondo o dispositivo da sentença e, por isso, não é hábil a transitar materialmente em julgado (AMARAL, 2010, p. 228). A coisa julgada material torna indiscutível o dispositivo da sentença, nos termos do arts. 468 e 469 do CPC, sendo que este representa a resposta ao pedido feito pelo autor, conforme se depreende dos arts. 458 e 459 do CPC. Desse modo, não há como reconhecer que eventual coisa julgada material que recaia sobre a sentença que também fixou multa coercitiva atinja esta, impedindo sua modificação posterior pelo juízo.

Mesmo partindo de uma interpretação direta do texto constitucional, pode- se ver que o objetivo da consagração da coisa julgada é por fim ao conflito representado pela demanda levada ao Judiciário. O autor tem o direito (direito de ação) a que o Judiciário se manifeste sobre a controvérsia que se lhe apresenta, definindo o direito aplicável e extraindo daí as consequência pertinentes, de modo definitivo, evitando, assim, a perpetuação dos conflitos (garantia da coisa julgada).

A multa coercitiva não tem qualquer relação com a necessidade de definição e estabilização da resposta judicial à demanda trazida pelo autor. Ela constituiu um meio de execução de eventual obrigação que venha a ser reconhecida, essa sim o cerne da demanda do autor. O autor tem direito a provocar o Judiciário para definir o direito aplicável (direito de ação), definição esta que deve ter foros de definitividade (garantia da coisa julgada), bem como tem direito a provocar novamente o Judiciário, se necessário, para que este efetive o direito reconhecido (direito de ação), mas, nesse caso, o direito não abrange a utilização de

uma específica medida executiva.

Há o direito à execução, como decorrência direta do direito de ação, mas não há o direito a uma determinada e específica medida executiva. As medidas executivas são aquelas estabelecidas em lei, e sua utilização deve ser feita conforme os parâmetros também estabelecidos em lei, não havendo como se reconhecer o direito definitivo à utilização de determinada medida que tenha sido estabelecido na sentença porque esse suposto direito não guarda direta correlação com a necessidade de estabilização da resposta dada pelo Judiciário à demanda do autor.

É possível, assim, ver que a modificação do valor da multa é atitude que não implica qualquer ofensa à garantia constitucional da coisa julgada.

Para modificar o valor da multa, o juiz tem que se ater ao pressupostos determinados pela lei, quais sejam, a verificação de sua insuficiência ou de sua excessividade. Para tanto, ganha relevo a necessidade de fundamentação específica em torno desses conceitos jurídicos indeterminados, o que somente pode ser devidamente empreendido quando se tem em mente os aspectos fáticos que envolvam a aplicação da multa coercitiva. Em outros termos: a modificação da multa coercitiva pressupõe que o juiz preencha os conceitos jurídicos indeterminados de insuficiência ou execessividade à luz de fatos que estejam relacionados com a aplicação da multa. Não está o juiz autorizado a modificar o valor da multa de forma abstrata, fazendo referências genéricas a elementos normativos.

Joaquim Felipe Spadoni (2007, p. 185) bem coloca que “a modificação do valor da multa deve estar suficientemente fundamentada na modificação da situação fática que a enseja, e a verificação de sua insuficiência ou execessividade assim pode ser considerada”.

É necessário apenas frisar que a situação fática que pode ensejar a modificação da multa pode ser até preexistente à sua aplicação, mas deve ser nova para a cognição judicial, pois, como já visto, ao cominar a multa, o juiz não tem em mãos todos os aspectos de fato que permitiam o devido equacionamento do valor da multa à luz da capacidade de resistência do devedor. O valor da multa pode ser alterado com base em fatos anteriores à cominação da multa pelo juiz, mas que não tenham sido objeto de sua cognição e que apontem no sentido de a capacidade de

resistência do devedor ser maior ou menor do que aquela inicialmente projetada, o que deve levar, desde de que de modo fundamentado, ao respectivo aumento, por insuficiência, ou diminuição, por excessividade, do valor da multa.

De se ver, assim, que o valor da multa somente pode ser alterado com fundamento em elementos de fato novos para a cognição judicial, o que implica a necessidade de uma leitura mitigada da oficiosidade do juiz na alteração desse valor. Como o juiz não pode, por si só, colher elementos de fato estranhos àqueles que tenham sido trazidos pelas partes, a modificação do valor da multa fica na dependência de que o autor ou réu tragam elementos fatos em suporte a suas pretensões de aumento ou diminuição da multa. A oficiosidade do juiz, então, passa a ser entendida como ausência de vinculação à proposta de aumento ou diminuição eventualmente apresentada pela parte interessada, mas não como uma ampla autorização para colher elementos de fato ainda não trazidos ao processo em detrimento da atividade das partes. O entendimento contrário implicaria irremediável mácula ao princípio dispositivo (art. 2º do CPC), decorrência direta do direito fundamental de ação (art. 5º, inc. XXXV da CF/88)70

.

Questão controversa que se põe com relação à modificação é a possibilidade de ela se dar retroativamente (ex tunc) ou apenas prospectivamente (ex nunc).

Via de regra, a modificação do valor da multa, até mesmo em função da regra consagrada no art. 6º, caput da LINDB, somente terá efeitos prospectivos, ou seja, não atingirá as situações anteriormente ocorridas. Todavia, considerando que, no momento de fixação da multa, o juiz não dispõe dos elementos necessários à sua quantificação precisa, que somente podem se evidenciar depois do início de sua incidência, não se pode afastar a possibilidade de modificação retroativa do valor, de modo a atingir até mesmo o momento de sua fixação inicial, possibilitando um adequado dimensionamento à luz da capacidade de resistência do devedor, que 70 É preciso ter em conta que o juiz dispõe de poderes para determinar a produção de provas referentes ao fatos alegados, independentemente de requerimento das partes (art. 130 do CPC), mas isso não significa que o juiz tenha o poder de se debruçar sobre fatos não trazidos ao processo pelas partes. Trata-se de aplicação do princípio dispositivo, como bem delineado por Rui Portanova (2008, p. 123), “é mais fácil entender o princípio dispositivo referindo a limitação ao juiz. Assim, o juiz fica adstrito aos fatos, ao conflito, à lide. Não poderá: 1. conhecer de controvérsia (questão) que só pelas partes pode ser suscitada; 2. buscar fatos não alegados pelas partes; 3. determinar quais as questões que vai julgar; 4. admitir, considerar ou ter por base outros fatos a não ser os alegados pelas partes”.

deixará de ser presumidamente conhecida, como se dá quando há sua fixação inicial, para passar a ser efetivamente conhecida.

Para Joaquim Felipe Spadoni (2007, pp. 187), a alteração retroativa da multa não é possível porque implicaria ofensa ao direito adquirido do autor ao respectivo crédito:

[…] a partir do momento em que há o descumprimento da ordem judicial e a consequente incidência da multa, esta já passa a ser devida pelo devedor,

incorporando-se ao patrimônio do credor. Tanto assim é que, caso queira,

pode o credor, desde o descumprimento executá-la. Também, pode o devedor efetuar o pagamento ao credor e este recebê-lo, sem que exista qualquer possibilidade de discussão da existência da relação jurídica crédito-débito.

A partir do momento em que a decisão impositiva da multa transita em julgado e que existe a desobediência à ordem judicial, esta incorporação passa a ser definitiva, não mais podendo ser revertida, cabendo ao devedor apenas o seu pagamento, amigável ou via execução forçada.

A alteração do valor da multa diária de forma retroativa, afetando aqueles valores já transformados em crédito do autor, por força da desobediência à ordem judicial, importa em ofensa ao direito adquirido, constitucionalmente protegido pelo art. 5º, XXXVI, da CF.

Considerando que o crédito decorrente da incidência da astreinte deve reverter para o Estado, não para o autor da demanda, o problema da alteração retroativa do valor da multa para diminui-la não se põe como ofensivo à garantia constitucional do direito adquirido, mormente porque esta não abrange as posições jurídicas titularizadas ativamente pelo Estado71

. Assim, sem o receio de ofender suposto direito de crédito constitucionalmente protegido, o juiz pode alterar retroativamente o valor da multa coercitiva, para diminui-lo, desde de que o faça fundamentadamente, à luz de fatos ainda não levados a sua cognição e que apontem no sentido de que a resistência do devedor ao cumprimento da ordem

71 Os direitos fundamentais são historicamente concebidos como direitos do indivíduo em face do Estado, não havendo, nessa perspectiva, como reconhecer direitos fundamentais, à semelhança da garantia constitucional do direito adquirido, decorrência direta do direito fundamental à segurança jurídica, titularizados ativamente pelo Estado. A exceção fica por conta dos direitos fundamentais de ordem processual (contraditório, juiz natural, dentre outros) e para aquelas situações em que a pessoa jurídica de direito público se despe do seu poder de império (no Brasil, cf. BRANCO, 2002, pp. 165-166, em Portugal, cf. CANOTILHO, 2003, p. 422-423, e na Alemanha, cf. HESSE, 2009, pp. 58-59). Com relação à multa coercitiva, não parece possível reconhecer que o Estado-juiz não esteja agindo em típico exercício do seu poder de império, motivo pelo qual, até mesmo sob a perspectiva que reconhece ser possível a titularização ativa de direitos fundamentais pelo Poder Público, não há como se reconhecer um suposto direito fundamental à segurança jurídica e consequente garantia do direito adquirido do Estado na espécie.

judicial é efetivamente menor do que aquela projetada no momento inicial da aplicação da multa.

Um aspecto importante que surge nesse passo é a possibilidade de supressão total do valor da multa.

Não se trata de uma simples questão de redimensionar o valor da multa à luz do conceito legal de excessividade, pois este parte do pressuposto de que a multa foi acertadamente aplicada, mas apenas de modo excessivo.

Reconhecer a possibilidade de supressão integral do crédito decorrente da incidência da astreinte equivale a reconhecer que ela foi inadequadamente aplicada, o que é perfeitamente possível de se reconhecer, considerando a limitação de conhecimento do juiz acerca da capacidade de resistência do devedor no momento inicial de aplicação.

Essa inadequada aplicação da astreinte, contudo, somente se entremostra quando, desde o início de sua incidência, a capacidade de resistência do devedor não possui relevância alguma, o que se configura apenas quando o cumprimento da obrigação mostra-se impossível.

O juiz, então, somente fica autorizado a suprimir totalmente o valor da multa quando, de modo fundamentado, à luz de fatos novos, considerado como aqueles ainda não levados a seu conhecimento, constata que, desde pelo menos o momento de fixação inicial da multa coercitiva, o cumprimento da ordem judicial se mostrava impossível.

Com relação ao aumento retroativo do valor da multa, tem-se que ele não é possível.

Para Guilherme Rizzo do Amaral (2010, p. 162), a alteração retroativa para aumentar o valor da multa faria o instituto ser descaracterizado, pois passaria a ser um instrumento de punição.

É preciso recordar que o direito fundamental à segurança jurídica exige a previsibilidade, entendida esta como a possibilidade de adotar condutas de acordo com as expectativas jurídicas legitimamente construídas. Assim, não parece possível reconhecer a possibilidade de o juiz alterar retroativamente o valor da multa sem que isso ofenda o direito fundamental à segurança jurídica do devedor, na medida em que o valor inicial da multa criou a legítima expectativa de que, em caso de

descumprimento da ordem judicial, o desfalque patrimonial a ser suportado pelo devedor seria, no máximo, aquele inicialmente estabelecido multiplicado pelo tempo de descumprimento.

Apesar de ser legítimo defender que o devedor não tenha o direito a calcular a possibilidade de descumprimento em função do desfalque patrimonial, chegando à conclusão de que poderia ser benéfico, por menos oneroso, o descumprimento da ordem judicial, isso não afeta a conclusão pela impossibilidade de aumento retroativo do seu valor. A própria estruturação legal da multa coercitiva, que obriga a fixação de um valor, ainda que passível de alteração, parece apontar no sentido de que o legislador, no seu legítimo campo de conformação, ponderando todos os interesses envolvidos, preferiu, no ponto, prestigiar a segurança jurídica do devedor, que deve ter o exato conhecimento da medida da perda patrimonial que pode vir a sofrer.

Desse modo, é possível vislumbrar que alteração do valor multa coercitiva, que não implica ofensa à garantia constitucional da coisa julgada, somente pode se dar de modo fundamentado, à luz de novos fatos, considerados como aqueles até então não levados ao conhecimento judicial, podendo retroagir exclusivamente para diminuir ou até mesmo suprimir o valor já incidido72.

5.2.2.1 A alteração do valor da astreinte e o comportamento do autor

Como visto acima, a possibilidade de alteração retroativa do valor da multa coercitiva para diminui-la é bastante problemática, tendo em vista o direito de crédito formado pela sua incidência, se se considera que esse crédito pertence ao autor da demanda.

Ocorre que, mesmo sob essa perspectiva, ainda que de modo mais 72 A possibilidade de modificação retroativa da multa pode vir a sofrer importante modificação no CPC projetado (SCD nº 166/2010). No lugar da redação do atual art. 461, § 6º do CPC, que, lido de maneira constitucionalmente adequada, autoriza a modificação do valor da multa até mesmo de modo retroativo, desde que não seja para majorá-la, a redação veiculada no art. 551, § 1º autoriza a modificação e a periodicidade da multa “vincenda”, “sem eficácia retroativa”, o que não deixa muita margem para concluir em sentido diverso ao da vedação da modificação retroativa de modo amplo. Nesse caso, não só ficam prejudicadas as considerações desse item sobre a possibilidade de modificação do valor da multa de modo retroativo, ainda que apenas nos casos de diminuição, como se impõe reconhecer que o juiz deve fixar o valor inicial da multa em patamar baixo, para eventualmente aumentá-lo, e não alto, para eventualmente diminui-lo, inclusive retroativamente, como havia sido defendido em item anterior.

excepcional, é possível reconhecer a possibilidade de diminuição retroativa do valor da multa.

Urge frisar inicialmente, porém, que, para supressão total do valor da multa, não há diferença de tratamento quando o crédito reverte para o Estado ou para o autor: é necessária a comprovação de que, desde o momento inicial de incidência da astreinte, o cumprimento da obrigação determinada na ordem judicial era impossível.

A redução retroativa do valor da multa coercitiva (supressão parcial), quando se reconhece que o respectivo crédito pertence ao autor da demanda, depende da adoção de conduta, por parte deste, incompatível com a função coercitiva da astreinte.

Cássio Scarpinella Bueno (2008, v. 3, pp. 417-418) defende que a negligência do autor para com a execução da obrigação principal, na expectativa de crescimento exponencial do valor da multa, que passaria a ser economicamente mais vantajosa, é motivo para suprimi-la.

Guilher Rizzo do Amaral (2010, p. 271) também defende o mesmo ponto, assentando que a “desídia do autor em exigir o cumprimento da tutela específica tão somente para usufruir o crédito resultante da multa” deve ser entendida como situação excepcionalíssima que autoriza a redução do seu montante.

Em verdade, por expor a questão de modo mais técnico, é preciso se achegar aos ensinamentos de Fredie Didier Jr., Leonardo J. C. da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael de Oliveira (2009, v. 5, pp. 457-460), quando defendem que o ordenamento impõe ao autor o dever de mitigar os próprios danos (duty do mitigate the loss), em função da boa-fé prevista tanto no Código Civil (art. 422) como no CPC (art. 14, II), de modo a que o descumprimento desse dever, evidenciado pelo negligenciamento da obrigação principal em favor da busca do crédito da multa coercitiva em valor elevado, leva à perda de parte do direito de crédito do autor (supressio) e ao surgimento do direito do devedor a ver diminuído o montante total do seu débito (surrectio).

É preciso apenas frisar que o princípio da boa-fé, base para a teoria dos atos próprios (vedação ao venire contra factum próprio), não é apenas um princípio que se possa extrair da legislação ordinária (arts. 422 do CC e 14, II do CPC).

Germana de Oliveira Moraes (2004, p. 126) destaca que a boa-fé é corolário do Estado de Direito (art. 1º, caput da CF/88), regulador de todas as relações jurídicas, sejam públicas ou privadas. Para Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barboza e Maria Celina Dodin de Moraes (2006, v.2, p. 17), a boa-fé se assenta nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/88), do valor social da livre iniciativa (art. 1º, IV da CF/88), da solidariedade social (art. 3º, I da CF/88) e da igualdade substancial (art. 3º, III da CF/88). A esses, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery (2009, p. 535) acrescentam o princípio da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI da CF/88).

O princípio da boa-fé, em sua vertente objetiva, exige que autor aja em sintonia com a finalidade perseguida pela aplicação da multa coercitiva, qual seja, buscar o cumprimento específico da obrigação. Assim, aplicada a multa e constatada sua incapacidade de induzir o devedor ao cumprimento voluntário, é dever do autor buscar a substituição da multa por qualquer outra medida de apoio (art. 461, § 5º do CPC) mais eficaz ou requerer de logo a conversão da obrigação principal em perdas e danos, sem prejuízo do valor da multa já incidido.

Caso fique verificado, porém, que o autor deixou transcorrer demasiado lapso temporal sem qualquer provocação do juízo para a adoção de medidas que levem ao cumprimento específico de forma mais efetiva, buscando apenas se beneficiar do valor da multa, que já terá atingido valor vultoso, caberá reconhecer a ofensa ao princípio da boa-fé, na medida em que o autor adotou comportamento incompatível com a razão de ser da aplicação da multa coercitiva, que é buscar o cumprimento específico, não se apropriar do crédito gerado. Assim, o autor perderá o direito a parte do valor já formado (supressio) e o devedor verá nascer o direito à redução do débito até então gerado (surrectio).

É importante destacar que o comportamento contraditório do autor somente ficará evidenciado a partir do momento em que for constatada a perda de eficácia da multa coercitiva e a negligência em perseguir outros meios mais efetivos para a obtenção da tutela específica, o que denotará, ainda que implicitamente, o desejo de se apoderar do valor da multa em detrimento da obrigação principal. Isso implica reconhecer que, ainda que por um breve momento, a incidência da multa se deu modo legítimo, e o autor não agia sem boa-fé, pois aguardava legitimamente a

atuação da eficácia coercitiva do instituto. Com relação a esse período de legítima omissão do autor, é de se reconhecer que o crédito foi legitimamente formado e, com fundamento na mesma boa-fé, não poderá haver redução por parte do juiz.

Cumpre então reconhecer que, ainda que o crédito da multa coercitiva deva reverter para o autor, ele pode ser retroativamente reduzido pelo juiz, mas, para tanto, tem este que fundamentar a redução na constatação de que houve quebra da boa-fé por parte do autor, que passou a adotar comportamento demonstrando sua preferência pelo valor da multa no lugar da tutela específica da obrigação principal. Nessa hipótese, não é legítimo suprimir o valor integral da multa, devendo o juiz ter o cuidado de identificar o momento a partir do qual a preferência pelo valor da multa no lugar da tutela específica ficou evidenciado, pois é a partir de então que o crédito terá se formado de forma indevida.

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