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3.9 Mortes inexplicáveis para o discurso noticioso

3.9.4 A tragédia rotineira nas páginas do Jornal da Manhã

Durante julho, agosto e setembro de 2012, o Jornal da Manhã apresentou notícias constantes sobre a morte violenta na capa e nas páginas internas. Além de quatro acontecimentos do tipo que foram alçados ao posto de manchete, outros 23 chamadas que citavam diretamente mortes violentas foram publicadas na primeira página. Além disso, o “continuum da morte” (VAZ, 2012) apresentado pelo JM privilegiou a morte violenta e as imagens chocantes na apresentação desse tipo de acontecimento (KALIBERDA, 2015).

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Entre as manchetes publicadas sobre a morte violenta, a primeira delas é a principal notícia da edição de 17 de julho de 2012. Em uma manchete sem verbo e que traz apenas uma expressão numérica, o JM publica: “DEZ MORTOS E 29 FERIDOS”. Publicada em letras brancas sobre um fundo preto, a notícia e outras mortes violentas ocupam toda a primeira dobra e parte da segunda e, abaixo da manchete, o JM publica apenas a palavra “TRAGÉDIA”.

Imagem 36 – Capa da edição do JM de 17 de julho de 2012

Imagem: Arquivo do autor

Tematizado a partir do caráter trágico e estatístico da morte (dez estudantes), o acontecimento também tem espaço privilegiado na página da editoria de Cotidiano. Ocupando toda a dobra superior da página, a reportagem tem como título “Tragédia – Acidente com ônibus deixa 10 mortos”. A notícia é ilustrada por três fotos publicadas no cabeçalho da página e outra junto a matéria, abaixo do título – todas as imagens mostram o “cenário de destruição da tragédia”.

Imagens de morte (SILVA e VOGEL, 2012) publicadas no Jornal da Manhã e no

Diário dos Campos eram utilizadas nos retratos de mundo oferecidos por cada um dos

periódicos, principalmente junto de termos como “tragédia” – as imagens parecem reafirmar a gravidade dos acontecimentos relatados no discurso jornalístico e, principalmente, o caráter de rompimento com a realidade apresentado por tais fatos, servindo também como provas da realidade relatada por cada um dos noticiários.

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No Jornal da Manhã, o noticiário sobre o acidente com o ônibus de estudantes segue mobilizando o discurso do periódico. Na edição seguinte no dia 18 de julho, o JM noticia em uma chamada sem foto: “TRAGÉDIA COM ÔNIBUS – AVIÃO DA FAB LEVARÁ MORTOS PARA BELÉM”. A chamada dá continuidade a cobertura do acidente e relata o envio dos corpos para a cidade de origem da maioria dos estudantes mortos – a notícia também é o abre de uma das páginas da editoria de Cotidiano.

No terceiro dia de cobertura sobre o caso, o periódico publica uma chamada com foto na capa intitulada: “CORPOS CHEGAM EM BELÉM DO PARÁ”. A imagem mostra a retirada dos estudantes mortos no acidente do avião e o texto que acompanha a foto ressalta que a “tragédia provocou comoção nacional”. A notícia encerra a ritualização desse acontecimento morte nas páginas do Jornal da Manhã.

Primeiro apresentado a partir do caráter acidental e trágico, tendo nas imagens do resgate publicadas no JM aspectos que reforçavam o quesito trágico que envolvia o acidente, o acontecimento morte posteriormente é ritualizado nas páginas do periódico. Após a publicação da capa com imagens que compunham o tom dramático (VAZ, 2012) que envolvia o fato, o Jornal da Manhã apresentou desdobramentos baseados no envio dos corpos e na chegada das vítimas em Belém.

A segunda manchete registrada no período a tratar da morte foi publicada na edição de 31 de julho de 2012. Assim como o concorrente Diário dos Campos, o JM elenca como a notícia mais importante da edição: “‘GRIPE A’ CAUSA 3a MORTE EM PG”. A informação é publicada durante o surto do vírus na região Sul do Brasil e apresenta, além do relato da morte de um paciente, indicações para que os leitores pudessem evitar o contágio.

A terceira manchete publicada especificamente sobre o acontecimento morte é elencada como a notícia mais importante da edição de 25 de agosto de 2012. Mais uma vez acompanhada de uma imagem que mostra um carro destruído, a notícia informa: “ACIDENTE NA BR-376 MATA TRÊS PESSOAS”. O texto relata o acidente registrado no trecho urbano da rodovia e que causou a morte de três pessoas, todas da mesma família, e deixou outras duas vítimas com ferimentos, apenas um bebê de seis meses de idade escapou ileso.

Mais uma vez a partir do caráter acidental do acontecimento (KATZ, 1993), o Jornal

da Manhã faz de um “grave acidente de trânsito” a notícia mais importante da edição. Com o

enfoque dramático ressaltado pelo fato das três vítimas serem da mesma família e o fato de ter entre os sobreviventes uma criança de apenas seis meses de idade, o JM também oferece espaço privilegiado ao fato em questão nas páginas internas da editoria de Cotidiano.

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A última manchete publicada pelo Jornal da Manhã sobre o acontecimento morte no período analisado é eleita a notícia mais importante da edição de 26 de setembro. Em uma manchete sem foto, o JM informa: “Homicídios explodem em PG”. A notícia é baseada em dados do setor de Homicídios da Polícia Civil sobre o número de assassinatos cometidos na cidade durante o primeiro semestre do ano.

Além das manchetes, notícias eleitas como as mais importantes de cada edição, o

Jornal da Manhã também dedicou outros espaços de destaque a morte violenta. Entre as 23

chamadas (com foto, sem foto e chamadas-títulos) que tratavam de acontecimentos do tipo, nota-se um padrão: mortes provocadas em acidentes de trânsito eram publicadas em chamadas com foto.

As imagens de carros destruídos acompanhadas de expressões como “Tragédia”, “Trágico”, “Violência no trânsito” ou do nome da rodovia ou região em que o acidente havia sido registrado integraram o repertório utilizado pelo JM na apresentação da morte em rodovias – expressões do tipo foram usadas em seis notícias publicadas na primeira página do

JM durante a análise.

Para além do óbito trágico e violento, acompanhado de imagens que exibiam carros despedaçados, o Jornal da Manhã também tematizou o acontecimento morte a partir de outros repertórios da audiência (VOGEL e SILVA, 2012). Além do acompanhamento do rito judicial de casos que ficaram conhecidos nas páginas do jornal (tendo como gancho julgamentos, depoimentos e novas decisões do Poder Judiciário), o periódico também tematizou a morte a partir da atuação dos órgãos de segurança, dos atributos do morto e dos familiares. A morte foi notícia, acompanhada da atuação dos órgãos de segurança pública, na edição de 14 de agosto de 2012. Em uma chamada com foto na primeira página, o JM informa: “PM intensifica blitz para reduzir mortes”. O texto que acompanha a imagem apresenta informações das atividades do 1o Batalhão de Polícia Militar na tentativa de “reverter o quadro de mortes nas ruas e estradas” – o texto parece uma resposta a constante presença de mortes violentas causadas no trânsito de Ponta Grossa e região durante o período estudado.

Já os atributos dos mortos e de familiares próximos foram notados como aspectos ressaltados do acontecimento em algumas ocasiões. A primeira delas é notada na edição de 28 de agosto em uma chamada com foto na capa do Jornal da Manhã. Acompanhado do chapéu “TRAGÉDIA NA REGIÃO”, o periódico publica: “Pai do lutador Wanderlei Silva morre em acidente de carro”. Nesse caso, a vítima (Holando Pinheiro da Silva, pai do lutador) tem a morte destacada a partir do status do filho – a mesma estratégia foi utilizada no Diário dos

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Campos. Como tem atributos que o diferenciam de outras vítimas fatais dos vários acidentes

de trânsito em Ponta Grossa e região noticiados pelo JM, Holando é apresentado ao leitor a partir da notoriedade familiar, deixando de lado os aspectos envolvidos no acidente ou os atributos do próprio morto.

A notoriedade volta a ser utilizada como elemento de seleção e apresentação do acontecimento morte em destaque na edição do dia seguinte, 29 de agosto de 2012. Em uma chamada com foto publicada no quadrante superior direito, o JM noticia: “Acidente mata chefe de gabinete de deputado”. Acompanhada de uma imagem que mostra o carro em pedaços, reforçando a narrativa imagética da morte (SILVA e VOGEL, 2012), o periódico informa sobre o óbito de Valdecir Farias da Silva, chefe de gabinete de um deputado estadual. Além da notoriedade e da narrativa imagética utilizada ao noticiar a morte violenta nas estradas, o JM também apresentou outros desdobramentos desse tipo de fato. Na edição do dia 11 de setembro o jornal publica: “BATIDA ENTRE CARROS PROVOCA A MORTE DE BEBÊ”. O texto informa sobre o acidente entre dois veículos de passeio que terminou com o óbito de um bebê de 18 meses e, mesmo que apareça na capa, na página interna a informação é publicada em uma notícia de pé de página. Os óbitos causados no trânsito também foram noticiados a partir dos atributos das figuras envolvidas no incidente. Na edição de 20 de setembro, por exemplo, o JM publica: “CARRO DA PM MATA DUAS MULHERES EM CIDADE DA REGIÃO”. A notícia informa sobre a morte de duas pessoas em um acidente envolvendo uma viatura da Polícia Militar que estaria, possivelmente, em perseguição momentos antes da colisão.

O Jornal da Manhã ainda recorreu a outros mapas mentais da audiência (VOGEL e SILVA, 2012) para formatar o acontecimento morte enquanto notícia. A edição de 22 de agosto, o periódico publica uma chamada com foto: “QUEDA DE AVIAO MATA INSTRUTOR DE AEROCLUBE”. A imagem que acompanha a notícia na capa mostra o avião, carbonizado, após cair de bico – nesse caso o caráter incomum da queda do avião e da gravidade que envolvem o fato são suficientes para apresentar o acontecimento como notícia ao leitor. Por fim, durante os meses analisados, o periódico também tematizou a morte violenta e urbana que já havia composto o noticiário em outros momentos. Na edição do dia 2 de agosto, o JM publica “HOMENS INVADEM CASA E EXECUTAM JOVENS A TIRO” – o crime teria sido cometido por uma dívida de R$ 5. Já na edição publicada nos dias 26 e 27 de setembro de 2012, o jornal informa: “NETO MATA O AVÔ A GOLPES DE FOICE NA ZONA RURAL”. Nesse caso o parentesco entre vítima e agressor e o modo brutal em que a morte teria acontecido são ressaltados no texto que acompanha a notícia na primeira página.

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