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A pintura pronominal nas comunidades de prática

CAPÍTULO 4 – COMUNIDADES DE PRÁTICA E USOS LINGUÍSTICOS: O PADRÃO JESUÍTICO DE

4.2. A colocação pronominal do interior paulista: O modelo jesuítico confrontado

4.2.2 Comunidades de prática em evidência

4.2.2.1 A pintura pronominal nas comunidades de prática

Conforme explicado na metodologia, o corpus para a análise linguística é dividido em duas partes: na primeira, estão os textos referentes à produção do grupo católico:

a. publicações da Imprensa Católica de Itu, correspondentes à Revista Mensageiro do Coração de Jesus e ao jornal Federação;

b. Discursos de oradores católicos (os quais chamamos de Intelectuais Católicos),

que discursaram por ocasião de festividades do Colégio para a colação de grau dos bachareis em letras do ginásio do CSL;

c. Discursos de Eclesiásticos que discursaram para as festas colegiais em

homenagem a São Luiz de Gonzaga.

A segunda parte contempla os textos publicados no jornal República, pois este representa o grupo de oposição ao grupo católico em atuação na mesma cidade. Os dados foram computados em separado para que possamos observar padrões do comportamento linguístico em relação às comunidades de prática definidas.

Para a análise da colocação pronominal em sentenças finitas, escolhemos como fatores linguísticos condicionadores o tipo de oração (independente, justaposta, subordinada ou 2ª coordenada) e a natureza do elemento que ocupa a primeira posição na sentença antecedendo o verbo (sujeito, sintagma adverbial91, estrutura de foco ou

quantificador). Dessa forma, procedemos a uma análise geral dos dados e, em seguida, partimos para uma análise detalhada por comunidades de práticas, considerando os

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Católicos e os Republicanos como grupos distintos. Assim, temos dois subgrupos de comunidades de práticas cujas produções serão analisadas, a partir do objeto linguístico da colocação pronominal para observar se os seus usos são semelhantes ou se marcam distinções: Imprensa Católica e Imprensa Republicana; Discursos de Eclesiásticos e Discursos de Intelectuais Católicos.

Tomando a tipificação dos grupos variáveis e invariáveis da colocação pronominal como medida (GALVES & LOBO, 2009), excluímos da computação os contextos que não sofrem variação, ressalvando-se que as orações subordinadas, por apresentarem variação no nosso corpus, foram mantidas na análise. Por aparecerem no corpus em posição enclítica e proclítica de forma categórica, foram desconsiderados os clíticos em posição inicial da sentença, a ordem V1(1-2) e os que se seguiam à negação (3-4), respectivamente92:

(1) Chama-vos a postos o clarim vibrante das sentinellas. [ARANTES]

(2) Protegem-vos armas que, como as do guerreiro da Iliada, foram forjadas por divino artifice. Com ellas sereis invenciveis. [LAET]

(3) O mais eminente dos philosophos modernos, Herbert Spencer, que não se amesquinhava nas estreitezas de um sectarismo intransigente, [PORCHAT]

(4) Sim, Irmãos e Filhos dilectissimos, não nos esqueçamos jamais de que somos todos membros de um só corpo, do corpo mystico de Jesus Christo – a Egreja, (...) [MCJ5]

O cômputo geral do material que analisamos apresenta baixa incidência de ênclise nos textos da primeira década do século XX: 213/830, perfazendo o total de 26%.

92Apresentamos aqui os dados de próclise e ênclise obtidos nas sentenças negativas e em início absoluto de sentença, por autor. Trata-se de uso categórico:

Negativas (Próclise) V1 (Ênclise) Intelectuais Católicos 37 30

Eclesiásticos 10 10

Jornal Republicano 8 5

Imprensa Jesuítica 16 25

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Esses dados corroboram diversos outros estudos que mostraram que a próclise era uma opção generalizada na gramática do português brasileiro, cf. Lobo (1992), Abaurre e Galves (1996), Galves (2001), entre outros.

Foram elencados os contextos de orações subordinadas, coordenadas (introduzidas por conjunções coordenativas, às quais nomeamos 2ª Coordenada), orações independentes e justapostas:

Subordinada

(5) Como prova desses conhecimentos é que o Governo Federal vos confere essa carta de sciencias e de letras que levaes para servir de ingresso nos estabelecimentos de ensino superior. [PRESTES]

(6) porque as suas portas estavam fechadas, quando ouviu-se uma voz sobrenatural, a voz de Maria, a sahir miraculosamente de sua imagem prodigiosa, e que d’este modo exprobrava ao guardo do sanctuario (...) [BRASILIO MACHADO]

2ª Coordenada

(7) (...) reveste o arnez da charidade, e assim armado não só resiste aos amiudados assaltos da hoste infernal, mas a investe elle o primeiro, (...) [PE.FIALHO]

(8) Luiz obedecia a seus professores, estimava seus collegas, e sujeitava-se jubilosamente aos sacrificios inherente á vida collegial. [ARC. FONTOURA]

Independente

(9) O reverendo Reitor nos disse que o collegio não tem nada com o caso (...) [REP30/1908-812]

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(11) As irmans de caridade ainda continuam sua caridosa assistencia nos hospitaes, as do Bom Pastor multiplicam seus asylos, as de S.José e S. Dorothéa se esmeram (...) [MCJ2]

(12) Corajoso e decidido o menino desce as escadarias do seu palacio, dirige-se á Egreja da Annunciata [MS.MACEDO COSTA]

Ainda em termos gerais, a Tabela 1, abaixo, sistematiza os resultados considerando o tipo de oração no qual se encontra a ocorrência.

Subordinada 18/448 4% 2ª Coordenada 32/116 28%

Independente 115/210 55%

Justaposta 48/56 86%

Tabela 1: Distribuição de ênclise por tipo de oração

Como esperado, há um baixo índice de ênclise nas orações subordinadas (dependentes), com apenas 4% das ocorrências. As subordinadas e as segundas coordenadas se comportam de maneira semelhante, por acionarem o uso da próclise, ainda que em percentuais bastante diferentes (96% e 72%, respectivamente). Já as orações independentes e as justapostas se aproximam por serem contextos favorecedores da ênclise.

Nas subordinadas, a próclise ocorre em percentual quase absoluto; seja o antecedente uma relativa (13), uma completiva (14) ou uma adjunta/circustancial (15):

(13) “Ella consiste em um apparelho electrico, que se applica aos trens, e dá ao machinista modo de avisar na distancia de um kilometro” [MCJ2]

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(15) “As materias a tratar no Congresso devem ser sufficientemente preparadas, para que se evitem discussões” [MCJ3]

O emprego da próclise nas subordinadas é respeitado em contexto da presença de orações intercaladas (16) e na justaposição de subordinadas (17):

(16) “Si queremos que nosso Congresso produza fructos serios e duraveis, é preciso que, evitando toda semelhança com as assembléas parlamentares, se tornem, quanto á forma, o que são em realidade” [MCJ3]

(17) “o menino dizia comsigo que1 a sociedade o livrára das faixas da infancia, Ø1 o

emancipára de sua tutela religiosa o que bem depressa significava para elle” [MCJ12]

Ao contrário do que se verifica para as subordinadas, na 2ª coordenada a intercalação de elementos é um condicionador da colocação enclítica, como se elementos intervenientes favorecessem uma leitura de justaposição de orações:

(18) Mas, basta, Senhores, que se confrange o coração e, rebeldes, sóbem-me as lagrimas aos olhos… [ARANTES]

(19) Viestes ter a esta casa, a Colchida do saber e da virtude, e as lagrimas dos vossos, originadas do egoismo do amôr, enxugaram-se pela certeza de que nella vinheis encontrar o carinho e o conforto necessarios, [CAMARA LEAL]

A grande oscilação na colocação pronominal nas orações independentes levou- nos à análise do elemento que precede o verbo para averiguar o seu peso na distribuição do clítico. Assim, para a próxima tabela, escolhemos nos deter nessas orações e verificar aí o contexto que antecede o clítico.

Sujeito não-focado 50/94 55% Sintagma Adverbial 63/100 63%

Foco 1/7 14%

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Tabela 2: Ênclise por tipo de elemento na 1ª posição sentencial

Era de se esperar que quantificadores e elementos focalizadores acionassem categoricamente a próclise, pois esses são contextos propícios a essa marcação, entretanto, embora em números mínimos, encontramos usos de ênclise:

(20) Dahi essa longa série de qualificativos, cada qual mais eloquente, a ennobrecer a sua dignidade:- uns, chamam-n’os, as partes nobilissimas do corpo de Pedro; (...) [BRASILIO MACHADO]

(21) Tudo é admiravel, a natureza mesmo parecia-me mais encantadora (...) [MCJ6]

Quanto à presença de sujeito lexical ou pronominal e de sintagmas adverbiais, a ênclise é ligeiramente mais presente nos dados (55% e 63%, respectivamente):

(22) Deus chamou-vos, Eminentissimo Senhor, para destinos admiraveis, vas mirabile, [BRASILIO MACHADO]

(23) «Hontem – pontifica assim a sabedoria contemporanea, pela boccca de Clemenceau – hontem acreditava-se; hoje pensa-se.(...) [ARANTES]

Como discorremos acima, a análise da distribuição do clítico em diversos contextos salientou o comportamento das segundas coordenadas muito próximo ao das subordinadas, o que pode indiciar que a conjunção, seja ela subordinativa ou coordenativa, é fator determinante para a escolha da ênclise. No caso das independentes, seu comportamento está mais próximo àquele verificado nas justapostas, o que sugere que o contexto entoacional93 é fator atuante. Ainda a partir das

independentes, a presença de sintagma adverbial e de sujeito não-focado foram os fatores que propiciaram a escolha da ênclise.

93 Galves (2003) verificou uma alta frequência da ênclise nos sermões de Pe. Vieira todas as vezes em que havia um tópico contrastivo [Ex. Elles conheciam-se, como homens, Christo conhecia-os, como Deus. (VIEIRA, 1608, Corpus

Tycho Brahe)], o que constituiria uma evidência do peso da prosódia na colocação pronominal. Acrescentamos a

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Nessa primeira parte, foram computados os dados que trouxeram a configuração geral da colocação pronominal na primeira década do século XX em Itu. A seguir, procuramos distinguir a distribuição entre as comunidades de práticas. Destacamos, primeiramente, a colocação pronominal dos republicanos e, então, comparamos os resultados com os dados do grupo católico.