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3.7 A morte da modelo Agda e a possibilidade de um crime sexual

3.7.5 A morte de Agda a partir da ideia do potencial de audiência no DC

A cobertura do Diário dos Campos sobre o caso da morte da modelo Agda é menos extensa que o noticiário sobre o crime no Jornal da Manhã. O DC começa a noticiar o caso no dia seguinte ao acontecimento, com direito a espaço na capa. O periódico publica uma chamada com foto na primeira página, intitulada “MODELO É ASSASSINADA EM PG”. O texto que acompanha a imagem informa sobre a morte de Agda e já apresenta Jean Carlos como “acusado do assassinato”. O DC ressalta ainda o fato do crime ter sido cometido na casa da vítima.

Com a primeira página composta por estereótipos que retratam Jean e Agda, respectivamente, nas posições informadas (ele, o “acusado”, aparece algemado, enquanto ela, a modelo, é retratada em uma foto pousada durante um ensaio), o acontecimento morte também é destaque na página interna do Diário dos Campos. A notícia ocupa parte significativa da editoria de Polícia e a reportagem é intitulada: “Rapaz é preso acusado de assassinar modelo”.

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Imagem 31 – Chamada com foto publicada na capa do DC na edição de 20 de setembro de 2011

Fonte: Do autor

A notícia é ilustrada por três imagens: a primeira delas mostra equipes do IML retirando o corpo de Agda da cena do crime, a outra, sobreposta a foto da retirada do corpo, é um retrato de Agda e a terceira imagem mostra Jean, algemado. Na linha de apoio, o Diário

dos Campos informa: “Segundo a polícia, vendedor de 23 anos arrombou a casa da moça, no

Núcleo Pimentel, com o intuito de estuprá-la, mas a vítima reagiu e acabou sendo morta”. O

DC apresenta já na primeira notícia aspectos que comporiam o contexto da cobertura, como a

possibilidade da jovem ter sido vítima de um abuso sexual por parte de Jean.

Com o DC utilizando estereótipos para apresentar o caso ao público, como o uso do substantivo “modelo” para se referir à Agda, ainda desconhecida dos leitores, a cobertura sobre o acontecimento segue na edição do dia 21 de setembro de 2011. Sem espaço na capa e registrada apenas em uma notícia secundária na página de Polícia, o Diário dos Campos informa: “Corpo da modelo Agda Rocha é sepultado”.

Esse é o primeiro desdobramento direto do acontecimento morte nas páginas do DC – o enterro de Agda é noticiado a partir de quesitos dramáticos e recursos de “humanização”, como a utilização de falas da mãe da modelo. O enterro da jovem é apenas o gancho para que o periódico apresente os primeiros dados sobre as investigações, além da versão do suspeito que afirmava estar mantendo relações sexuais com a modelo quando ela caiu, bateu a cabeça e morreu. Já na edição seguinte, 22 de setembro, o DC registra em uma nota na coluna ‘Breves’

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a agressão sofrida por Jean dentro do presídio Hildebrando de Souza – no concorrente esse fato foi alvo de uma reportagem e o enterro de Agda foi noticiado em outro espaço.

Com uma cobertura factual sobre a morte da modelo Agda, o Diário dos Campos segue noticiado o caso na edição de 25 e 26 de setembro de 2011, no entanto o noticiário é retomado a partir de um ângulo incomum até o momento. Em uma chamada sem foto na primeira página, o DC informa: “MORTE DE MODELO É RECORDE DE ACESSO”. No texto que acompanha a chamada, o Diário dos Campos informa: “Assassinato da modelo Agda gerou enorme repercussão. Com mais um caso ontem, já são 8 mulheres mortas em 2011. Especialistas comentam”.

A chamada na capa do DC mescla aspectos da agenda do próprio jornal a partir do potencial de audiência da morte como acontecimento jornalístico58 com uma contextualização do problema social da violência contra a mulher. Na página interna do jornal, a temática ocupa todo o espaço da editoria de Polícia e no título o jornal informa: “Caso Agda chama atenção do público”.

Nessa altura da cobertura, o assassinato de Agda já é considerado um “caso” pelo

DC e passa a compor a serialização e ritualização do acontecimento morte nas páginas do

jornal (ANTUNES, 2012). Na linha de apoio o periódico informa: “Nenhum crime gerou tanta repercussão quanto a morte de Agda Rocha. Especialistas discutem aspectos psicológicos e midiáticos”. Ainda em um ‘olho’ publicado na reportagem, o jornal informa: “Leitores se identificaram com a forma de vida da modelo Agda Rocha”.

Mesmo que Agda tenha sido apresentada ao público apenas após o assassinato, o jornal garante que os leitores haviam se identificado com a “forma de vida da modelo” – a jovem não era uma personagem que compusesse o noticiário do DC antes do crime. A reportagem publicada no Diário dos Campos na edição de 25 e 26 de setembro traz ainda dados do número de assassinatos cometidos contra mulheres em Ponta Grossa durante 2011, além de explicações culturais e até midiáticas sobre o “recorde de acesso” da notícia sobre o crime – a estratégia discursiva também deixa transparecer uma aposta na autopromoção do

DC.

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58 Durante a definição do objeto da dissertação, um artigo foi produzido sobre o potencial da morte como

acontecimento jornalístico diante da audiência. O texto apresenta dados coletados com o programa Google

Analytics sobre as notícias mais consumidas do portal aRede (arede.info) e apresenta um debate sobre o

acontecimento morte somado aos valores proximidade geográfica e violência nas notícias mais consumidas do portal.

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Imagem 32 – Página da editoria de Polícia do DC do dia 25 e 26 de setembro de 2011

Fonte: Do autor

A página dedicada ao tema é ilustrada por uma foto de Jean, novamente de rosto coberto e algemado, além de gráficos que mostram as notícias mais acessadas do site do DC – em primeiro lugar nos acessos, aparece a notícia sobre o assassinato da modelo. Nesse caso, fica clara a intenção do Diário dos Campos de apresentar o caso a partir de dois quesitos: o primeiro deles é do interesse sobre o assassinato e o segundo é a problematização da violência contra a mulher. A morte de Agda é exposta como algo que irrompe os aconteceres cotidianos e, mais que isso, é vista com interesse e preocupação por especialistas e pelo público.

Além disso, o noticiário sobre a morte de uma jovem a partir da indignação do público diante do crime e da identificação dos leitores com o “a forma de vida da modelo”, faz do acontecimento algo que deixa de ser socialmente aceito ou mesmo de compor a série de mortes retratadas de forma episódica. Durante o período de análise, nota-se que a morte de outras mulheres também foi registrada no noticiário, mas sem a mesma repercussão e apelo – os acontecimentos não traziam características dramáticas como o Caso Agda. Com isso a morte da modelo passa a compor a série de relatos que não só extrapolam o espaço das mortes violentas, reverberando, por exemplo, nas páginas de Opinião do DC, como também é vista como um acontecer que interfere na própria agenda do periódico.

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Após romper o cotidiano apresentado nas páginas do jornal e reverberar como potencial de audiência diante dos leitores do Diário dos Campos, a morte só é retratada nas páginas do periódico em mais uma oportunidade durante o mês de setembro. Na edição do dia 30 daquele mês, o DC publica uma notícia no pé de página e sem espaço na capa: “Falta de provas pode inocentar Jean Carlos”.

Sem espaço privilegiado, o relato informa, de maneira sucinta e episódica, que a falta de laudos periciais poderia levar o Poder Judiciário a conceder a liberdade provisória do suspeito. A cobertura sobre o caso segue na edição seguinte, 1 de outubro de 2011. Em uma nota na coluna “Breves”, o DC informa: “Passeata homenageia modelo Agda”. Personagem já consolidada no noticiário, Agda é homenageada por parentes e familiares que “pedem paz” em uma manifestação pelo bairro em que a modelo morava.

Oportuno notar que, ao menos em uma oportunidade, a morte da modelo foi apresentada na cobertura do Diário dos Campos como mote para discussões mais amplas sobre a violência, seja ela a brutalidade cometida contra a mulher ou o alto índice de homicídios registrado no bairro em que Agda era moradora, região periférica de Ponta Grossa. Nesse caso a morte extrapola o campo factual da violência urbana ou de um assassinato apenas como “mais uma morte” (VAZ, 2012), para servir como aspecto factual que motiva outras discussões mais amplas.

Na edição de 4 de outubro, o DC volta a publicar uma notícia sobre a morte de Agda na primeira página. Em uma chamada sem foto na capa, o jornal informa: “Jean pode ser solto até sexta”. Também já tido como integrante do noticiário, o suspeito de matar Agda é apresentado como “acusado do homicídio”, mesmo que a Justiça ainda não tivesse recebido a denúncia. A notícia publicada pelo Diário dos Campos informa sobre a possibilidade da defesa de Jean conseguir a liberdade provisória do rapaz.

O Diário dos Campos dedica a primeira e única manchete ao caso na edição de 8 de outubro de 2011. A notícia é baseada um laudo do IML que comprovaria as circunstâncias da morte da modelo. Com espaço privilegiado na primeira dobra, o laudo é reproduzido ao lado de uma foto da vítima e o DC parece querer reafirmar o caráter verídico das informações expostas sobre o acontecimento morte.

A manchete da edição recebe o título: “AGDA FOI ESTUPRADA E ASSASSINADA, DIZ LAUDO”. No texto que acompanha a manchete, o jornal afirma: “DOCUMENTO É CONCLUSIVO E DERRUBA TESE APRESENTADA PELA DEFESA”. Mesmo que apresente como “conclusivo” o documento do IML, o jornal deixa

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claro que a informação é oriunda do documento e não do próprio jornal ao usar a expressão “diz laudo”.

Imagem 33 – Capa do DC no dia 8 de outubro de 2011

Fonte: Do autor

O texto que acompanha a manchete ressalta o caráter violento em que Agda teria sido morta, informando que os laudos apontavam para o fato da jovem ter sido inicialmente estuprada e depois asfixiada. O DC também informa que o Ministério Público (MP) havia oferecido oficialmente a denúncia contra Jean Carlos pelos crimes de estupro e homicídio qualificado.

Após um hiato significativo nas páginas do jornal, o caso de Agda é impulsionado à posição de manchete. A seleção noticiosa do acontecimento morte ao posto de notícia mais importante da edição do Diário dos Campos parece levar em conta a força documental da informação (um laudo do IML) e as características da morte violenta, além de ter como quesito de contexto o possível abuso sexual e o “modo cruel” em que a morte de Agda teria acontecido.

Na página da editoria de Polícia, o Diário dos Campos também dedica espaço privilegiado para o assunto. A notícia sobre o caso é a principal informação da editoria dedicada aos assuntos policiais e recebe como título: “Laudo aponta que Agda foi estuprada e morta”. O texto apresenta considerações do delegado responsável pelo caso sobre a morte da modelo e relata em detalhes a maneira como a jovem teria sido violentada e morta. A reportagem do DC é ilustrada por uma imagem do delegado responsável pelas investigações, além de fotos de Jean e Agda. O caráter documental do laudo parece possibilitar ao DC

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apresentar hipóteses e até mesmo reconstruir a cena e a dinâmica do crime na reportagem, além de negar a versão apresentada pelo próprio Jean.

Com a morte da modelo Agda sendo tematizada desde o início da cobertura do DC a partir de bagagens culturais do leitor (SILVA e VOGEL, 2012), além dos aspectos violentos ressaltados no noticiário do Diário dos Campos, o periódico publica apenas mais duas notícias sobre o caso nas edições de 18 e 19 de novembro de 2011 – o hiato mostra como o jornal optou por um noticiário sobre a morte da modelo baseado quesitos factuais, mesmo após enaltecer o potencial de audiência da morte em questão.

Na edição de 18 de novembro, o DC publica uma chamada-título na capa: “CASO AGDA TEM AUDIÊNCIA HOJE”. Na página interna de Polícia, o jornal traz uma notícia secundária: “Jean fica cara a cara com testemunhas”. A informação publicada pelo jornal tem como foco o fato do acusado ter que expor a hipótese de “sexo violento” seguido de morte ao juiz diante de testemunhas, entre eles peritos do IML e parentes de Agda.

A última notícia publicada no Diário dos Campos sobre a morte da modelo compõe a edição de 19 de novembro. Em uma foto-legenda na capa, o DC informa: “JEAN CARLOS É INTERROGADO NO FÓRUM”. Na página interna a notícia novamente tem espaço secundário e informa sobre o depoimento de Jean prestado em juízo – o rapaz seguia sustentando a hipótese de “acidente durante um ato sexual selvagem” como causa da morte de Agda.

Com uma cobertura mais enxuta e menos dramatizada do que o Jornal da Manhã, o

DC pauta o caso da morte de Agda a partir de tipificações que cercam a vítima e o suspeito,

Jean Carlos. Sem apostar na dramatização e humanização do relato como o concorrente, o

Diário dos Campos faz dos laudos técnicos do IML uma ferramenta para ressaltar o

acontecimento morte enquanto algo relevante ao leitor após um hiato na cobertura.

Outra abordagem que fugiu ao padrão notado até aqui foi a tematização da morte violenta a partir do interesse público e do potencial de audiência. Ao exibir dados dos acessos da notícia sobre a morte da modelo no site, o Diário dos Campos tentar reafirmar a importância coletiva do assunto diante da sociedade. Nessa mesma ocasião, o jornal também apresenta comentários de especialistas (tanto da Comunicação como da área da Psicologia) para discutir a repercussão da morte da modelo.