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A definição de um fato que tem condições de ser transformado em acontecimento jornalístico é acompanhada de uma série de características. Esses aspectos elementares vão desde propriedades intrínsecas aos próprios acontecimentos à definições que cercam o entendimento sobre aquele determinado fato e que estão ligadas a abordagens culturais, por exemplo.

No entanto, o esforço teórico de transformar em conceito o “acontecimento jornalístico” é acompanhado de noções que cercam o funcionamento dos próprios meios de comunicação. Afinal, é através da atuação desses meios que um acontecimento, seja ele qual for, disperso entre os fatos que compõe o cotidiano difuso e corriqueiro, se transforma em um acontecimento noticiável e destacado dos demais.

Miquel Rodrigo Alsina (2009, p. 113) considera a produção noticiosa um “complexo processo que começa com a identificação de um acontecimento”. Mas o autor lembra que é fundamental recordar que esse acontecimento é algo que compõe a construção de uma

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realidade social feita, em sua maioria, pela atuação dos mídias diante dos processos culturais vigentes.

Alsina (2009) recorre a Stuart Hall (1981) ao argumentar que não existe leitura da realidade que seja descontextualizada culturalmente – toda percepção está calcada em aspectos culturais vigentes. Tal abordagem é feita através de um sujeito observador que confere sentido ao acontecimento e lhe reconhece diante de uma bagagem cultural estabelecida socialmente.

Ao ilustrar tal ponto de vista, Alsina (2009) cita a passagem de estrelas no século XIII vistas por determinados astrólogos e não por outros, tal observação foi cercada por (pré)conceitos culturais – segundo o autor, naquele momento tal fato era um “acontecimento impossível” para os astrólogos da Europa diante do contexto histórico e cultural e, por isso, não foi visto como um acontecimento pelo grupo. Alsina (2009, p. 115) define o conceito como um:

(...) fenômeno social e como veremos a seguir, está determinado histórica e culturalmente. É claro que, cada sistema cultural, vai concretizar quais são os fenômenos que merecem ser considerados como acontecimentos e quais passam despercebidos.

A partir dessa consideração, o autor elenca três premissas básicas na identificação dos acontecimentos. De acordo com Alsina (2009, p. 114), a primeira premissa prevê que estes são gerados através de fenômenos externos para o sujeito. Na segunda, o autor pondera que mesmo sendo externos aos sujeitos, tais acontecimentos não fazem sentido longe deles, já que são os próprios indivíduos que lhe conferem significação. A terceira premissa do autor lembra que tais “fenômenos externos” ao sujeito são percebidos e se tornam acontecimentos, propriamente ditos, por causa da ação desses indivíduos sobre eles.

A discussão proposta por Alsina (2009) relata de maneira metafórica a produção noticiosa ao elencar três premissas básicas para o acontecimento jornalístico. Para sustentar a aplicação dessas metáforas, Alsina (2009) recorre à Berger e Luckmann (1979) para trazer à tona o debate sobre como a realidade é posta diante dos sujeitos. Alsina (2009) lembra que, segundo Berger e Luckmann (1979), “a realidade estabelece-se a partir da relação que reconhecemos sendo independente da nossa própria volição” (apud Alsina, 2009, p. 114) e a certeza de que os fenômenos são reais e de que possuem características específicas.

Ao debater e especificar o caráter externo dos acontecimentos jornalísticos, Alsina (2009. p.114) utiliza o conceito de facticidade de Berger (1981). Para o autor, lembrar que determinados fatos se apresentam ao indivíduo como realidades factíveis externamente e que

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são independentes “da sua própria atividade de objetivação do indivíduo” são aspectos que auxiliam na identificação e qualificação dos acontecimentos.

Rodrigues (1993, p. 27) também analisa as características do acontecimento jornalístico e lembra que esse tipo de fato “irrompe sem nexo aparente, nem causa conhecida, e é por isso notável e digno de ser registrado na memória”. No entanto, o autor argumenta que os próprios fatos que são considerados acontecimentos jornalísticos contém registros de noticiabilidade17, aspectos fundamentais na escolha desses acontecimentos e que também ilustra, certo aspecto de rompimento com o cotidiano. Rodrigues (1993, p. 127) considera que “o registro do excesso é de todo o mais corrente visto ser a irrupção por excelência do funcionamento do anormal dos corpos, tanto dos corpos individuais como dos corpos coletivos e institucionais”.

Ao citar o funcionamento anormal de corpos, sejam eles individuais ou institucionais, Rodrigues (1993) se refere à função dos indivíduos e instituições, respectivamente. O exemplo apresentado pelo estudioso é o de uma aldeia massacrada por uma tropa regular do Exército. Na visão do autor este é um acontecimento de notável proporção de uma excessiva forma como o corpo militar desempenhou uma das funções normativas que é fazer guerra.

Rodrigues (1993, p. 27) conceitua:

O acontecimento jornalístico é, por conseguinte, um acontecimento de natureza especial, distinguindo-se do número indeterminado dos acontecimentos possíveis em função de uma classificação ou de uma ordem ditada pela lei das probabilidades, sendo inversamente proporcional à probabilidade de ocorrência. Neste sentido, faz parte de um conjunto relativamente restrito que pertence a um universo muito vasto.

Ao relatar certa natureza especial no acontecimento jornalístico, Rodrigues (1993, p. 28) salienta que a inversão também é outro registro de noticiabilidade para este conceito. Na visão do autor, a teoria jornalística que considera o fato de um homem morder um cão como notícia inscreve-se nesse registro, no que Rodrigues (1993) chama de acontecimento

boomerang.

O caráter imprevisível dos acontecimentos é ressaltado por Rodrigues (1993, p. 30) quando o estudioso lembra que pertencia à antiguidade o campo da adivinhação e da premonição do que viria acontecer no cotidiano das pessoas. O autor recorre ao que chama de consequência da previsibilidade moderna para argumentar que o discurso e os acontecimentos jornalísticos fazem parte do processo de enquadramento e regulação dos acontecimentos !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

17 Rodrigues defende que registros de noticiabilidade são aspectos dos acontecimentos que impulsionariam tais

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previsíveis. Na visão de Rodrigues (1993), o Jornalismo é parte fundamental na fixação do caráter de veracidade sobre determinado acontecimento.

Ao observar o conceito de acontecimento a partir de noção de ocasião e discuti-lo, tendo como base as transmissões de radiofusão, Elihu Katz (1993) lembra que as transmissões de televisão fornecessem sem interrupções um retrato do mundo enquadrado cultural e socialmente. A partir essas considerações, Katz (1993, p. 52) argumenta que existem algumas características definidoras que estão associadas aos acontecimentos. A primeira delas, na visão do autor, é que tais fatos devam ser transmitidos ao vivo e a segunda é que normalmente tais acontecimentos são criados pelos mídias, os chamados pseudo acontecimentos18.

Como observa a definição de acontecimento diante das coberturas de radiofusão, Katz (1993, p. 53) afirma que o aspecto dramático é primordial na definição de tais acontecimentos. “O elemento do grande drama ou ritual é essencial: o processo tem de estar carregado de emoções ou símbolos e o resultado repleto de consequências”, pondera o pesquisador.

As observações feitas por Alsina (2009), Rodrigues (1993) e Katz (1993) são conflitantes em alguns aspectos, mas também podem ser encaradas como complementares quando vistas de outro modo. “É claro que cada sistema cultural vai concretizar quais são os fenômenos que merecem ser considerados como acontecimentos e quais passam despercebidos”, lembra Alsina (2009, p. 115).

Já na visão de Rodrigues (1993, p. 29), o acontecimento pertence, majoritariamente, ao mundo do acidente:

O discurso do acontecimento é uma anti-história, o relato das marcas de dissolução da identidade das coisas, dos corpos , do devir. Pertence, por conseguinte, ao mundo do acidente que deixa vestígios e altera a substância do mundo das coisas, das pessoas e das instituições. O nascimento e a morte são por isso os acidentes-limite em relação aos quais todas as outras ocorrências se posicionam e se referem. Para o nascimento e a morte não há explicação plausível porque não há sentido racional que os compreenda numa lógica causal, num antes e num depois.

Se Alsina (2009) e Rodrigues (1993) chamam a atenção para o aspecto da formação cultural do acontecimento e da acidentalidade eminente de tal fato, respectivamente, Katz (1993) elenca suas condições para a criação de um evento midiático. O autor leva em conta a transmissão ao vivo do fato, a condição de pré-planejamento, o enquadramento no tempo e no !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

18 Sobre pseudo acontecimentos ver: Molotch, Harvey, and Marilyn Lester. As notícias como procedimento

intencional: acerca do uso estratégico de acontecimentos de rotina, acidentes e escândalos." Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Lisboa: Vega (1993), p. 34-51.

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espaço feito pelos meios de comunicação, o destaque de um grupo ou uma personalidade heroica, um grande significado dramático ou ritual e por fim a força social que torna o ato de acompanhar tal acontecimento obrigatório socialmente.

Nas noções apresentadas pelos três autores, existem diferentes ponderações sobre pontos de vista também alternativos quando da observação do acontecimento. Alsina (2009) inicia a discussão a partir de noções e apreensões culturais, enquanto Rodrigues (1993) discute o conceito na busca de aspectos que reforcem o que faz um fato irromper a plenitude dos acontecimentos cotidianos e Katz (1993) projeta a discussão na participação dos mídias na configuração de um acontecimento midiático.