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Os direitos fundamentais em sua dupla face (objetiva e subjetiva) e a constituicionalização do direito infraconstitucional (filtragem constitucional)

3 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS PROCESSUAIS

3.1 Os direitos fundamentais em sua dupla face (objetiva e subjetiva) e a constituicionalização do direito infraconstitucional (filtragem constitucional)

Os direitos fundamentais, no constitucionalismo moderno, começaram sendo concebidos na rígida estrutura de direitos subjetivos em favor do indivíduo para conter a interferência do Estado na sua esfera jurídica.

Seu estatuto teórico de direito subjetivo não permitia que fosse concebida sua aplicação para além daquela específica relação jurídica entre indivíduo e Estado para o qual haviam sido inicialmente concebidos.

Paulo Bonavides (2004, pp. 563-564) destaca que, nesse momento inicial, os direitos fundamentais, que correspondem a direito individuais

[...] têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdade ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.

É a partir do constitucionalismo social, em especial na Alemanha, já sob a Constituição de Weimar, que os direitos fundamentais passam a ganhar um novo enfoque teórico, que faz com eles transbordem a rígida estrutura do direito subjetivo do indivíduo perante o Estado para se sobreporem sobre todo o ordenamento jurídico como normas. Trata-se, como bem frisado por Paulo Bonavides (idem, p. 567), do “[... ] nascimento de um novo conceito de direitos fundamentais, vinculados materialmente a uma liberdade 'objetivada', atada a vínculos normativos e institucionais [...]”.

Assim, mesmo sem perder a importância como direitos subjetivos, os direitos fundamentais passam a ser normas constantes da Constituição que espraiam sua imperatividade para além daquela específica relação para a qual foram concebidos, atingindo todos os campos do ordenamento jurídico32.

Essa construção teórica em torno da face objetiva dos direitos fundamentais ganhou ainda mais corpo na Alemanha após a Lei Fundamental de

32 Há quem veja a dimensão objetiva dos direitos fundamentais presente desde suas origens, e não a partir do constitucionalismo social, como Konrad Hesse (2009, pp. 35-36), para quem “pertence desde as origens da tradição dos direitos fundamentais a ideia de que eles não são só direitos subjetivos mas, ao mesmo tempo, princípios objetivos da ordem constitucional”.

1949, tendo ganhado especial relevância a partir da decisão do Tribunal Constitucional alemão no caso Lüth, em 1958 (HESSE, 2009, p. 37).

Após solidificada na Alemanha, essa construção teórica logo se espalhou, sendo hoje largamente aceita. Em Portugal, Cristina Queiroz (2009, p. 366) assenta que:

Os direitos fundamentais não garantem apenas direitos subjectivos, mas também princípios objectivos básicos para a ordem constitucional democrática do Estado de direito. Este 'significado jurídico-objectivo' dos direitos fundamentais transforma-os em 'preceitos negativos de competência'. Como refere Hesse, o decisivo nesta 'concepção ampla dos direitos fundamentais' foi a recusa da sua interpretação formal até então dominante e a mudança para uma noção material que compreende a sua 'dimensão jurídico-objectiva'.

Mas não só. É também a incorporação dos direitos fundamentais, entendidos numa perspectiva individualista e clássica de 'direitos de defesa' (Abwehrrechte), numa 'ética-social'.

No Brasil, são vários os autores que defendem essa construção, valendo destacar as ponderações de Paulo Gustavo Gonet Branco (2002, p. 153):

A dimensão objetiva resulta do significado dos direitos fundamentais como princípios básicos da ordem constitucional. Os direitos fundamentais são da essência do Estado de Direito democrático, operando como limite do poder e como diretriz para a sua ação. As constituições democráticas assumem um sistema de valores que os direitos fundamentais revelam e positivam. Esse fenômeno faz com que os direitos fundamentais influam sobre todo o ordenamento jurídico, servindo de norte para a ação de todos os poderes constituídos.

Os direitos fundamentais, assim, transcendem a perspectiva da garantia de posições individuais, para alcançar a estatura de normas que filtram os valores básicos da sociedade política e os expandem para todo o direito positivo. Formam, pois, a base do ordenamento jurídico de um Estado democrático.

Dessa perspectiva objetiva dos direitos fundamentais decorre o fenômeno da constitucionalização do direito infraconstitucional, entendido este como a releitura/reaplicação das normas e institutos infraconstitucionais em consonância com os valores representados pelos direitos fundamentais.

Esse fenômeno, no Brasil, foi captado, dentre outros, por Luís Roberto Barroso (2009, p. 363), que defende que toda interpretação jurídica é interpretação constitucional na medida em que ela reclama a aplicação, direita ou indireta, da norma constitucional:

À luz de tais premissas, toda interpretação jurídica é também interpretação constitucional. Qualquer operação de realização do Direito envolve a

aplicação direta ou indireta da Lei Maior. Aplica-se a Constituição:

a) Diretamente, quando uma pretensão se fundar em uma norma do próprio texto constitucional. Por exemplo, o pedido de reconhecimento de uma imunidade tributária (CF, art. 150, VI) ou o pedido de nulidade de uma prova obtida por meio ilícito (CF, art. 5º, LVI).

b) Indiretamente, quando uma pretensão se fundar em uma norma infraconstitucional, por duas razões:

(i) antes de aplicar a norma, o intérprete deverá verificar se ela é compatível com a Constituição, porque, se não for, não deverá fazê-la incidir; esta operação está sempre presente no raciocínio do operador do Direito, ainda que não seja por ele explicitada;

(ii) ao aplicar a norma, o intérprete deverá orientar seu sentido e alcance à realização dos fins constitucionais.

Esse último fenômeno – a leitura das normas e institutos infraconstitucionais à luz da normas constitucionais, especialmente de direitos fundamentais –, que recebe por parte de alguns o nome de filtragem constitucional, é o que interessa mais de perto à pesquisa, pois o intuito primordial é analisar os três problemas apontados envolvendo as astreintes (destinatário do crédito, manipulação do valor e forma de execução do crédito) à luz dos direitos fundamentais relacionados ao processo jurisdicional, especialmente o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva33.

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