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CAPÍTULO 4 – COMUNIDADES DE PRÁTICA E USOS LINGUÍSTICOS: O PADRÃO JESUÍTICO DE

4.2. A colocação pronominal do interior paulista: O modelo jesuítico confrontado

4.2.4. Colocação pronominal em perspectiva: o caso das infinitivas

4.2.4.1. A moldura pronominal: orações infinitivas

Tomando o fenômeno linguístico da colocação pronominal como lente para mapear as duas balizas, fala e escrita da variedade brasileira de língua portuguesa, Oliveira (2011), ao compulsar as gramáticas oitocentistas, observou que o ambiente sintático menos marcado era o das infinitivas preposicionadas (ex. deixou de lhe

dizer/dizer-lhe; começou a lhe falar/falar-lhe). Não se apontava como brasileirismo bem

como não se condenava o uso de uma ou outra colocação pronominal.

Sendo um contexto sintático pouco sujeito à estigmatização100, do qual os

compêndios gramaticais pouco se ocupam, a colocação pronominal em estruturas infinitivas estava livre das amarras normativas e poderia ser tratada como ambiente de variação, sujeita a fatores extralinguísticos. Essa constatação levou à suposição de que o ambiente sintático das infinitivas preposicionadas seria um dos contextos ideais para vincular a conjuntura à análise linguística. Esse ambiente menos controlado pode ser constatado ao analisar as gramáticas da época. No colégio jesuítico, a gramática de base para o ensino não revela nenhuma orientação sobre a colocação pronominal em contexto de infinitivas101.

Com efeito, o quadro das infinitivas preposicionadas nas produções literárias mostra diferenças entre o português do Brasil e o Português Europeu:

“A língua literária brasileira do século XIX, no entanto, não é igual nem ao PE, nem ao PB atual: assemelha-se ao modelo lusitano por quase sempre empregar a ênclise com todos os pronomes depois da preposição

99 Os estudos que elencamos nesta seção não consideram os casos de colocação pronominal sem a presença de preposição. Incluiremos esse contexto em nossos dados.

100 O contexto de subordinadas, por exemplo, foi alvo de atenção dos gramáticos que, após a polêmica travada sobre a escrita de José de Alencar, assinalavam a ênclise como brasileirismo. A partir daí, é visível o decréscimo do uso da ênclise no contexto de subordinadas.

101 Como abordado no Capítulo 2, a gramática adotada no colégio para o ensino nas aulas das primeiras séries orientava apenas para o bom uso dos oblíquos, mas sem a discussão da ordem sentencial.

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a mas, ao contrário do PE, com as demais preposições prevalece a ênclise”. (SCHEI, 2010, p.67)

Em amostra constituída de cartas pessoais de escritores brasileiros e portugueses escritas ao longo do século XIX e na primeira década do século XX, o estudo revelou a existência de dois quadros diferentes de colocação pronominal. Entre os brasileiros evidenciou-se uma mudança linguística: a preferência pela colocação enclítica nos textos dos escritores românticos José de Alencar e Álvares de Azevedo é abandonada em favor da próclise por Machado de Assis, Lima Barreto e Mario de Andrade. Por sua vez, as cartas pessoais dos escritores portugueses manifestavam um sistema dual, caracterizado pelo uso categórico da ênclise junto à preposição “a” e da próclise no ambiente das demais preposições, mantendo-se estável ao longo do período. Seguem- se exemplos do sistema dual português, tomado como parâmetro para a discussão:

(m) Cada queijo, [...] pode vir a custar-te, a ti Jacinto queijeiro... (E.Queirós, CeS, p.230) (n) ...parava, imóvel, [...] , para se embeber de silêncio e de paz... (E.Queirós, CeS, p.215) (o) O vasto Pimentinha, [...], não cessava de nos contemplar (E.Queirós, CeS, p. 188)

No gráfico a seguir, estão os dados dos escritores portugueses em relação ao tipo de preposição:

Gráfico 4– Ênclise em orações infinitivas preposicionadas: Escritores portugueses oitocentistas102 (Adaptado de Oliveira, 2011)

102 As tabelas com os números de ocorrências/estatísticos podem ser consultadas nos “anexos”, ao fim deste trabalho. 0 20 40 60 80 100 A.Garrett A.Herculano C.C.Branco Eça de Queirós F. Pessoa PARA DE A

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O gráfico mostra a estabilidade e a especialização da ênclise no ambiente da preposição “a” e da próclise na presença das demais preposições, quadro linguístico que não se repete para os escritores brasileiros:

Gráfico 5: Ênclise em orações infinitivas preposicionadas: Escritores brasileiros (Adaptado de Oliveira, 2011)

Os resultados obtidos na análise da colocação pronominal no contexto das infinitivas preposicionadas mostram que os literatos brasileiros não adotavam o modelo português, uma vez que o contexto da preposição “a” é permeável à próclise, resultados semelhantes àqueles encontrados por Schei (2010): faixa de 20% entre os românticos e 50% entre os realistas.

Ao analisar a colocação pronominal nas infinitivas preposicionadas em correspondências de circulação pública, Oliveira (2013) observou que, contrariamente à tendência à próclise verificada nas cartas dos escritores da virada do século XIX-XX, os autores incrementavam o uso da ênclise, como mostra o gráfico abaixo:

0 20 40 60 80 100 J.Alencar A. Azevedo M. Assis L. Barreto M. Andrade PARA DE A

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Gráfico 6 – Ênclise em orações infinitivas preposicionadas:

Correspondência de circulação pública escrita no Brasil (Adaptado de Oliveira, 2013)

Se a correspondência do período colonial (século XVIII) atendia ao modelo português, a do período do Brasil independente 103 quebrava o modelo dual e optava pela

generalização da ênclise em crescimento ao longo do século. O contraste entre a gramática dos escritores e a dos intelectuais políticos (próclise e ênclise, respectivamente) estava em consonância com a clivagem da classe intelectual ocorrida a partir do movimento de 1870 (ALONSO, 2002): na 1ª. metade do século XIX os escritores eram a um só tempo intelectuais e políticos; no final do século os escritores não ocupam cargo político e passam a usar uma gramática que ecoa o vernáculo. Os políticos, por sua vez, tendem a acentuar o uso da ênclise, afastando-se do vernáculo que vinha se fixando.

Assim, a virada do século XX era marcada por um padrão vernacular proclítico, assinalado nos textos dos literatos, e por um padrão de escrita enclítico, tal como se observa nas correspondências dos intelectuais que ocupavam posições políticas. Tal interpretação ganha suporte com a análise dos discursos parlamentares que também repercutem a ênclise generalizada (OLIVEIRA, 2014).

103 Entre a série de mudanças ocorridas no Brasil na primeira metade do século XIX estão, além da Independência de 1822, o manifesto romântico de 1836, a criação do Instituto Histórico e Geográfico de 1838 e diversas manifestações espalhadas pelo país. Esses eventos definem o forte desejo de autonomia que circulava e o esforço de valorização da realidade local.

100 84 100 20 65 75 0 53 93 0 20 40 60 80 100 Século XVIII 1850-1879 1880-1910

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O emprego maciço da ênclise também foi observado por Santos Silva (2012) nos textos produzidos por intelectuais paulistas republicanos formados pela Academia de Direito do Largo São Francisco, entre eles, Alberto Salles, Campos Salles, Prudente de Moraes e Rodrigues Alves104. A autora, seguindo os parâmetros de análise de Oliveira

(2011), detectou a gramática enclítica em sua produção e atribuiu-lhe condicionantes culturais, a saber a formação dos autores na Academia de Direito. A passagem pela Academia tanto dos escritores românticos quanto dos intelectuais republicanos explicaria a seleção da gramática que privilegia a ênclise:

Gráfico 7 – Ênclise em orações infinitivas preposicionadas Intelectuais republicanos paulistas (Adaptado de Santos Silva, 2012)

Interpretados à luz da conjuntura política e cultural, os resultados afastam a hipótese do português europeu como modelo e apontam dois percursos para a padronização linguística na virada do século XX: um que assumia a próclise vernacular, normalmente associada às classes sociais menos favorecidas, e um que ecoava a gramática da classe sócio-política que selecionada a ênclise como marca identitária para se contrapor a outras classes intelectuais emergentes (OLIVEIRA, 2014).

104 Embora Rodrigues Alves tenha ocupado a pasta presidencial da República, ele também ocupara cargos administrativos do governo monárquico.

0 20 40 60 80 100 Alberto Sales Campos Salles Prudente de Morais Rodrigues Alves PARA DE A

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