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3.5 O caso do Bruxo do Guaragi

3.5.6 A morte trágica e cotidiana nas páginas do JM

Durante os três meses de cobertura analisados no Jornal da Manhã, temas ligados ao setor de Segurança Pública e às atividades dos órgãos de segurança tiveram espaço considerável nas manchetes do jornal. Das mais de 80 manchetes coletadas no período, 24 delas tratavam de temas que vinham da página de Cotidiano e diziam respeito, especificamente, ao setor policial – esse número não leva em conta as outras quatro manchetes publicadas sobre o “Caso do Bruxo do Guaragi”.

Além do grupo de notícias da página de Cotidiano que, por vezes, ganhava o status noticioso de manchete, o Jornal da Manhã também costumava tematizar com alto valor noticioso informações do setor político e econômico – temas dessa natureza eram, costumeiramente, os mais presentes nas manchetes. No entanto, nesse trecho da análise a preocupação é compreender quais os acontecimentos morte que ganharam o status noticioso de manchete durante o período analisado no JM e principalmente como tais fatos foram tematizados no noticiário.

O primeiro acontecimento morte a ser formatado com alto valor noticioso pelo jornal no período é a manchete publicada no dia 17 de outubro de 1999. Com o título “Acidente mata um e deixa quatro feridos”, a notícia é acompanhada por duas fotos e ocupa boa parte do quadrante superior da capa do JM. No subtítulo da manchete, o Jornal da Manhã informa:

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“Foi na manhã de sábado, na pista Ponta Grossa/Curitiba. Um veraneio destruiu um Gol ocupado por três pessoas”.

A narrativa verbal e imagética (SILVA e VOGEL, 2012) do JM sobre o acontecimento morte é destacada pela legenda que acompanha uma das imagens publicadas na capa. No texto, o jornal ressalta que um dos veículos tinha se transformado em uma “bola de metal retorcida” e ainda informa sobre a retirada do corpo das ferragens. Neste caso, o caráter acidental (RODRIGUES, 1993) do acontecimento morte fica evidente.

Imagem 22 – Capa do JM no dia 24 de outubro

Fonte: Do autor

A manchete publicada pelo JM integra o chamado acontecimento modelo na tematização da morte nas páginas dos jornais – acidentes de grandes proporções e que causaram morte(s) são fatos que interessam para o retrato de mundo oferecido pelos periódicos estudados. Além disso, o JM também viria a publicar outros tipos de acontecimento modelo durante o período.

A morte volta a ter espaço na manchete do JM no dia 4 de novembro de 1999 e apresenta o acontecimento a partir de um recorte que privilegia a violência e também o caráter periférico do local em que o óbito foi registrado. Com o título “Matança na Coronel Cláudio continua”, o periódico publica uma manchete sem foto sobre a morte de um rapaz em um bairro periférico de Ponta Grossa. No texto que acompanha a manchete, o jornal informa:

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Outro grupo criminoso instalado na favela da Coronel Claudio, formado por usuários de substâncias entorpecentes, está sendo responsabilizado pelo massacre e morte do estudante Claudinei Aparecido Pedroso, 18. O crime ocorreu na tarde da última segunda-feira (1) em um arroio às margens da rua Manoel Marques, naquela região. O garoto foi ferido com tiro de espingarda cartucheira e sofreu pelo menos oito perfurações no abdome [sic]. “A vida tem sido muito cruel. Há muito sofrimento e não sei mais o que fazer”, reclamava Maria Ribeiro das Dores, 46, mãe de Claudinei. (Matança na Coronel Cláudio continua. Jornal da Manhã, Ponta grossa, 4 de novembro de 1999, p. 1)

O texto da manchete deixa evidente a construção textual de um acontecimento trágico fruto da violência urbana. Ao recorrer a termos como “massacre” e “matança” e expor a fala da mãe da vítima, o discurso do JM apresenta o acontecimento morte em questão a partir da ótica do drama. A manchete ilustra o caráter factual da cobertura sobre a morte violenta e urbana aplicada pelos jornais.

A morte na periferia é apresentada como um acontecimento a mais que compõe o rol dos aconteceres cotidianos e não tem exposto o caráter de rompimento da realidade sugerido em outros fatos semelhantes. Mesmo que o discurso do Jornal da Manhã dramatize e ressalte o caráter violento da morte, o acontecimento em si compõe o que Vaz (2012) chama das mortes socialmente aceitas, ao contrário do assassinato da professora Sonia Rocha, por exemplo, morta na região central da cidade e não em um bairro periférico – no caso de Sonia a inquietação causada pelo fato é tematiza pelo jornal em diversas oportunidades.

Ainda no mês de novembro, o JM publica outras duas manchetes sobre acontecimentos morte. A primeira delas recorre ao caráter estatístico dos fatos para dar sentido a ocasião (KATZ, 1993). Na edição do dia 9 de novembro o Jornal da Manhã apresenta como manchete a notícia “Final de semana violento deixa seis mortos” – o artifício de valorização do fato é o mesmo das ocorrências anteriores em outros jornais.

A manchete aposta no aspecto estatístico do acontecimento para apresentar a situação como algo relevante diante do público. No subtítulo que acompanha a notícia na capa, o JM informa: “Em Ponta Grossa homem foi morto a machadadas no San Marino. Crime aconteceu domingo a noite”. No texto publicado logo abaixo da manchete, o jornal apresenta um resumo da série de mortes e destaca, cada uma delas, a partir de características específicas do acontecimento:

A região viveu um final de semana violento. Em Imbituva um adolescente morreu em frente a uma igreja ao acidentar-se com uma moto Honda. Ele estava sem capacete e não teria autorização dos pais para pilotar. Em Irati, um casal de namorados afogou-se em uma cachoeira às margens da BR-153. Os dois passeavam na companhia de amigos. Outro afogamento aconteceu no Recanto dos Papagaios, em Palmeira. Em Ponta Grossa o Instituto Médico Legal registrou duas mortes: um rapaz morreu em um desastre na Balduíno Taques e um homem de 54 anos foi morto a golpes de machado pelo próprio vizinho. O assassino momentos antes do

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crime decepou a cabeça de um animal que pertencia à vítima. (Final de semana violento deixa seis mortos. Jornal da Manhã, Ponta Grossa, 9 de novembro de 1999, p. 1)

O texto que acompanha a manchete ilustra a estratégia discursiva do JM de reunir fatos que não tem ligação entre si para apresentar o cenário de violência. Ao reunir mortes dispersas, o jornal contribui para o que Vaz (2012) chama de preparação do homem comum para a morte – o autor considera que os jornais dão, diariamente, lições sobre morte para que o homem comum se habitue com o destino final.

Do ponto de vista da seleção noticiosa, a escolha também é explicada pelo caráter estatístico do acontecimento. Ao reunir várias mortes que isoladas teriam um valor noticioso inferior, o JM agrupa os fatos em uma só informação para compor um retrato de mundo e, ao contrário de outros acontecimentos mortes, em que são os atributos do morto (ANTUNES, 2012) que impulsionam a cobertura, nesse caso esses aspectos estão diluídos na morte estatística.

Além disso, a manchete do JM também ressalta o caráter cruel e dramático de um dos acontecimentos que compõe o chamado “final de semana violento” retratado na notícia de capa. O “assassinato a machadadas” também é o fato destacado na notícia que abre uma das páginas de Cotidiano da edição – nesse caso o caráter dramático do assassinato impulsiona o fato no discurso noticioso.

Outra manchete do Jornal da Manhã durante o período de análise que trata do acontecimento morte é publicada na edição de 11 de novembro de 1999. Sem acompanhamento de foto, o JM publica “Overdose mata suspeito de atentado” como principal notícia da edição. No subtítulo da chamada o jornal informa: “Corpo foi encontrado dentro de um apartamento. Rapaz havia espancado e roubado namorada, que é advogada” [sic]. A notícia informa sobre a morte de Maurício Rickle, ponta-grossense que havia sido encontrado morto em Itajaí e era suspeito de agredir a namorada – o caso havia composto o noticiário do

JM nos meses anteriores.

Assim como na cobertura sobre o caso do “Bruxo do Guaragi” e seus desdobramentos, o acontecimento toca questões do passado e do futuro (QUÉRÉ, 2005). Nesse caso a morte de Maurício, tido como suspeito de uma agressão contra a namorada, é noticiada levando em conta atributos da vítima (advogada) e as circunstâncias da morte (overdose). Ambos aspectos compõe o retrato de mundo oferecido pelo JM a partir do acontecimento morte e contribuem para que o jornal enquadre o fato no discurso noticioso.

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Em dezembro de 1999, o JM publica outras duas mortes que integram as manchetes do periódico sobre o assunto. A primeira delas é o destaque da edição de 10 de dezembro e tem como título: “Droga motivou assassinato na Estação”. A informação diz respeito as investigações da Polícia Civil sobre um crime cometido no mês anterior. No subtítulo que acompanha a manchete, o JM informa: “Rapaz morto em frente à Estação Saudade, mês passado, teria dívida de R$ 15, por causa de drogas, com traficantes” [sic].

No texto que acompanha a manchete, o JM ressalta o caráter fútil e cruel que motivou o acontecimento morte ao noticiar que o assassinato de Dione Rodrigues, 22 anos, catador de papel, aconteceu em um “confronto” que envolveu entre 9 a 12 homens e teria como motivação uma dívida de R$ 15. O relato compõe o que Vaz (2012) chama da morte violenta e urbana publicada pelos jornais na composição dos acontecimentos cotidianos – dessa vez, o óbito provocado por uma dívida com membros do tráfico e apresentado pelo jornal no retrato da violência urbana.

A última manchete publicada pelo Jornal da Manhã durante o período analisado que trata do acontecimento morte é a principal notícia da edição de 14 de dezembro. Com o título “Gestante é esfaqueada e baleada”, o JM publica uma manchete sem foto que informa sobre o atentado contra uma adolescente de 17 anos de idade, grávida de cinco meses. No texto que acompanha a manchete, o jornal dá indícios do contexto do fato e apresenta hipóteses sobre o acontecimento:

Possivelmente sob efeito de álcool e droga, um rapaz espancou, esfaqueou e deu tiros em uma adolescente de 17 anos de idade e grávida de cinco meses. A violência gratuita aconteceu no loteamento São Marcos, na estrada de Alagados, domingo pela manhã, e chocou a comunidade. Claudemir Rodrigues, 21, autor da brutalidade, encontra-se preso. Isabel Aparecida Martins, a vítima, está internada e corre risco de vida. (Gestante é esfaqueada e baleada. Jornal da Manhã, Ponta Grossa, 14 de dezembro de 1999, p. 1)

Mesmo sem se referir a morte de maneira literal, a manchete foi destacada do grupo de notícias analisado no Jornal da Manhã por ilustrar um caso extremo de violência. Além disso o fato é relatado como um acontecer que rompe o cotidiano e é tematizado como algo que também foge da série de acontecimentos que compõe a vida em sociedade (SILVA, 2014d).

Diante das manchetes e notícias sobre morte destacadas durante o período no JM, nota-se que esse tipo de acontecimento conquistou maior valor noticioso quando vários óbitos foram agrupados. A morte também recebeu maior valorização noticiosa quando ligada a aspectos da violência urbana ou a locais periféricos. O assassinato de uma professora registrado no centro da cidade foi exposto pelo JM como um fato inquietante e que mobilizou

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a comunidade, já a morte de um jovem em um bairro periférico é apresentada pelo caráter dramático, como se a morte na periferia fosse socialmente aceita, diferentemente de um assassinato na área nobre.

Além disso, o JM também apresentou como manchete o acidente enquanto modelo de acontecimento morte. O óbito provocado em acidentes de trânsito classificados, na maioria das vezes, como “tragédias” e acompanhados de imagens que exibem carros e corpos destroçados, compondo uma narrativa imagética e linguística (SILVA e VOGEL, 2012) comum quando o assunto é a morte violenta.